Sonhar
um pouco sobre as matérias que estão estudando para prestar
uma prova importante na escola pode ajudar os estudantes
a terem um bom desempenho no teste. Mas se não sonharem
nada ou muito sobre o que estão aprendendo nas noites
que antecedem o exame, o resultado pode ser exatamente
o inverso e provocar o temido “branco” ou “apagão” da
memória. É a conclusão a que estão chegando os pesquisadores
do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond
e Lily Safra (IINN-ELS) por meio de experiências inusitadas.
Em 2007, os neurocientistas do Instituto dirigido pelo
cientista brasileiro Miguel Nicolelis iniciaram uma pesquisa
com 22 apreciadores do popular e controverso videogame
“Doom”, em que o jogador é transformado em um fuzileiro
espacial e precisa exterminar criaturas bizarras, como
monstros e zumbis. Durante a experiência, os pesquisadores
observaram que os jogadores que não sonharam ou sonharam
muito com o jogo nas noites que passaram no laboratório
do IINN-ELS, ligados a um aparelho de eletroencefalograma,
foram mal no jogo. Já as que sonharam um pouco sobre ele
apresentaram um desempenho melhor.
“Observamos que houve uma relação direta entre os sonhos
e a performance dos jogadores”, afirma o neurocientista
e chefe de laboratório do IINN-ELS, Sidarta Ribeiro. “À
medida que sonhavam com o jogo, eles jogavam melhor. Mas
se sonhavam muito com ele e ultrapassavam um determinado
limite de sonho jogavam mal”, diz. O especialista abordará
esse assunto em uma conferência que fará na 62ª Reunião
Anual da SBPC – evento que a Sociedade Brasileira para
o Progresso da Ciência (SBPC) realizará de 25 a 30 de julho
em Natal (RN).
De acordo com Ribeiro, o estudo, que está quase pronto
para publicação, não demonstra categoricamente que o sonho
melhora a aprendizagem. Mas sugere que ambos estão fortemente
relacionados e ajuda a elucidar o papel desempenhado especificamente
pelo sonho no processo de sono-aprendizagem. Até hoje o
que se sabia é que o sono pode ajudar na aprendizagem e
melhorar a memória, e que a maioria das pessoas sonha durante
a fase do sono leve, ou REM, que é a melhor para recordação
de memórias e é caracterizada pelo rápido movimento dos
olhos.
“A ideia que estamos trabalhando é que o sonho é
um processamento da memória”, revela. “Se nós prestarmos
atenção no nosso dia-a-dia, quando temos um nível de estresse
baixo e sonhamos moderadamente, retemos mais memória. Mas
se ficamos muito estressados e não sonharmos, o resultado
é exatamente o oposto”, compara.
Sonhos violentos – O especialista explica que escolheram um
jogo tão violento como o “Doom” para realizar a pesquisa porque os próprios
sonhos têm um contexto violento e guardam uma relação antropológica com os
nossos ancestrais mais longínquos que, ao acordarem, tinham que matar ou morrer.
“Nós não podíamos pegar uma situação da vida de um sujeito comum de hoje para
realizar a pesquisa”, conta Ribeiro. “Tentamos replicar uma situação de risco
de predação vivida pelos nossos ancestrais para expor os participantes da pesquisa
a uma situação de estresse”.
Em outro experimento que será realizado no IINN-ELS, os
participantes serão divididos em dois grupos em outro jogo
de videogame, em que primeiro representará a caça e o segundo
o caçador. Os pesquisadores esperam que haja uma divergência
nos sonhos e no desempenho dos participantes de acordo
com o papel exercido por eles no jogo. A suposição é que
os “predadores” se estressarão menos e, consequentemente,
reterão mais memória e jogarão melhor do que os “caçados”.
Serviço: A palestra
do neurocientista Sidarta Ribeiro
será realizada no dia 25 de julho,
às 10h00, durante a 62ª Reunião
Anual da SBPC, no campus da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN). O evento, cujo tema é “Ciências
do mar: herança para o futuro”,
contará com centenas de atividades,
entre conferências, simpósios,
mesas-redondas, grupos de trabalho,
encontros e sessões especiais, além de apresentação
de trabalhos científicos e minicursos.
Veja a programação em
www.sbpcnet.org.br/natal/home/