(Agência SBPC) – A flora brasileira pode guardar compostos com capacidade terapêutica muito mais eficazes que os sintéticos pesquisados e produzidos em laboratórios. O alerta foi feito por Eliezer Barreiro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) durante a mesa-redonda Biodiversidade e a Busca por Fármacos para Doenças Negligenciadas, na 61ª Reunião Anual da SBPC, em Manaus.
Eliezer falou sobre as pesquisas que conduz no Laboratório de Avaliação e Síntese de Substâncias Bioativas da Faculdade de Farmácia da UFRJ. O professor publicou estudos sobre a utilização do safrol, principal componente químico do óleo de sassafrás, em pesquisas contra a leishmaniose.
“O safrol é um benzeno natural que era muito extraído, em Santa Catarina, da canela sassafrás. A ganância fez com que explorassem tanto a espécie que ela foi praticamente extinta. A sorte é que Deus é brasileiro. Descobrimos safrol presente numa espécie arbustiva, a pimenta longa, na mesma concentração que no óleo de sassafrás. E esse arbusto ainda é muito mais fácil de manejar”, disse Barreiro.
A leishmaniose é uma das doenças consideradas negligenciadas pela Organização Mundial da Saúde, ao lado da malária, dengue, doença de Chagas, esquistossomose, hanseníase e tuberculose. Entre as que mais preocupam atualmente está a dengue, que já aparece em quatro variações em todos os estados brasileiros, com exceção do Rio Grande do Sul.
A hanseníase é uma das que apresentam mais opções de substâncias curativas, enquanto que a doença de Chagas, apesar de descoberta há 100 anos, até hoje não possui tratamento eficaz. “Chegamos aos 100 anos da descoberta da doença de Chagas sem ter muito o que comemorar, porque não temos uma alternativa terapêutica principalmente na fase crônica da doença”, lamentou Adriano Andricopulo, do Laboratório de Química Medicinal e Computacional da USP-São Carlos.
Segundo Andricopulo, há 18 milhões de pessoas infectadas no mundo, a maioria na América Latina. São 50 mil mortes e 300 mil novos casos a cada ano. E o panorama geral das doenças tropicais negligenciadas é ainda mais preocupante. Há mais de um bilhão de infectados, 1/3 da população mundial.
“As crianças são as mais vulneráveis. A cada 30 segundos, uma criança com menos de cinco anos morre de malária. Dos 1.393 fármacos registrados de 1975 a 1999, menos de 1% eram para combate a doenças tropicais negligenciadas. E menos de 0,01% dos mais de US$ 70 bilhões investidos em pesquisa e desenvolvimento foram para essas doenças”, expôs o pesquisador da USP.
Além de necessitarem de altas somas de recursos, as pesquisas para desenvolvimento de fármacos demandam tempo. “Hoje, para um novo fármaco chegar ao mercado são necessários de 12 a 15 anos, em média, e investimentos de US$ 800 milhões a US$ 1 bilhão”, estimou Andricopulo.
Outro desafio a ser vencido é o parco conhecimento da biodiversidade brasileira, que poderia servir de matéria-prima para a produção de remédios. “Há várias referências na literatura médica de substâncias contra a hanseníase. Mas são de plantas de outros países, como Índia, Marrocos, China e Senegal. Nenhuma brasileira”, contou Alberto Cardoso Arruda, da UFPA. “Temos pouco conhecimento da biodiversidade vegetal da região. Temos 2.252.655 amostras de plantas em herbários no Brasil. Os Estados Unidos têm mais de 60 milhões de amostras”.
Eliezer Barreiro concorda que o desconhecimento da flora brasileira pode desperdiçar componentes preciosos que jamais poderiam ser encontrados em laboratório. “Os produtos naturais de origem vegetal que guardam arquiteturas moleculares originais inéditas são capazes de esconder mecanismos de intervenção terapêutica. Então não é só porque o esqueleto estrutural é inovador, é original, é artisticamente feito pela mãe natureza. Mais do que isso, porque podem esconder mecanismos de ação simples e absolutamente eficazes”, disse o professor da UFRJ. “Os produtos naturais têm superioridade incontestável na possibilidade de mecanismos moleculares mais perfeitos”. Segundo o pesquisador, é necessário conhecer a biodiversidade brasileira nem que seja para apenas protegê-la.
“Na natureza temos desafios enormes, mas estão à altura da nossa biodiversidade. Se não desenvolvermos uma tecnologia compatível a esse desafio, vamos continuar pensando de forma colonizada. Precisamos de mais capacidade de produzir extratos em grande quantidade, de forma adequada e nos quatro cantos do país”, afirmou Eliezer. “Também precisamos de biotérios que nos permitam esses ensaios de forma efetiva e laboratórios para testar em animais, seguindo os protocolos exigidos”.
Mas, de acordo com Alberto Arruda, há barreiras que atravancam o trabalho, entre elas a legislação, que deveria ser mudada pelo governo federal. “Trabalhar com plantas no Brasil não é fácil por causa das nossas leis de acesso, de coleta. Para você trabalhar legalmente não é fácil. E a gente precisa trabalhar legalmente”, queixou-se o professor da UFPA.
Daniela Amorim, do Jornal da Ciência, para a Agência SBPC.