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Jornalista Lúcio Flávio
Pinto,homenageado da 59ª
Reunião Anual da SBPC
JORNALISMO ESSENCIAL:
RECONHECIMENTO DA CIÊNCIA
Fiz minha primeira palestra
em 1967, em Santarém. Estava com quase 18 anos e acabara
de ganhar um prêmio, que o Lions Internacional criara
para premiar o melhor ensaio sobre o tema "a paz é
possível?". Os leões da terra natal queriam
que eu lhes apresentasse minha dissertação,
o que fiz, nervosamente.
A segunda palestra só aconteceu dois
anos depois, em 1969. A única razão para falar
sobre a Amazônia para distintas senhoras de um clube
feminino instalado na avenida Estados Unidos, nos lindos jardins
de São Paulo, era ter nascido na Amazônia. Senti-me
como um índio quinhentista nos salões reais
da Europa. Sem a companhia de periquitos e papagaios, é
claro.
Acho que já passei dos dois milhares
de palestras desde então. Vejo numa anotação
que em 1982 elas somavam 962. De lá para cá
não deu mais para manter o registro. Em mais de 95%
dos casos, foram apresentações gratuitas. Geralmente
porque concordei com a relação, risonha e franca,
"pela causa"; mas também por abuso de muitos
dos meus anfitriões, mal acostumados à minha
fidalguia, às vezes compulsória (como no caso
do herói, sem tempo para fugir).
É que, quando tinha um salário
fixo, não me importava em ser explorado, especialmente
quando era uma exploração lúdica, que
me proporcionava a oportunidade de ter contato direto com
muitas e diferentes pessoas, o melhor nesse missionarismo
palestrante. Queria disseminar informações,
partilhar idéias e fomentar interesse pela Amazônia.
Há mais de uma década, porém, vivo de
rendimentos eventuais. Eu me reciclei para viver assim. Meus
convidados, não.
Mas não é esse detalhe lateral
o que interessa. Queria falar sobre o constrangimento que
involuntariamente eu criava quando tinha que ser apresentado
ao público. O apresentador indagava pelo meu título.
Eu respondia rapidamente, sem qualquer dúvida sobre
a minha condição: jornalista. "Só?",
reagia o interlocutor.
Durante alguns anos, era só isso mesmo.
Um tanto contrariado ou constrangido, o apresentador declarava
o meu título, como se pedisse desculpas. Algum tempo
depois que me formei em sociologia, já ciente da circunstância
desfavorável, acrescentei meu título acadêmico
ao profissional. Propiciei um grande alívio ao apresentador,
sobretudo no meio acadêmico. Eu deixava de ser "apenas"
jornalista: felizmente, era também sociólogo.
Surgia então uma explicação mais aceitável
para eu ser convidado para as palestras.
Quando comecei a trabalhar, o jornalismo era
associado a empirismo, impressionismo, inexatidão,
imprecisão, incapacidade para demonstrar, falta de
base documental, não-científico. Havia boa dose
de preconceito nessa atitude, mas o procedimento dos jornalistas
alimentava essa má-vontade, enfática nos acadêmicos.
Quanto mais eles destacavam o que os distinguia e distanciava
dos jornalistas, mais reforçavam seu próprio
valor como homens de ciência, mesmo quando agiam assim
inconscientemente.
Entrei pela primeira vez como profissional,
na redação de A Província do Pará,
em 1966, com um caderno na mão. Logo observei: era
o único com esse hábito. Os demais pegavam algumas
folhas de papel (as laudas, que na Província eram rudimentares:
nem marcação tinham), nelas faziam suas anotações
e as jogavam fora quando concluíam a matéria.
Comecei minha pregação para
que todos usassem cadernos. Assim poderiam transformá-los
em arquivos, recorrendo a eles quando necessário. Ainda
mais porque apenas uma parte das anotações ia
para o texto que escreviam, chegando dessa forma à
página impressa do jornal. As laudas acabavam na cesta
de lixo, destino inglório, desperdício de informação,
que nunca mais podia ser recuperada.
Tenho centenas de cadernos meus e alguns outros
de terceiros. Um dos meus projetos para a velhice é
voltar a eles e tentar abordar a história que vivi
e testemunhei de uma perspectiva mais pessoal, menos enquadrada
no rigor da bitola jornalística. Literária,
talvez, se um dia os astros me soprarem algum talento para
lidar com essa arte, que se mantém fora do meu alcance
criativo (limito-me a ser um apreciador de literatura). Alguns
desses cadernos são preciosos. Por exemplo: os que
Raimundo Rodrigues Pereira escreveu durante a edição
especial da revista Realidade sobre a Amazônia, em 1971,
meu maior troféu nessa empreitada.
Raimundo foi um dos meus mestres no aprendizado
do jornalismo. Através dele, me confrontei com o rigor
das ciências exatas, meu bicho-papão na escola
convencional. Raimundo viera da física para o jornalismo.
Com ele, não podia ser mais ou menos. Só aceitava
colocar em letra de forma o que pudesse ser exemplificado,
demonstrado, reconstituído. A apuração
precisava ser meticulosa e bem clara a exposição.
Além disso, o texto tinha que conter humor, ironia,
espírito (no sentido daquela "espirituosidade"
capaz de distinguir a pessoa brilhante do tipo padrão).
Espicaçado pelas exigências e
cobranças de Raimundo na retaguarda da edição,
íamos para "campo" mais alertas e perspicazes.
Se não levávamos tanta munição
perceptiva, tínhamos que reescrever, voltar a checar,
ampliar a apuração dos fatos, enriquecer, evoluir.
Evoluí tanto com esse mestre que cheguei ao estágio
de me confrontar com ele. Chegara a minha vez de passar para
o outro lado, o lado que até então fora o dele.
Ainda considero Raimundo meu parâmetro superior de jornalismo
em tudo, exceto, talvez, em Amazônia. O que mais me
honra é poder tê-lo - se não como igual
- como um equivalente, poder ombreá-lo algumas vezes.
Qual era esse ponto de nivelamento por cima,
marcante nessa geração, que entrou nas redações
entre o golpe militar de 1964 e o AI-5, de 1968? O pé
que ela tinha na universidade, principalmente. Fomos buscar
um diploma. E como ainda não havia essa bitola empobrecedora,
a busca foi ampla e imprevisível. Vários, como
Raimundo, vieram da física.
Acho que esta foi a novidade em relação
à geração anterior, que sobreviveu ao
Estado Novo (1937-1945) ou se revelou com a democratização
seguinte. Os jornalistas desse período foram até
mais brilhantes do que nós, mais amplamente talentosos,
com maior diversidade de recursos pessoais. Mas confiaram
exageradamente em seus talentos, em sua intuição,
em seu brilho excepcional. Estudavam pouco, apuravam insuficientemente,
não davam aos fatos a importância que eles intrinsecamente
têm (e precisam sempre ter) no trabalho do jornalista.
Não tinham método, em suma.
Foi essa a novidade que a universidade deu
aos jornalistas que passaram a freqüentá-la na
década de 60 do século passado. Não importava
tanto qual o curso superior que faríamos, uns aparentemente
mais coerentes, nas ciências humanas, outros parecendo
deslocados, nas exatas e naturais. Talvez as humanas dessem
maior capacidade crítica, mas as exatas e naturais
imprimiam maior apreço pela exatidão dos fatos,
por sua demonstração, graças ao seu experimentalismo.
Seguindo um ou outro caminho, ou os combinando,
através do diálogo e da experiência em
comum, aprendemos a agir e raciocinar com método, por
etapas, trabalhando com hipóteses, seguindo um roteiro,
suficientemente consistente para nos orientar, mas aberto
às novidades, para não nos limitar. Demarcando
o caminho com pedras, para poder refazê-lo, e não
com miolo de pão, a causa da perdição
de João e Maria na fábula infantil. Não
estávamos mais sujeitos à tentação
de reinventar o mundo a cada dia de trabalho: nos encaixávamos
no processo cumulativo de informação e conhecimento
do nosso meio, do mundo, da humanidade.
Essa formação acadêmica
nos protegeu do empirismo e da falta de rigor que predominava
no jornalismo. Eu chegava à redação com
meu caderno e saía com um bocado de papel debaixo do
braço, que arrebanhava principalmente no gabinete do
diretor de redação e meu primeiro e maior mestre,
Cláudio Augusto de Sá Leal.
Ganhei meu primeiro apelido: "sovaco
ilustrado". O ceticismo geral, implícito nesse
batismo, diminuiu um pouco depois do primeiro "furo",
ainda em 1966: uma entrevista exclusiva com o historiador
inglês Arnold Toynbee, considerado o maior na época,
que passou por Belém a caminho dos Estados Unidos,
para uma palestra. Carlos Gomes Lopes, o secretário
do jornal, foi o autor do novo apelido: passou a me chamar
de Toynbee.
Uma das minhas qualificações
para a matéria, reproduzida em página inteira
pelo Correio da Manhã, do Rio (o que me ajudaria depois,
na temporada carioca), era conhecer pelo menos parte da obra
do autor de Um Estudo da História, um cartapárcio
em 15 volumes (na minha edição), que reconstitui
a trajetória da humanidade. O velho historiador, que
morreria anos depois, foi condescendente com o menino curioso
ao constatar que seu entrevistador podia dialogar com certo
conhecimento de causa sobre o tema proposto.
Nessa época não havia nenhum
arquivo de texto nos jornais de Belém, recurso ainda
pouco usual até mesmo na grande imprensa nacional.
Tentei sem sucesso sensibilizar a direção de
A Província para esse investimento vital, mas somente
anos depois ela aceitou criar o primeiro arquivo do jornal,
restrito, porém, a fotografias. Até hoje essa
é uma das mais flagrantes lacunas na retaguarda da
imprensa local, que tentei compensar com a montagem de um
banco de dados na Funtelpa (Fundação de Telecomunicações
do Estado). Iniciado e interrompido, ficou pelo caminho, fulminado
pelas tradicionais complicações políticas
de um órgão público. Espero que, mesmo
em estado embrionário, ainda subsista. E um dia tenha
continuidade.
Esse é recurso essencial para um jornalismo
de melhor conteúdo. Uma das razões do sucesso
do Jornal do Brasil na passagem entre os anos 50 e 60 foi
o seu Departamento de Pesquisa, criado por Murilo Felisberto,
recentemente falecido (sem o destaque merecido), e aprimorado
por Fernando Gabeira.
Muitos leitores, como eu, liam os textos do
JB de baixo para cima, do box, preparado pelo Departamento
de Pesquisa, para a matéria do dia. Esse modo de proceder
enriquecia o acompanhamento do cotidiano ao encadeá-lo
no processo histórico. Quando me mudei para o Rio,
esse templo foi minha inalcançada meta. Mas usufruí
imensamente com as longas horas que passei nos arquivos do
Diário de S. Paulo, do Estadão e do Dedoc da
Editora Abril.
Antes mesmo de me profissionalizar eu já
organizava minha coleção de recortes de jornais
e revistas, um fardo que foi crescendo paquidermicamente ao
longo dos anos. Também procurava documentos oficiais
e publicações corporativas, o que me tornou
cliente precoce do IBGE, quando o instituto funcionava bucolicamente
na avenida Gentil Bittencourt e ali pontificava João
Álvaro, o locutor esportivo de voz agradavelmente rouca
(como a de outro mestre, Edyr Proença). Ele era o amável
intermediário para obter as séries estatísticas
e outros numerosos papéis, devidamente enquadrados
pelo armazenados sovaco.
Fui leitor compulsivo desde a primeira hora
da alfabetização, ainda em Santarém,
com a irmã Norina, no Colégio Santa Clara, e,
por isso mesmo, desorganizado, caótico. Mas o acesso
à teologia e à filosofia dos primeiros existencialistas
- e, em seguida, a Sartre - me fez perceber que precisava
de disciplina. Queria continuar a ler pelo princípio
do prazer, que se tornou meu norte de vida. Mas tinha também
que produzir, criar. Para isso, precisava seguir um processo
de acumulação de dados, sempre mais seguros
e mais amplos, guiado por uma bibliografia sistemática.
Tal necessidade foi amparada por meu pai, que abriu em meu
nome uma conta-corrente na exuberante Livraria Martins, comandada
à sombra pelo generoso "seu" Carlos e, na
vanguarda, pelo sempre gentil "seu" Gama. Como comecei
a trabalhar cedo, logo passei a sustentar a pesada conta.
Sempre à cata de curiosidades interessantes
para ilustrar meus "causos" ou para desvendar raízes
obscuras ou insólitas, também fui imberbe cliente
da Livraria Econômica, de Eduardo Failache, na quadra
seguinte da travessa Campos Sales, no perímetro que
estava deixando de ser um dos mais charmosos da cidade, se
não o número um mesmo. Pouca gente sabia que
o "sebo" tinha esse pomposo nome, mas na maioria
das vezes a livraria não o merecia mesmo: afinal, Dudu
raramente era econômico na fixação dos
preços, ao menos no lance inicial.
Para chegar a um valor contratual era preciso
negociar, cobrar ou mesmo xingar, ameaçando nunca mais
pôr os pés naquele reduto da luxúria.
Nessas ocasiões, tempos depois de entrar pela primeira
vez naquele tugúrio de livros, eu dava alguns passos,
saía do local da pugna, tomava o elevador, subia até
o 8º andar do edifício Justo Chermont, me acalmava
na sede da sucursal de O Estado de S. Paulo, onde trabalhava,
repensava, e voltava ao sítio da contenda feroz para
formular um novo lance pelo cobiçado butim. E assim
se passaram os longos anos de esgrima verbal com Dudu, até
levá-lo à última morada, no ano passado,
como o único cliente que respondeu presente ao derradeiro
encontro entre amigos.
Graças a essa dupla via, acho que formei
minha carapaça de jornalista sem perder o enchimento
de vivacidade e leveza, que a leitura por puro prazer proporciona.
Como eu, muitos outros que, em várias partes do país,
seguiam a mesma trajetória, no rumo de um jornalismo
enriquecido. Tão acrescido que começaram a surgir
adjetivos acompanhantes para qualificá-lo: investigativo,
econômico, ambiental, indigenista, amazônico.
As especialidades, de fato, são necessárias.
Mas são complementares, uma ferramenta a mais no estojo
de um profissional que é específico, único
e útil porque testemunha acontecimentos tão
díspares, testemunhando-os de fato, não por
mera leitura, por ouvir dizer. Esteve no olho do furacão.
Pode dizer: "meninos, eu vi". Sem ser presunçoso
ou pretensioso. Empenhado em assegurar para a sociedade a
perenidade do cotidiano, eliminando o efêmero que se
esfuma no dia-a-dia, desprovido de conteúdo, de história.
Fazer esse jornalismo é difícil
e desgastante. Quando saímos para uma reportagem especial,
que geralmente exige viagem, seguimos orientados pela consulta
a material de arquivo, mas não só isso, que
se tornou trivial (embora não seguro) com os google
da vida, acessíveis pela rede mundial de computadores.
Dispomos de um método científico, que nos possibilita
aplicar amostras ao universo que iremos cobrir, perceber tipos,
extrair (ou aplicar) conceitos a uma realidade que se apresenta
aparentemente inescrutável, amorfa, indefinida.
Claro que não vamos "a campo"
apenas para confirmar hipóteses ou teorias. Se fizéssemos
isso, nosso jornalismo não teria valor. Temos que estar
em condições de perceber as novidades, as diferenças,
os específicos de cada caso que abordamos. Mas não
atiramos ao léu. Se quisermos que nosso material tenha
concretude e valor de referência, precisamos entrevistar
muita gente, percorrer muitos lugares, captar o que está
no ar, disseminado pelo universo. E o texto precisa ser claro,
acessível, fluente. Para ser lido e entendido.
Só um profissional que tem ao seu alcance
a maior diversidade possível de experiências
humanas, que pode transitar entre todas as partes da sociedade,
do alto do poder até a base da vida dos indivíduos,
em contato com as pessoas mais célebres e as mais anônimas,
pode combinar os dois elementos: a informação
fresca, captada em sua fonte primária, e a narrativa
cativante, que atrai o interesse e fixa a atenção.
Alguns jornalistas evoluem tanto que se tornam escritores.
E, às vezes, vice-versa, mas com freqüência
muito menor porque o trânsito no sentido contrário
é muito mais difícil.
Com tudo isso, o jornalismo passou a ser,
pelo menos, uma "quase-ciência". E jornalistas
pularam o muro da academia, se tornando pesquisadores, professores,
autores de livros que podem ser citados, que podem ser incluídos
em bibliografias de publicações acadêmicas,
avalizados pelo sinete da ciência. Aparência fugaz
de cotidiano, vai marcar a vida das pessoas, do local específico
ou de cenários muito mais amplos.
Quando realiza esse trabalho, o jornalismo
se transforma numa fonte indescartável de referência.
Mesmo quando não é citado explicitamente, por
motivos vários (incluindo a desonestidade intelectual
de diversos autores), é matriz de cultura, no seu mais
amplo sentido antropológico. É o pára-choque
da sociedade, seu barômetro, sua biruta e sua ferramenta
de trabalho.
O maior exemplo do significado desse jornalismo
é I. F. Stone, jornalista americano que morreu aos
82 anos, em 1989. De 1953 a 1971 ele editou, sozinho, seu
I. F. Stone's Weekly (a partir de certo período, quinzenário).
O material do semanário sempre foi usado pelos acadêmicos,
porque Stone lia, traduzia e interpretava documentos oficiais,
geralmente áridos e pouco lidos, apesar de sua importância,
mas raros o citavam. Apropriavam-se de seu texto ou o tomavam
como pista para suas pesquisas, sem o devido crédito.
A pirataria começou a se tornar mais
evidente quando seleções do Weekly passaram
a ser publicadas na forma de livro, 10 anos depois do surgimento
do "jornalzinho". Hoje, é impossível
considerar a "outra versão" dos anos 50 a
70 sem passar por Stone, respeitando seu legado.
É esse acervo que foi modificando o
relacionamento entre a academia e o jornalismo. Depois de
muitas palestras, na recepção ao meu título
de jornalista já não era tão marcante
a reação adversa do apresentador e do público.
A muleta da sociologia ainda ajudava - e continua a ajudar
- meu tráfego entre os sacerdotes do saber, minha aceitação
pelos que, afinal, são um tanto meus pares. Saí
da Universidade Federal do Pará há 10 anos,
mas continuo a ser tratado como se fora professor da instituição
(aposentado, segundo alguns sites durante a reunião
da SBPC).
O título, dado sem minha sugestão,
mais por gravitação de uma necessidade protocolar,
me honra muito. Minha memória dos sete anos na UFPA
é boa, mantém agradável recordação
e saudade. Quando o balanço é positivo, o título
se torna vitalício, como o dos senadores italianos,
sem a contaminação dos benefícios espúrios
da vitaliciedade, quando imerecida. O título me ajuda
a me sentir em casa quando subo do jornalismo à academia,
como fiz dezenas e dezenas de vezes nesse já longo
ciclo de palestras.
Foi como me senti no dia 8, dentre mais de
duas mil pessoas, ao receber a homenagem especial na sessão
de abertura da 59ª reunião anual da Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência, a segunda realizada
na Amazônia, ao que parece a primeira homenagem desse
tipo prestada a um jornalista e a um paraense-amazônida.
Foi a homenagem da maior entidade científica do continente
a um jornalismo que, como a poesia de Carlos Drummond de Andrade,
está comprometido com seu tempo e sua gente. Um tempo
presente, um mundo presente, como disse nosso irmão-gêmeo
de terra minerada, o homem que lamentou a perda de Itabira,
mas não pôde ver Carajás.
Sem o poder dos versos e sem a grandeza de
Drummond, o que nos resta é sermos operários,
que moldam com palavras a percepção desta nova
epopéia, tão distante das Minas Gerais, tão
ao feitio dos seus feitores. Nenhum de nós extraiu
de si até agora lamento como o de Drummond. Conseguiremos,
então, criar uma história que não dê
motivos para versos de tristeza, como os do poeta itabirano?
É a fé que a generosa lembrança
da SBPC deixou dentro de mim e que a memória dos meus
dias de infortúnio ainda não apagou. Ficam aqui
entre nós, no meu jornal pessoal, para a fecundidade
do encontro e da revelação, e nas pessoas de
boa vontade que o têm apoiado e são sua razão
de ser.
Lúcio Flávio Pinto, jornalista, sociólogo,
é editor do Jornal Pessoal, semanário que
circula em Belém do Pará há 20 anos.
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