Sons
da floresta revelam que biodiversidade da
Amazônia é muito
maior do que se imaginava
Utilizando
a bioacústica, pesquisadores estão
descobrindo novas espécies no
bioma amazônico. Assunto será debatido
na 61ª Reunião Anual da SBPC.
Através dos ouvidos, pesquisadores na Amazônia
estão fazendo descobertas sobre a real biodiversidade
da floresta amazônica que passaram despercebidas aos
olhos de outros cientistas que se dedicaram a estudá-la.
Utilizando a bioacústica, uma ferramenta tida como
uma das mais úteis para reconhecer e identificar na
natureza a diversidade de aves e outros animais que emitem
sons, eles estão constatando que a variedade de espécies
do bioma amazônico é muito maior do que se imaginava.
“Onde nós achávamos, pela observação
visual, que tinha uma espécie só, quando estimulamos
nossa atenção pelo som descobrimos que tinham
diversas que foram cegamente ignoradas, porque em uma primeira
impressão pareciam todas iguais”, afirma o ornitólogo
e curador da coleção de aves do Instituto Nacional
de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Mario Cohn-Haft. Ele
abordará esse assunto em uma conferência durante
a 61ª Reunião Anual da SBPC – evento que a Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) promoverá de
12 a 17 de julho em Manaus (AM).
De acordo com o pesquisador, que estuda os padrões
de distribuição de aves amazônicas, as
pesquisas sobre a biodiversidade da Amazônia foram
iniciadas utilizando a visão, o sentido humano mais
desenvolvido, para identificar as espécies pelos seus
aspectos morfológicos – as formas e cores. A partir
da década de 50, com o surgimento de potentes gravadores
de som portáteis e de análise visual dele -
denominada análise acústica, em que o som é convertido
em um gráfico, o sonograma –, se tornou possível
também utilizar o estudo do som para catalogar a diversidade
e variabilidade das espécies na Amazônia.
“Os sons estão possibilitando identificar a diversidade
biológica da floresta amazônica, que muitas
vezes é ofuscada pelos aspectos visuais. Os animais
produzem sons únicos e singulares. E o estudo desse
repertório sonoro permite identificar as espécies
e descrever a variação geográfica delas
por meio da mudança do som que elas fazem de um lugar
para outro”, explica Cohn-Haft.
Diferenças genéticas – O
uirapuru de algumas partes da Amazônia, por exemplo,
não canta igual aos outros integrantes de sua espécie
que podem ser encontrados em outros lugares da região.
O que caracteriza uma variação de som de indivíduos
da mesma espécie que, segundo o pesquisador, tem duas
possíveis explicações.
A primeira é que nesses diferentes pontos da região
amazônica o pesquisador, em trabalho de campo, pode
ter amostrado apenas uma parte do repertório de sons
dos pássaros que, na verdade, podem fazer os mesmos
sons em qualquer lugar, induzindo o observador a concluir
erroneamente que isso representa uma variação
geográfica da espécie. “É como se ao
ouvirmos pessoas dizendo “bom-dia” em lugar e “boa-noite” em
outro, concluíssemos que elas falam idiomas diferentes.
Mas se passássemos mais tempo, pelo menos um dia e
uma noite, nesses dois lugares, descobriríamos que
elas falam as duas frases em ambas as partes”, explica o
pesquisador.
A segunda hipótese é que o som emitido por
uma população desta ave em um determinado ponto
da Amazônia é, de fato, diferente do produzido
por indivíduos da mesma espécie localizados
em outros locais da região amazônica. O que
está dando origem à outra grande descoberta. “Estamos
descobrindo que, quando há uma diferença de
som de um local para outro de uma população
da mesma espécie, também há uma diferença
genética. O animal é outro”, revela Cohn-Haft.
Na avaliação do especialista, o estudo do
som está se tornando uma ferramenta útil e
barata para reconhecer diferenças genéticas
em populações de animais. E, em função
dessa projeção, está sendo aplicado
no estudo de identificação de diversas novas
espécies de animais. “A bioacústica tem um
potencial muito grande e já é muito explorada
em outras partes do mundo. Hoje em dia tem gente trabalhando
com sons de quelônios – tartarugas – em florestas,
além de anuros – sapos – e até insetos. E nós
estamos trabalhando pesado com isso em aves”, conta.
Música da floresta - Segundo Cohn-Haft,
o som exerce um papel crucial de comunicação
para os animais. Eles o utilizam para enviar mensagens a
outro indivíduo, normalmente da mesma espécie.
Mas ao contrário do que imagina um observador humano
desatento que, ao se embrenhar em uma mata ouve uma proliferação
de barulhos produzidos por diversos animais e acredita que
são aleatórios, os sons da floresta têm
uma ordem e estrutura próprias.
“Os animais têm cuidado para escolher o momento, a
freqüência, o timbre - se agudo ou grave - e a
repetitividade do som, para não perder o esforço
e desperdiçar a energia para se comunicar. Porque
o objetivo é que o som seja ouvido por alguém”,
diz.
O pesquisador compara os sons da floresta a uma orquestra,
em que os animais, tal como os músicos instrumentistas,
executam partes e fazem vozes específicas que se completam,
formando uma sinfonia. “Não é cacofonia, uma
barulheira só. Tem uma ordem. E o resultado a gente
só percebe que é muito bonito”, avalia o especialista,
ressaltando que não foi por acaso que grandes compositores
criaram obras baseadas nos sons dos animais, como o maestro
brasileiro Carlos Gomes, que compôs “O canto do uirapuru”.
Nicho sonoro – O tipo de ambiente, conta
o pesquisador, também afeta o som produzido pelos
animais. Em ambientes de floresta densa, o timbre de voz
deles tende a ser mais grave para o som se propagar melhor
no meio da vegetação. Já em ambientes
de mata aberta ou nas próprias copas das árvores,
a propagação do som não sofre a interferência
da vegetação, e os barulhos produzidos pelos
animais podem ser de ondas curtas - mais agudo. Com base
nisso, as alterações ambientais promovidas
pelo homem, como o desmatamento, podem afetar em curto prazo
o sucesso de comunicação sonora dos animais
e, em longo prazo, a sobrevivência de organismos já adaptados
ao ambiente que sofreu mudanças.
Da mesma forma que existe um conceito de nicho ecológico,
em que uma floresta é dividida em partes onde cada
espécie desempenha uma determinada função
em seu habitat , nela também há nichos
sonoros. Essas características de timbre, horário,
repetitividade dos sons e a escolha do momento em que o pássaro
canta são maneiras de evitar que sua voz suma em meio
a outros barulhos e dividir o ambiente acústico, garantindo
que seu som seja ouvido.
Mas o que exatamente cada animal quer comunicar com seus
vários sons é outro assunto, que também
já está sendo objeto de pesquisa. “Que eles
querem ser ouvidos quando vocalizam e que usam diferentes
sons em diversos contextos, isso nós já sabemos.
Mas o que estão dizendo um para o outro, só estamos
começando a entender”, antecipa Cohn-Haft.
Serviço: A palestra “Os Sons da
Floresta”, do biólogo Mario Cohn-Haft, será realizada
no próximo dia 14 de julho, às 10h30, durante
a 61ª Reunião Anual da SBPC. O evento, cujo tema é “Amazônia:
Ciência e Cultura”, será realizado a partir
do dia 12 em Manaus (AM), no campus da Universidade Federal
do Amazonas (UFAM). Contará com 175 atividades, entre
conferências, simpósios, mesas-redondas, grupos
de trabalho, encontros e sessões especiais, além
de apresentação de trabalhos científicos
e minicursos. Veja a programação em www.sbpcnet.org.br/manaus .
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