Discurso
do Presidente da SBPC
Marco Antonio Raupp
Senhoras e senhores; estudantes e professores; colegas,
pesquisadores, cientistas de todo o Brasil aqui presentes;
autoridades já nomeadas, em especial nosso Ministro
da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, e o
nosso Governador do Estado do Amazonas, Eduardo Braga, boa
noite a todos, com uma saudação especial aos
engenheiros florestais, pelo seu dia, que transcorre hoje.
Meu muito obrigado por estarem aqui, partilhando conosco
a abertura da 61ª Reunião Anual da Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência.
Meus
amigos, este é um momento especial para a ciência
brasileira. E espero que seja também um marco dos
mais significativos na trajetória dos Povos da Amazônia
na busca de suas afirmações culturais e de
suas conquistas econômicas e também na construção
de sua cidadania.
A SBPC demorou 61 anos para chegar a Manaus
com sua atividade de maior porte - A Reunião Anual
- mas tenho certeza que não está chegando atrasada.
Nem tampouco está chegando de repente. Na verdade,
os caminhos que nos trouxeram aqui hoje começaram
a ser trilhados há cinco anos, quando a SBPC fez sua
primeira Reunião
de caráter regional na Amazônia, em Belém.
Naquele mesmo 2004, e também em 2005, estivemos aqui
em Manaus, com a realização de Reuniões
Regionais. Depois disso, ainda com encontros regionais, passamos
por Macapá, a capital do Amapá; por Altamira,
no Pará; Cruzeiro do Sul, no Acre; Oriximiná,
no Pará; e Tabatinga, aqui no Amazonas. Sem esquecer
que em 2007 fizemos em Belém a 59ª Reunião
Anual da SBPC.
Como todos os caminhos existentes na Amazônia,
os que a SBPC percorreu para chegar aqui foram longos, mas
não
cansativos ou extenuantes, ao ponto de tornar desinteressante
ao viajante o objeto de sua viagem. Ao contrário.
Quanto mais a SBPC trilhou os caminhos amazônicos,
mais a Amazônia nos interessou. Mais a SBPC se preparou
para chegar, neste 12 de julho de 2009, a esta bela praça
manauara, com o testemunho deste teatro, destas árvores
e de vocês.
Mas a SBPC chegou aqui para quê?
Veio fazer o quê?
Com que propósitos?
Meus senhores e minhas senhoras;
meus jovens estudantes; povo de Manaus! A SBPC está aqui
para se somar aos esforços de termos uma Amazônia
desenvolvida, porém conservada; de os povos da Amazônia
terem sua independência econômica, mas sem causar
prejuízos
ao meio ambiente; de os homens e mulheres - crianças,
jovens, adultos e idosos - da Amazônia poderem usufruir
de uma plena cidadania, e com isso definir seus próprios
destinos.
A SBPC quer ser mais uma cabeça para pensar
e mais um par de mãos para trabalhar pela Amazônia.
E como nos esforços coletivos cada um faz a sua parte,
a parte que a SBPC se propõe a fazer é reforçar
o papel da ciência como elemento importante para o
desenvolvimento sustentado da Amazônia nos aspectos
econômico, social, ambiental e cultural.
Não
que a ciência tenha a solução
de todos os problemas ou a resposta para todas as questões,
mas a ciência é o instrumento com o qual a razão
se manifesta, com que a racionalidade se impõe sobre
problemas reais de modo a oferecer um conjunto de informações
e reflexões que contribuem para a sua melhor solução.
E quando se fala em Amazônia, não está se
falando de pouca coisa. Quando jovem, ouvia na escola que
a Amazônia era o "Pulmão do Mundo".
Hoje, sabemos que é muito mais - tanto mais, que ainda
estamos por descobrir as reais dimensões da Amazônia.
E arrisco a dizer que, de todas as construções
universais do homem, talvez somente a ciência tenha
o tamanho e a complexidade da Amazônia. Talvez por
isso somente a ciência tenha as condições
para desvendar esta região em todos os seus aspectos,
principalmente aqueles que mais preocupam a humanidade atualmente:
A Amazônia como garantia para a manutenção
da vida no planeta.
Tomemos como primeiro exemplo a questão
das mudanças
climáticas. O aquecimento que vem ocorrendo na atmosfera
de todo o globo terrestre foi obra da industrialização
ocorrida nos países, mas sabemos que a conservação
da Floresta Amazônica tem a contribuir com o não
agravamento do problema. Essa é uma questão
que mobiliza cientistas de todo o mundo e que mostra o quanto
a Amazônia tem a ver com todos os povos do planeta.
Questão não menos importante se refere ao
papel da Amazônia no regime de chuvas nas regiões
Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil. O assunto será debatido
em nossa Reunião Anual, mas já há informações
suficientes para indicar que as chuvas que caem naquelas
regiões do país têm sua origem na Amazônia.
Como se fossem "Rios Voadores", as nuvens carregadas
de água da Amazônia vão molhar o solo
e fazer florescer as culturas agrícolas em vários
Estados brasileiros. Trata-se de mais uma informação
valiosissíma, que está sendo obtida e trabalhada
por cientistas brasileiros.
Falamos há pouco das regiões
Sul e Sudeste, que concentram os Estados economicamente mais
desenvolvidos do país. Mas o modelo de desenvolvimento
desses Estados, como São Paulo e Rio de Janeiro, serve
para os Estados da Amazônia?
Obviamente que não!
A interiorização
de São Paulo, por
exemplo, se deu pela construção de ferrovias;
cada canteiro de obra da futura linha férrea deu origem
a uma cidade.
Os campos paulistas se transformaram hoje em
um enorme canavial. A industrialização da capital
ocorreu por meio de fábricas que abrigaram centenas
de milhares de trabalhadores mas que fizeram de São
Paulo uma das cidades mais poluídas do planeta.
Obviamente
que o modelo paulista de construção
de riqueza não serve para a Amazônia - e não
somente por causa das diferenças geográficas
entre aquela região e esta, mas sim em razão
do novo momento em que o mundo se encontra em relação à definição
das formas e dos pressupostos para o desenvolvimento. Não
se fazem mais as coisas sem informações e reflexões
oriundas da ciência. No caso da Amazônia, em
razão de sua complexidade ambiental e de sua importância
para o mundo, fica claro que a ajuda da ciência é imprescindível
na construção de um modelo de desenvolvimento
para a região. O Estado que não fizer isso,
certamente estará, no médio e no longo prazo,
penalizando-se a si próprio e a sua população.
Quero aqui ressaltar - e essa é uma das características
de nossa Reunião Anual - que a contribuição
da ciência não ocorre somente pela realização
de trabalhos em laboratório. A tendência mundial é que
a ciência e os cientistas darão uma colaboração
cada vez maior na formulação de políticas
públicas nas diversas áreas de atuação
governamental: saúde, educação, transporte,
meio ambiente, habitação etc.
Ainda no campo
das políticas públicas, neste
caso com uma colaboração intensa com o setor
privado, tenho a destacar também o papel da ciência
para a inovação tecnológica. O conhecimento
científico está na base do desenvolvimento
de novos produtos e processos, o que torna empresas mais
competitivas no mercado global. No caso dos Estados Amazônicos,
me parece uma medida oportuna e de bom senso a formulação
de políticas de incentivo a indústrias ou a
setores industriais que se proponham a fabricar produtos
ou utilizar processos que aliem inovação tecnológica
e sustentabilidade ambiental. Mais uma vez, teremos a ciência
e cientistas atuando em prol do desenvolvimento sustentável.
Outro campo em que a ciência certametne terá papel
relevante na Amazônia será na minimização
ou mesmo na anulação daquilo que podemos chamar
de conflitos entre o desenvolvimentismo e o ambientalismo.
Com uma frequência cada vez maior, algum assunto envolvendo
a Amazônia Brasileira ganha destaque na vida nacional
em razão da polêmica que gera entre grupos de
interesses antagônicos.
Uma vez que a ciência
organiza o conhecimento em uma ordem lógica e racional,
mensurando os aspectos quantitativos e ponderando as variáveis
qualitativas, é certo
que ela vai contribuir para confrontar opiniões infundadas,
neutralizar princípios meramente ideológicos
e desmobilizar os radicalismos.
Radicalismos que, no curso
dos acontecimentos atuais, pode levar a Amazônia a
uma de duas situações
antagônicas: um cemitério, ou um santuário.
Cemitério, porque devastada, esgotada, sem condições
de oferecer mais nada de útil ao homem por um longo
período. Santuário, porque preservada, intocada,
servirá apenas para a contemplação de
turistas.
O que a SBPC propõe é a conservação
da Amazônia, possibilitando a interação
dinâmica e sustentada com os diversos biomas nela contidos. É uma
riqueza que deve gerar novas riquezas, mantendo-se sempre
rica.
Naturalmente que no centro desta questão está a
fantástica diversidade biológica existente
na Amazônia, mas como conhecer, de fato, essa riqueza
de vida, que se manifesta de várias formas, se não
pelas lentes da ciência? e, tão importante quanto
conhecer, como utilizar adequadamente aspectos da biodiversidade
sem destruí-la?
Chegamos a um ponto na história
da humanidade que esses dois aspectos - conhecer e utilizar
a biodiversidade - se interligam de modo impositivo e não
há outra
alternativa que não recorrer à ciência
para ter as perguntas certas e as respostas que nos indiquem
os caminhos da utilização das riquezas da floresta,
mas com a sua plena e infinita conservação.
No entendimento da SBPC e da comunidade científica
brasileira, o modelo de desenvolvimento para Amazônia
terá de ser construído com base no conhecimento
científico e tecnológico, de preferência
aquele conhecimento produzido na própria região.
Nesse
sentido, nossa Reunião Anual aqui em Manaus é paradigmática.
Temos claro que na Amazônia estão desafios importantíssimos
para o futuro e a modernização da sociedade
brasileira, o que exigirá uma visão de desenvolvimento
nova, em que a ciência será um elemento crucial
para assegurar a sustentabilidade em seu sentido amplo.
Este,
ao nosso ver, é o caminho que pode levar o
Brasil à situação inédita de
constituir-se na primeira potência ambiental do planeta.
Primeira e, talvez por muito tempo, também única
potência ambiental no planeta. Temos as condições
básicas para isso: um meio ambiente riquíssimo
e um sistema de ciência e tecnologia maduro e capaz
de executar grandes empreitadas.
Nenhum país torna-se
potência em qualquer coisa
da noite para o dia. Sempre há um longo caminho a
percorrer. No entanto, os biocombustíveis e várias
outras experiências nas áreas das Ciências
Agrárias, das Ciências dos Alimentos, da Farmacologia
e da Cosmetologia nos indicam que ser uma potência
ambiental não se trata de um sonho distante. O Brasil
teve a virtude de, a partir da segunda metade do século
passado, construir um grande sistema de ciência e tecnologia.
Chegou a hora desse sistema ajudar o Brasil a vencer grandes
desafios.
Constituir-se em uma potência ambiental pode
ser um desses desafios. Com a participação
fundamental da ciência, seríamos um país
que utilizaria seus recursos naturais na intensidade e com
a inteligência
suficientes para que esses recursos oferecessem trabalho
e riqueza, mas que jamais se esgotassem.
Teríamos,
assim, resolvido, a um só tempo,
importante questão interna das populações
da Amazônia, que é sua independência econômica,
como também poderíamos responder ao mundo: “Nós,
brasileiros, conhecemos a Amazônia, nós convivemos
com a Amazônia, nós cuidamos da Amazônia.
Fiquem tranquilos; a Amazônia tem dono - e este dono
cuida muito bem dela”.
Para que cheguemos a isso, sabemos
que não bastam
somente o meio ambiente rico e generoso e a boa disposição
de nossos competentes pesquisadores. É preciso que
haja vontade política e planejamento, o que também
não se constrói do dia para a noite.
Chegamos,
assim, a um ponto dos mais importantes para o fato de estarmos
aqui, agora, fazendo a abertura da 61ª Reunião
Anual da SBPC.
A SBPC veio a Manaus não somente porque
temos clara a importância da ciência para o desenvolvimento
da Região Amazônica. A SBPC veio fazer aqui
sua Reunião Anual de 2009 porque houve também
interesse para isso da sociedade amazonense, manifestado
pelo Governador Eduardo Braga há dois anos, quando
fazíamos a Reunião de Belém.
E depois
soubemos que esse interesse, na verdade, refletia uma política,
já existente no Amazônas,
no sentido de valorizar a Ciência e a Tecnologia como
instrumentos para o desenvolvimento do Estado. E que essa
política coloca o Amazonas em destaque, em termos
nacionais, no ranking dos Estados que mais investem em Ciência
e Tecnologia.
Ou seja, estamos em um ambiente que entendo
ser francamente favorável à concretização
daquilo que disse no início deste meu discurso: este é um
momento especial para a ciência brasileira. E espero
que seja também um marco dos mais significativos na
trajetória dos povos da Amazônia na busca de
suas afirmações culturais e de suas conquistas
econômicas e também na construção
de sua cidadania.
Assim, observando a visão que o
Governador Eduardo Braga tem da Ciência e da Tecnologia,
pode não
estar tão distante a possibilidade de a Amazônia
dar ao Brasil as condições de sermos uma potência
ambiental.
A mesma sensação tenho ao observar
a força
cada vez maior que a Ciência e a Tecnologia vêm
ganhando na agenda política brasileira. Sob o comando
do nosso Ministro Sérgio Rezende, temos o PAC da Ciência,
Tecnologia e Inovação, com investimentos de
R$ 41 bilhões entre 2008 e 2010. Trata-se de um aporte
de recursos sem precedentes no país, o que nos dá a
esperança de que melhores dias virão para a
nossa Ciência e Tecnologia, inclusive a ponto de tê-las
como protagonistas de grandes projetos de desenvolvimento
do Brasil, a exemplo dos que poderão nos levar à condição
de potência ambiental.
Há mais um aspecto que
quero destacar aqui: a Amazônia é importante
pelo o que ela tem de específico, mas também
pelo que ela representa no Brasil em grau exponencial. Aí se
avoluma a questão da convivência entre culturas
diversas, o chamado "multiculturalismo".
A diversidade étnica
e cultural não pode ser
tratada como sinal de atraso a ser superado ou ocultado,
mas como sinal de riqueza a ser aproveitada.
Tratando-se
de Amazônia, é imprescindível
destacar a presença dos índios em toda a sua
imensa diversidade. Mas também de ribeirinhos, quilombolas
e todos os grupos, tradicionais e emergentes, que nos compõem.
A diversidade cultural, porém, não é apenas
uma questão nacional, mas também continental
e internacional. A convivência entre as nações
e culturas amazônicas é regional num outro sentido
que não o que mais estamos acostumados: é regional,
num sentido supranacional - e aproveitamos a oportunidade
para saudar os colegas de outros países aqui presentes,
com os quais devemos interagir cada vez mais intensamente.
Meus senhores e minhas senhoras, como ocorrem em todas as
nossas Reuniões Anuais, também desta vez estamos
prestando uma homenagem a um grande cientista brasileiro:
o biológo Warwick Kerr, que relevantes serviços
prestou à ciência mundial, ao país, à Amazônia
e à SBPC em particular. Muitos dos senhores que estão
aqui agora talvez tenham encontrado o Prof. Kerr nesta praça.
Ele residiu em Manaus por dois períodos de sua vida,
quando foi diretor do INPA. Primeiro, entre 1975 e 1979 e,
depois, de 1999 a 2002. Trabalhou também, durante
oito anos, no Maranhão, onde foi Reitor da Universidade
Estadual.
Warwick Kerr dedicou-se às Ciências
Naturais na Amazônia com grande ênfase e com
especial atenção aos índios e populações
ribeirinhas. Organizou a "Cartilha do Amazonas",
que adotava a terminologia dos índios e ensina a cultura
regional.
Quero encerrar com agradecimentos calorosos aos
parceiros da SBPC na organização desta Reunião
Anual. À Universidade Federal do Amazonas, na pessoa
de sua Reitora, Professora Márcia Perales Mendes Silva; à Universidade
do Estado do Amazonas, na pessoa de sua Reitora, Professora
Marilena Correia; ao INPA, na pessoa de seu Diretor, Adalberto
Luis Val; à Secretaria Estadual de Ciência e
Tecnologia, na pessoa de seu titular, Professor José Aldemir
de Oliveira; e à FAPEAM, na pessoa de seu Presidente,
Professor Odenildo Sena.
Muito obrigado e boa Reunião
a todos!
Manaus, 12.07.2009.
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