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Homenageado da 62ª Reunião Anual da SBPC
Luís da Câmara Cascudo |
Nascido em 1898, o natalense Luís da Câmara Cascudo viveu a maior parte da sua vida num casarão da avenida Junqueira Ayres, que hoje tem o seu nome. Dali podia avistar o rio Potengi, e adivinhar, para além do bairro da Ribeira as ondas fortes do Atlântico fustigando os flancos da Fortaleza dos Reis Magos nos dias de maré alta.
Tendo vivido os primeiros anos na Ribeira, e se tornado adulto no recém-criado Tirol, produziu o melhor da sua obra no casarão antes citado: encravado no limiar geográfico dos dois bairros importantes da sua infância, a Ribeira, antes citada, vizinha ao bairro proletário das Rocas, onde moravam os canguleiros, assim chamados por consumirem um peixe tido como de segunda, o cangulo – e o da Cidade Alta, onde se localizavam os xarias, gente de melhor poder aquisitivo e por isso residente no bairro da Cidade Alta: os comedores de xaréu.
Com tantas referências marinhas não surpreende que a sua obra esteja marcada pela presença do Atlântico, consagrador do estranho paradoxo de separar e unir o continente sul-americano à mãe África, que ele viria a estudar num livro delicioso intitulado de forma bem humorada Made in África,e a Europa, onde se encontram suas raízes ibéricas.
Seu universo mental povoou-se, desde logo, de bambelôs, congos e cheganças, das lapinhas da praia da Redinha no outro lado do rio Potengi, das tramas obtidas pelo manejo prodigioso dos bilros e a inacreditável mudança das agulhas na bojuda almofada das rendeiras. E da cocada de coco, do agridoce caju, da aguardente. Sem falar das serenatas ao luar e as ceias de peixe frito, tudo se tornando objeto do se diligente pesquisar, e consagrando a dimensão litorânea do menino que, tendo raízes sertanejas jamais se afastaria de Natal, a quem chamava de Noiva do Sol.
O seu livro Jangada é obra em que deixa falar, como um notável pesquisador empírico, mas também como um erudito notável, algumas figuras legendárias do mar que banha a esquina do continente. E oferece ao leitor, um lírico tratado em que se mesclam ciências do mar e saberes da terra. E fala das marés, do comportamento dos astros, da piscosidade maior ou menor, em que área e em que época do ano se ofereciam os cardumes, sem perder de vista a geografia humana onde se localizaram amores, lendas e temores.
Tendo sido – e por certo continuando a ser – um dos mais notáveis intelectuais brasileiros que, entre o final dos anos vinte e por toda a década de trinta empreenderam a tarefa quase impossível de produzir o retrato do Brasil, logrou, sem sair da sua terra – permanecendo sentado sobre uma pilha de livros, tendo numa das mãos um microscópio e na outra uma luneta – como costumava se autodescrever gostosamente, produziu uma obra universal.
O fato de a SBPC homenageá-lo na Abertura da 62ª Assembleia, é uma clara demonstração desse reconhecimento. Reconhecimento da sua importância para a Cultura Brasileira e para Universidade Federal do Rio Grande do Norte, de que ele foi uma espécie de oráculo – e Orador Oficial no ato de instalação, há cinquenta anos passados. Tal reconhecimento se reforça com o lançamento, nessa 62ª Reunião da SBPC, pela Editora da Universidade, de cinco das suas obras, que se encontravam esgotadas: História da Cidade do Natal, Na Ronda do Tempo, Ontem, Pequeno Manual do Doente Aprendiz e Gente Viva.
Há quem sustente que Luís da Câmara Cascudo faleceu no dia 30 de julho de 1996. Trata-se de um engano. Como a gente de que falou no último livro há pouco mencionado, ele continua vivo. Vivo em suas maravilhosas intuições; no exercício de um empirismo fertilíssimo para a cultura brasileira; no estilo ágil e colorido que tanto impressionou Mário de Andrade. Vivo nas lições sempre atuais. Vivo no território da nossa admiração.
Tarcísio Gurgel
Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Natal, 25.07.2010
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