Indígenas
reproduzem nos esportes seus antigos rituais
Para
eles, jogos, como o futebol, tem sentidos opostos aos do
praticado pelo
homem branco. Assunto será abordado na 61ª.
Reunião Anual da SBPC.
O
futebol é jogado – e não disputado – por
eles com qualquer tipo de bola, que não necessariamente
a de futebol. O número de jogadores em campo, de qualquer
idade e sexo, não raro varia entre seis de um lado
e 13 do outro, sem que esse desequilíbrio gere reclamação
de deslealdade do time com menos integrantes. A partida pode
durar até quatro horas e termina sempre em empate,
quando realizada entre equipes da mesma tribo, ou com placar
desfavorável ao “time da casa”, quando jogada entre
tribos diferentes, por mera cortesia ao visitante - geralmente
de outra etnia -, para a alegria geral da única torcida.
Para
os indígenas brasileiros, a prática do
futebol e de outros jogos não segue as mesmas regras
inflexíveis e tem sentidos opostos aos de esportes
coletivos comuns no Brasil e no resto do mundo. “Para os índios,
o fundamento do jogo é o envolvimento e a comunhão
social. Não há rivalidades. Também há nos
esportes indígenas um conteúdo fortemente ritualístico.
Eles representam, juntamente com as festas, o grande momento
de manifestação da cultura indígena”,
diz o professor titular da Universidade Estadual do Amazonas
(UEA), Jefferson Jurema, que abordará esse assunto
em uma conferência durante a 61ª Reunião
da SBPC – evento que a Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência (SBPC) realiza de 12 a 17 de julho em Manaus
(AM).
Rituais - De acordo com o pesquisador,
para os indígenas os esportes assumiram hoje a função
de reconstituir e resgatar seus antigos ritos, que entraram
em desuso no convívio deles com a civilização.
Como não podem realizar atualmente rituais que chocariam
o homem branco, eles encontraram nos esportes uma maneira
de mascará-los.
“Antigamente eram marcadas as datas para as comemorações
ritualísticas em que os esportes eram relacionados
aos rituais. Mas ao longo do tempo, isso sofreu uma mutação.
Hoje, em vez de fazer o esporte realizado com o ritual, eles
realizam o ritual com o esporte. Um campeonato, por exemplo, é o
momento de expressarem um ritual que ficou proibido de forma
sistemática, como a passagem do masculino e do feminino”,
conta.
Segundo Jurema, por meio da memória oral, transmitida
para os integrantes mais novos da tribo pelos idosos, os índios
utilizam, além do futebol, outras modalidades de esportes
para resgatar rituais como o da tucandeira, uma formiga comum
na Amazônia. O arremesso da bola ao cesto de basquete,
por exemplo, lembra a condução do inseto a
um bambu, chamado por eles de “tum tum”, de onde ele escorrega
para um recipiente.
Ausência de violência – Outras
características presentes nas manifestações
esportivas indígenas, de acordo com o pesquisador,
são a ausência da violência e a falta
de técnica. No vôlei indígena, por exemplo,
se admite mais de três toques na bola, que é passada
entre os integrantes da equipe com uma suavidade que em nada
lembra a força que os jogadores profissionais empregam
em saques, cortadas ou defesas em uma partida de vôlei
tradicional. “Eu perguntei para alguns índios porque
não há técnica nos jogos deles, e eles
responderam que é porque os velhos também precisam
participar”, diz Jurema.
Por outro lado, o pesquisador identifica
em partidas de jogos disputadas por não índios traços
de rituais indígenas. “Quando um time de futebol entra
em campo em um estádio, e a torcida grita, bate tambores
e solta uma fumaça, geralmente da cor que simboliza
o time, isso tudo representa rituais primitivos. A fumaça,
por exemplo, remete ao ritual de defumação
no xamanismo, em que os índios escolhidos para se
tornarem guerreiros eram defumados para afastar os maus espíritos.
E as torcidas também fazem esse ritual de defumação
dos jogadores de seus times”, relaciona.
Serviço: A
palestra do professor de educação física Jefferson Jurema
será realizada no dia 15 de julho, às 10h30,
durante a 61ª Reunião Anual da SBPC, que será realizada
a partir do dia 12 em Manaus (AM), no campus da Universidade
Federal do Amazonas (UFAM). O evento, cujo tema é “Amazônia:
Ciência e Cultura”, contará com 175 atividades,
entre conferências, simpósios, mesas-redondas,
grupos de trabalho, encontros e sessões especiais,
além de apresentação de trabalhos científicos
e minicursos. Veja a programação em www.sbpcnet.org.br/manaus .
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