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 Sessão de Abertura


Discurso da Reitora da UFAL
Maria Valéria Costa Correia
 
 

Este é um momento de intensa felicidade da comunidade acadêmica da UFAL, da cidade de Maceió e do Estado de Alagoas, por receber a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e todos participantes deste grande evento científico, social e cultural.

Expresso a importância e o orgulho da UFAL em sediar e correalizar a edição septuagésima da SBPC, não só porque é a Sociedade mais representativa da comunidade científica brasileira com uma trajetória “marcada pela luta pela consolidação de uma cultura científica no Brasil”, mas também pelo significado deste evento em um contexto econômico e político tão adverso por que passa o Brasil. Certamente, seremos palco não só de grandes conferências acadêmicas, cursos, oficinas, exposições, mas, de grandes debates e articulações que apontarão os melhores caminhos, em todas as áreas do conhecimento, para o desenvolvimento de um país democrático e soberano. “Ciência, Responsabilidade Social e Soberania” é o tema desta edição da SBPC que a Ufal tem a honra de receber pela primeira vez nos seus 57 anos de existência.

Ancorada na contribuição de Gramsci, inicialmente, reafirmamos a “vinculação da ciência às necessidades, à vida, à atividade do homem” (GRAMSCI, 1999, p.174). E assim, o progresso da ciência vincula-se organicamente à história da humanidade, para além do aperfeiçoamento dos instrumentos e do método, cabe a ciência incessantemente a busca da verdade, percorrer o caminho desconhecimento-conhecimento- desconhecimento. A ciência deve ser concebida como uma “categoria histórica, um movimento em contínua evolução” (GRAMSCI, 1999, p.174).
Questiona Gramsci “Mas tudo que a ciência afirma é objetivamente verdadeiro? De modo definitivo? E responde: “Se as verdades científicas fossem definitivas, a ciência teria deixado de existir como tal, como investigação, como novas experiências, reduzindo-se a atividade científica à repetição do que já foi descoberto” (GRAMSCI, 1999, p.174).

O incognoscível, o desconhecido, condiciona o desenvolvimento de instrumentos e o desenvolvimento da inteligência histórica dos cientistas/pesquisadores individuais. Logo, afirma Gramsci, no início da década de 30 do século passado, em um cárcere do fascismo italiano, “não é possível dizer que uma teoria se estabelece de uma vez por todas [...] Corolário direto de tal posição é a liberdade de pesquisa, reivindicada como fator essencial” (DICIONÁRIO, p. 116).

Liberdade e autonomia na produção científica são essenciais para a função civilizatória da Ciência e da Universidade.

A Universidade como instituição autônoma e com ética pública é o lócus privilegiado da produção científica, por isso não pode estar a serviço dos interesses do lucro inescrupuloso que podem ameaçar a preservação da vida e do meio ambiente, mas, deve estar comprometida com as necessidades humanas e com os desafios, em todas as áreas do conhecimento, para o bem viver dos povos.

A autonomia universitária é um legado das lutas estudantis de Córdoba que este ano comemora 100 anos, cuja agenda, como a democracia, gratuidade, laicidade, liberdade de cátedra, continua atual frente a um contexto de recrudescimento do conservadorismo e de ameaças à democracia e à liberdade de cátedra.

Observam-se fatos reveladores desta realidade, na atualidade. Seguiremos com alguns exemplos: a proposta da Escola sem Partido que expressa a tentativa de amordaçar o livre debate nas escolas, essência do processo de aprendizagem, retira o contraditório, extinguindo a possibilidade da ciência quando não se problematiza o conhecimento estabelecido. A apologia ao estupro, fortalecendo a cultura da misoginia; o crescimento dos assassinatos pela homofobia, as interpelações à “cura gay”, em desrespeito a população LGBTT; expressões de racismo reveladas nos dados da ONU: de cada dez pessoas assassinadas no Brasil, sete são negras, nesta estatística está Marielle Franco, mulher, negra, criada na favela da Maré, vereadora que foi brutalmente executada no dia 14 de março; intolerância religiosa; louvores ao período da Ditadura Militar, com recentes manifestações solicitando a intervenção militar no país, desconsiderando os horrores por ela praticados contra os direitos humanos mais elementares.

Pesquisadores vêm sendo interpelados pela justiça por causa do conteúdo de suas pesquisas. O caso mais emblemático foi o do professor emérito da Unifesp, Elisaldo Carlini, um dos pioneiros da farmacologia no País, cujas pesquisas possibilitaram o desenvolvimento de medicamentos à base de cannabis sativa, utilizados em vários países para o tratamento de epilepsia e esclerose múltipla. No auge dos seus 88 anos, 50 destes dedicados à pesquisa, em fevereiro de 2018, Carlini foi intimado a depor na polícia, sob a acusação de promover um evento científico cujo conteúdo foi considerado ter “fortes indícios de apologia às drogas.” Houve uma ampla reação da comunidade científica capitaneada pela SBPC.

Outro exemplo foi a interpelação judicial ao biólogo e pesquisador da Fiocruz, Fernando Carneiro, em novembro de 2017, por divulgar evidências científicas de que agrotóxicos causam danos à saúde da população e prejudicam o meio ambiente. Houve reação da Abrasco, do Conselho Deliberativo da Fiocruz e do Conselho Nacional de Saúde. Contraditoriamente, assistimos tentativas de cercear a divulgação das pesquisas reveladoras dos efeitos perversos do uso dos agrotóxicos no país que é o maior consumidor de agrotóxico do planeta, e, ao mesmo tempo, observarmos que tramitam na Câmara Federal projetos para flexibilizar a Lei dos Agrotóxicos e para obter maior rigidez na regulação da comercialização de produtos orgânicos, resultantes da produção da agricultura familiar.

Neste contexto, não posso deixar de mencionar a condução coercitiva e prisão temporária de 2 reitores, no segundo semestre de 2017, casos em que a Andifes denunciou com veemência. Destaco a prisão do Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, o professor Dr. em Direito, Luiz Carlos Cancellier, cuja humilhação pública causada pela espetacularização do caso, o levou ao suicídio, e, no mês passado, o inquérito foi encerrado sem nenhuma prova ou testemunha a incriminá-lo.

Assistimos no País um processo de Judicialização da política, que não é neutra, a exemplo da prisão do presidente Lula, além de uma judicialização da ciência que também não é imparcial.

Neste contexto, é crucial e atual a afirmação de Florestan Fernandes: “Em nossa época, o cientista precisa tomar consciência da utilidade social e do destino prático reservado as suas descobertas”.

A partir desta assertiva, questiono:
Importa para os cientistas saber os rumos da Petrobrás, seu processo de privatização e de sua entrega aos interesses das empresas transnacionais? Saber o destino dos Royalties do Pré-sal, se são para educação e para a saúde? Saber como a exploração de minérios realizada, em sua maioria, por empresas estrangeiras prejudica os Povos e populações tradicionais? Importar-se com o aquífero Guarani, umas das maiores reservas de água potável do mundo, que está ameaçado pela contaminação do solo por agrotóxicos? Sim, a Ciência e as Universidades não se curvam ao obscurantismo e à heteronomia.

No documento do recente evento comemorativo dos 100 anos de Córdoba, exigiu-se “a autonomia que permita à universidade exercer seu papel crítico e propositivo frente à sociedade sem limites impostos pelos governos do turno, crenças religiosas, mercado ou interesses particulares. A defesa da autonomia universitária é uma responsabilidade incontornável e altamente relevante na América Latina e no Caribe e é, ao mesmo tempo, uma defesa do compromisso social da universidade.”

Educação e Ciência têm potencialmente uma grande capacidade transformadora. A nação que não investe nestas áreas está fadada a uma nova condição colonial, dependente da ciência e tecnologia produzida por outras nações, funcional ao capitalismo dependente, alimentando a riqueza internacional. Florestan Fernandes, nos seus estudos sobre a economia capitalista dependente, afirma que esta por si só, aprofunda a própria dependência, não conduz à emancipação e a uma efetiva soberania nacional. Aprofunda a integração do tecido econômico do país aos dinamismos transnacionais do capitalismo, dirigidos de fora e para fora.

A perda do investimento em Ciência e nas Universidades agrava o cenário de dependência e de inserção subordinada na economia global, atendendo aos interesses dos grandes conglomerados financeiros internacionais, intensificando a heternomia econômica, tecnológica, científica e cultural do país.
O impacto positivo das Universidades Públicas e da Ciência, Tecnologia e Inovação para o desenvolvimento da sociedade brasileira tem sido imensurável.

As Universidades Federais, pela grandeza de suas produções científicas nas diversas áreas do conhecimento - para a exploração de petróleo em águas profundas e descoberta do pré-sal, para a produção de grãos, para o desenvolvimento da indústria, para a construção de hidrelétricas e outras obras de engenharia complexa, na produção de fármacos, no combate a doenças, na atenção à saúde, na área da informática, das telecomunicações, das políticas sociais, da cultura e da arte. E, também, por terem se constituído em trincheiras de defesa dos mais altos valores da humanidade - democracia, direitos humanos e sociais e proteção ao meio ambiente e à vida.
Na área da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), o Brasil tem se destacado, ocupa a 13ª posição entre as nações que mais produzem ciência, apesar do pouco destaque em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), em virtude do escasso investimento das empresas situadas no Brasil. As Universidades Federais têm se destacado entre as melhores, nos recentes rankings internacionais.

Entretanto, a Andifes ressalta que, no momento, esse enorme patrimônio reclama atenção. O aporte, pelo MEC e por agências de fomento, de recursos para custeio, investimento e para a pesquisa científica e tecnológica nas universidades públicas federais apresentou cortes acentuados. A medida ameaça comprometer todo o sistema construído nos últimos anos. Como resultado, laboratórios das universidades estão cancelando projetos, equipamentos e infraestrutura demandam manutenção, equipes de pesquisa estão sendo desfeitas e alguns pesquisadores começam a deixar o país em busca de oportunidades no exterior.

Essa realidade também alcança os institutos federais de educação tecnológica, os institutos de pesquisa voltados para a saúde e para a ciência e tecnologia. Esse cenário preocupa todo o país, pois as universidades e os institutos de pesquisa são responsáveis por 90% da pesquisa produzida no Brasil.

Esta realidade se agravará com os efeitos da Emenda Constitucional nº 95 que congela os gastos sociais por 20 anos, com o objetivo de formar superávits primários para pagamento de juros e amortização da dívida pública. Especialistas apontam que reduzir investimentos públicos só agrava a crise social, política e econômica. Os cortes nas áreas sociais contribuem para aumentar o desemprego, a concentração de renda e o poder das instituições financeiras. A necessidade de sua revogação é premente, sob pena de extinção de todo o legado dos direitos sociais impressos na Constituição Cidadã de 1988.

Inseridas em um ambiente social ainda marcado pela desigualdade e pela exclusão, as universidades federais públicas e gratuitas acolhem alunos de todas as origens sociais, raças e etnias. Mais de 66% dos/as estudantes das IFES pertencem à família com renda per capita de até 1/5 salário mínimo,5 e dependem do Programa Nacional de Assistência Estudantil para permanecerem na Universidade. São necessários mais recursos para o PNAES, sem os quais a evasão estudantil se ampliará. É necessário transformá-lo em Lei.

As saídas para o financiamento das Universidades públicas através de cobranças, anunciadas pelo Banco Mundial no documento “Um ajuste justo”,6 de novembro de 2017, não condiz com este perfil de estudante. Além disso, o princípio da gratuidade assegurado na educação pública pela Constituição de 1988 deve ser mantido.

O conteúdo deste documento foi criticado pelo presidente da Andifes, Emanuel Tourinho, por não se referir “a acentuada injustiça tributária no país”, e por não recomendar “a tributação de grandes fortunas ou a revogação de desonerações fiscais que favorecem grandes grupos econômicos, medidas que poderiam financiar iniciativas de combate à desigualdade, problema maior da nação.”

Além do ensino de graduação e pós-graduação, as universidades federais incluem 46 hospitais universitários de alta complexidade; clínicas e laboratórios; museus; teatros; cinemas; agências de inovação; incubadoras de empresas de base tecnológica e parques de ciência e tecnologia; complexos esportivos; espaços de direitos humanos; escritórios de assistência jurídica à população carente; serviços de atenção à saúde mental.

Educação, ciência, arte, cultura, esporte e cidadania são resultados diretos do trabalho das Universidades Federais. As Universidades são Patrimônio da Sociedade Brasileira.

As formas de desenvolvimento produtivo, de políticas sociais, de tecnologias e inovação, de produção cultural e artística realizadas no estado de Alagoas, nas últimas décadas, tiveram a influência do conhecimento produzido na Ufal. Além disto, esta instituição é responsável pela formação profissional de muitas gerações. A Ufal é patrimônio do povo alagoano.

Caminhando para o final, expresso publicamente o meu agradecimento ao vice-reitor José Vieira, coordenador local do evento, que tem desenvolvido um trabalho brilhante, com uma equipe que tem se dedicado integralmente. Vieira não têm medido esforços para a construção de um evento desta magnitude.

Agradeço aos gestores da Ufal, à Comunidade Universitária – docentes, Técnicos- administrativos e estudantes.

Agradeço ainda o apoio do Ministério da Educação, do Governo do Estado de Alagoas, da Prefeitura Municipal de Maceió, do IFAL, UNEAL e UNCISAL, SEBRAE e de outras instituições e órgãos que colaboraram com o êxito do evento. Agradeço a diretoria nacional da SBPC, sua equipe executora, especialmente, ao presidente, professor Ildeu de Castro Moreira por estarmos juntos nesta realização.

Enfim, em tempos de crescimento de senso comum em torno de ideias que se colocam na contramão do avanço da democracia e dos direitos humanos e sociais, trago mais uma vez Gramsci quando destaca “a importância da Ciência na organização de cultura, e, assim, com capacidade de ‘unificar’ a concepção de mundo necessária para romper o senso comum”. A ciência precisa chegar aos homens [e às mulheres] massa.

Que este encontro que segue nos próximos dias, fomente em cada um de nós a coragem de continuarmos na luta pela Ciência e pela educação pública de qualidade socialmente referenciada!

Concluo com Nise da Silveira, alagoana, médica psiquiatra, que enfrentou o conservadorismo de uma época com a arte no tratamento psiquiátrico: “Não faz parte do meu vocabulário a palavra recuar, deve-se sempre ir em frente. Anda-se para o futuro.”

Que o futuro do Brasil seja soberano e democrático a serviço dos interesses do povo brasileiro!

Muito Obrigada!

 
 
 
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