Sempre começo meus textos sobre Luiz Antônio Marcuschi, com a mesma inquietação, a de como cumprir tarefa que para mim é extremamente simples pelos longos anos de convivência, mas, ao mesmo tempo, tão desafiadoramente complexa – pois são muitos os marcuschis, todos proficientes, todos brilhantes. O que destacar em relação a esse gaúcho de Guaporé de sessenta e sete anos, com tanta capacidade de transformar as mais intrincadas idéias em projetos concretos e os mais impossíveis sonhos em realidade cotidiana? Assim, aqui darei apenas alguns exemplos, ínfimos, em relação à grandiosidade de seus feitos. Não falarei tanto dos números, impressionantes, mas de sua influência nos grupos pelos quais circula.
|
|
Marcuschi é presença forte no cenário da política científica do país. Nesse sentido, há que se destacar o pionerismo, o entusiasmo, a ética desse profissional visionário e incansável, de atuação crucial em qualquer empreendimento, seja ele de qualquer porte. Mais do que elencar seus vários cargos nas mais importantes instituições públicas do país (tais como SBPC, CNPq, CAPES, ANPOLL, ABRALIN, MEC) e suas inúmeras experiências de assessoria e consultoria, acho relevante ressaltar sua atuação quieta, de bastidores, a que se entrega com generosidade.
No primeiro encontro da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Letras e Linguística (ANPOLL), em 1985, foi também criado, por sua sugestão, o Grupo de Trabalho da Linguística de Texto & Análise da Conversação (GT LT & AC). Marcuschi foi o primeiro coordenador do GT, tendo sido posteriormente reconduzido ao posto por mais dois mandatos. O grupo, que integra pesquisadores de todas as regiões do país, ainda hoje se mantém com todo vigor e é responsável por grande parte da produção substantiva nessas áreas, sempre sob a tutela de Marcuschi e de seus estudos.
Marcuschi foi, também, peça importante na criação da Asociación Latinoamericana de Estudios del Discurso (ALED), tendo ocupado o cargo de primeiro delegado do Brasil. E atualmente a ALED é responsável pela integração de inúmeros analistas do texto e do discurso na América Latina e até fora dela, já que são muitos os associados “simpatizantes”, de várias outras nacionalidades.
Não há termos suficientes para descrever o Marcuschi pesquisador e sua relevante contribuição para os estudos linguísticos. Desde sempre pesquisador 1A do CNPq, Marcuschi estudou as questões mais centrais da área. A escolha dos temas de seus projetos nunca foi casual ou aleatória, mas partes bem definidas de um programa de estudos, de um detalhado script concebido por ele de acordo com os tópicos que considera de relevância para melhor entender como se dá a construção dos sentidos.
Marcuschi assina o primeiro e mais influente livro da Linguística de Texto, de 1983, que circulou por todo país inicialmente como uma “publicação” preliminar, mimeografada e que só mais tarde, pela pressão de seus leitores, vem a ser publicada e republicada comercialmente por várias editoras. O título da obra Linguística de Texto: o que é e como se faz é revelador e bem indica o grau do (não) desenvolvimento da área à época.
Na segunda metade dos anos 80 Marcuschi concentra-se, sobretudo, no estudo de gêneros orais, com foco maior na conversação casual. Novamente à frente de seu tempo, lança o primeiro livro da área da Análise da Conversação no Brasil – intitulado simplesmente Análise da Conversação como se apresentasse o novo campo de estudo. Essa obra até hoje permanece com uma das mais vendidas no país.
A partir de 1995, Marcuschi opta por um programa de estudos sobre a relação entre a fala e a escrita e no âmbito de quatro Projetos Integrados consecutivos (Fala e Escrita: Características e Usos I, II, III e IV) desenvolve muitas de suas ideias vanguardistas e originais sobre essa complexa e relevante área de pesquisa.
Assim, pode-se dizer que os estudos deste brilhante pesquisador cobrem todas as áreas da Linguística: oralidade, escrita e relação entre fala e escrita. As investigações concentram-se, por um lado, nos estudos dos processos interacionais mobilizados nas diversas atividades de interação social, quer em situações face a face quer à distância. Concentram-se, por outro lado, na investigação das atividades e estratégias de ordem cognitiva, sociointeracional e textual, atualizadas por ocasião do processamento de textos falados e escritos, tanto em termos de produção, quanto de compreensão.
Dessa forma, é impossível se estudar algum tema na linguística que não tenha sido alvo do olhar penetrante, sensato, impecável desse talentoso pesquisador. Capaz de renovar-se a cada dia, o carismático e incomum Marcuschi é um verdadeiro “it boy” da linguística (na boa concepção do termo): cria tendências, desperta interesse em seus achados e coloca em pauta os temas que investiga.
Creio que com essas palavras, fica também destacado o perfil do Marcuschi professor. Só é preciso acrescentar que, além de suas ideias precursoras e competência, Marcuschi é também muito generoso e paciente com aqueles que sabem menos que ele – o que corresponde a uma quantidade grande de pessoas. Os alunos costumavam referir-se ao dia das aulas do Marcuschi como a “quarta-feira gorda”, porque diziam eles, era inevitável que o mestre, com seu conhecimento e capacidade de simplificação, nessas quartas, tornasse todos muito mais inteligentes.
Em certa ocasião, Marcuschi deu um curso para pesquisadores dos mais experientes que se juntaram num grupo pioneiro, o da Gramática do Português Falado (GPF) que buscava pesquisar a organização textual-interativa da gramática. A amiga e colega Ingedore Koch assim explica a atuação do homenageado nesse grupo:
Era de se ver a dedicação e a paciência de Marcuschi com o grupo recém-formado da GPF... Os membros da equipe tinham pouca – ou nenhuma – familiaridade com o trato da língua falada. Quando das reuniões de equipe, que se realizavam na PUC-SP, Marcuschi chegava de Recife com pastas enormes, cheias de textos preciosos, por ele selecionados, que distribuía entre os participantes e eram discutidos sob sua orientação. É difícil imaginar o quanto todos nós aprendemos com ele.
Na apresentação da Coleção Luiz Antônio Marcuschi (uma homenagem do PGLetras-UFPE), em 2009, o então Magnífico Reitor da UFPE, professor Amaro Lins, enfatiza a veia humanista do homenageado afirmando: “com toda certeza, através de pessoas como Luiz Antônio Marcuschi, a instituição pública de ensino superior brasileira tem-se fortalecido e assumido o seu compromisso social em prol de uma sociedade mais justa e fraterna”. Nessa mesma apresentação, o à época Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação e hoje o Magnífico Reitor da UFPE, Prof Anísio Brasileiro, referiu-se ao que considera uma das grandes qualidades do Marcushi: “sua visão de humanista, dotado de grande generosidade para com aqueles com quem compartilhou ao longo de mais de 30 anos, sua carreira universitária”.
|
|
Assim, além das várias outras facetas que o tempo reduzido não nos permite destacar, Marcuschi:
● como profissional, é empreendedor, é feitor, é guerreiro que, de forma competente e incansável traduz ideias em programas concretos;
● como pesquisador, é 1A – é 1 e é A – ie, é o primeiro, é o lider, a estrela maior dos estudos sobre a linguagem;
● como professor, é titular, na verdadeira acepção do termo, é o nosso guru, é o mestre, o mestre dos mestres; é aquele que nos ensina que há muito mais a se observar, ao lado e além da ciência: coisas “simples”, como a ética, a lealdade, a generosidade;
● e para os sortudos que compartilham de sua intimidade... ah, aí não é possível explicar, pois os signos, as conversas, os textos são totalmente escassos! Então digamos simplesmente que:
Marcuschi, você é o melhor dos melhores, você é a nossa alma, você é a consubstanciação perfeita do amigo que jamais sonhamos poder encontrar mesmo em nossos mais lindos sonhos... Marcuschi, receba nossa singela homenagem e fique bem!
Kazue Saito Monteiro de Barros
Recife, 21.07.2013
|
Kazue Saito Monteiro de Barros (UFPE), Helena Bonciani Nader (SBPC) e Judite Hoffnagel (UFPE).
Entrega de placa alusiva a esta homenagem.
|
|