Pesquisas
permitem preservar o peixe-boi da Amazônia
Estudos
realizados há três
décadas possibilitaram conhecer melhor a espécie,que
está ameaçada de extinção.
Assunto será debatido na 61ª Reunião
da SBPC.
Em
toda a bacia amazônica há um
tipo de mamífero
que, apesar do porte avantajado, é difícil
visualizá-lo devido ao seu comportamento um tanto
discreto e à turbidez das águas dos rios da
Amazônia. Mas nas últimas três décadas,
pesquisadores da região realizaram uma série
de estudos que possibilitaram conhecer melhor e assegurar
a preservação dessa espécie que está ameaçada
de extinção: a Trichechus inunguis ,
mais conhecida como peixe-boi da Amazônia.
“Temos um mosaico de informações sobre essa
espécie que é a única das três
existentes no mundo que vive em água doce. São
vários trabalhos que formam um retrato que nos permite
entendê-la melhor no ecossistema e estudar medidas
de conservação”, diz a pesquisadora do Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Vera Maria
Ferreira da Silva. Ela abordará esse assunto em uma
conferência durante a 61ª Reunião Anual
da SBPC – evento que a Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência (SBPC) promoverá de 12 a 17 de julho
em Manaus (AM).
De acordo com Silva, o peixe-boi da Amazônia exerce
um papel fundamental na cadeia alimentar e no ecossistema
aquático amazônico. Ao se alimentar nas grandes
ilhas de capim flutuante existentes nos rios da Amazônia,
o maior herbívoro aquático controla o crescimento
dessas plantas e, com suas fezes e urina, fertiliza as águas,
contribuindo para a manutenção do ambiente. “Ele
transforma essas macrófitas em partículas menores,
por meio de suas fezes, que servem de alimento para outras
espécies de animais também presentes nos rios
da Amazônia”, conta a pesquisadora.
Extinção – O
peixe-boi teve muita importância no período de colonização
do Brasil, em que foi a base de alimentação,
primeiramente dos indígenas e, depois, dos colonizadores
europeus. Além de ser consumida em diversas regiões
do País, a carne do animal era exportada para a Europa,
preservada em sua própria gordura, que também
era utilizada para iluminação. E seu couro
era usado para a fabricação de cola e correias
de maquinários, como as de teares e veículos
de locomoção. O que levou ao rápido
declínio da espécie.
“Milhares de peixes-bois da Amazônia foram mortos
com essas finalidades. O padre José de Anchieta já falava
em seus relatos da época sobre a matança do
animal e há diversos registros sobre a retirada deles
da Amazônia”, afirma a pesquisadora, que diz que em
um desses documentos históricos consta que em um período
de 30 anos, 200 mil couros de peixe-boi foram exportados
para fora da região amazônica. E que as fêmeas,
juntamente com seus filhotes, eram mais vulneráreis à captura
e mais visadas pelos pescadores por terem mais gordura acumulada
do que os machos.
Os pesquisadores não possuem estimativas do tamanho
da população de peixes-bois da Amazônia,
devido à dificuldade de se observar o animal em seu
ambiente natural. O que se sabe, é que a população
da espécie foi drasticamente reduzida nos últimos
anos, mas acredita-se que esteja em recuperação
atualmente em função da proteção
legal do animal. Programas de reintrodução
de filhotes mantidos em cativeiro, como o coordenado pelo
Laboratório de Mamíferos Aquáticos (LMA),
do Inpa, também estão dando sua contribuição
para a conservação da espécie.
Reprodução – Fundado
em 1974, o “Projeto Peixe-boi”, do LMA, desenvolveu os primeiros estudos
sobre a biologia e conservação do peixe-boi
da Amazônia, em que obteve importantes resultados sobre
o metabolismo e a fisiologia da espécie. Mas o maior
passo dado pelos pesquisadores do Laboratório foi
conseguir reproduzir o animal, que vive mais de 50 anos e
se reproduz a partir dos sete anos, em cativeiro. A capacidade
de reprodução em cativeiro possibilita repovoar
outras áreas da bacia amazônica onde a espécie
não estiver mais presente e manejá-la no ecossistema
aquático.
“O peixe-boi da Amazônia é uma espécie
que sobrevive bem em cativeiro. Mas sua reintrodução
no ambiente natural é um desafio, porque esses animais
ficam muito tempo em tanques e é muito difícil
ensinar a eles o funcionamento do sistema hidrológico
da região e adaptá-los a uma nova vida, na
natureza, sem nunca terem vivido nesse ambiente”, explica
a pesquisadora.
Segundo ela, uma das linhas de pesquisa em
que estão
trabalhando atualmente é com a bioacústica.
Já utilizada em estudos populacionais de outras espécies
de mamíferos marinhos, como baleias e golfinhos, por
meio desta técnica, em que são instalados aparelhos
gravadores de som no fundo dos oceanos, é possível
estimar o tamanho da população de uma espécie
em uma determinada área e analisar suas rotas migratórias. “Com
essa ferramenta para estudos populacionais, podemos fazer
um censo acústico para estimar quantos peixes-bois
têm em um determinado rio ou lago e o número
de animais migrantes”, detalha a pesquisadora.
Outro desdobramento
desse trabalho foi a habilidade de se diferenciar machos
das fêmeas e dos filhotes por meio
de suas vozes. Atualmente, os pesquisadores estão
estudando a evolução vocal dos filhotes de
peixe-boi da Amazônia, como se estabelece a comunicação
entre a mãe e o filhote e se essa comunicação
continua quando são separados na natureza. “Queremos
saber se a voz deles representa uma assinatura única.
Mas ainda estamos longe de obter respostas específicas”,
afirma Silva.
Serviço: A palestra
da bióloga
Vera Maria Ferreira da Silva será realizada no próximo
dia 17 de julho, às 10h30, durante a 61ª Reunião
Anual da SBPC, que será realizada a partir do dia
12 em Manaus (AM), no campus da Universidade Federal do Amazonas
(UFAM). O evento, cujo tema é “Amazônia: Ciência
e Cultura”, contará com 175 atividades, entre conferências,
simpósios, mesas-redondas, grupos de trabalho, encontros
e sessões especiais, além de apresentação
de trabalhos científicos e minicursos. Veja a programação
em www.sbpcnet.org.br/manaus .
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