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 Sessão de Abertura


Discurso do Presidente da SBPC
Ildeu de Castro Moreira
 
 

Muito obrigado a todos que estão resistindo até esse momento. Acho que uma palavra importante da SBPC sempre foi resistir, e nós temos que discutir aqui também nesse encontro o “avançar”, já que a palavra resistência não é suficiente para dar conta do momento que estamos vivendo.

Eu quero agradecer muito a presença de vocês. Vou tentar ser breve, mas professor universitário tem esses defeitos... Eu tenho uma desculpa: falo aqui não só em meu nome, mas em nome da SBPC, de seu Conselho, de grandes ex-presidentes e presidentes de honra presentes nesta cerimônia. A gente tem que deixar um recado importante e esse é um momento significativo de refletir sobre a importância da SBPC.

Em primeiro lugar quero agradecer ao governador Renan (Filho), parabenizá-lo por essa iniciativa de acolher esta Reunião Anual da SBPC e todo o apoio que está sendo dado. Parabenizar Alagoas, que está dando exemplo de apoio à Ciência e Tecnologia. Um exemplo disso é a Fapeal. O Fábio Guedes foi quem primeiro chegou para gente e falou: “Queremos fazer a SBPC em Alagoas!”. 

A Ufal abraçou a ideia de uma maneira muito intensa, por meio do vice-reitor (José) Vieira e a reitora Valéria (Correia), toda a equipe da Universidade e monitores. Eu vou agradecer todo mundo e nós vamos ter também muitos agradecimentos ao longo dessa semana.

Nós vamos ter dificuldades, mas vamos trabalhar em conjunto. Inclusive pedimos a compreensão de vocês, porque organizar esses eventos no momento de restrições orçamentárias em que vivemos (tivemos a metade dos recursos que tivemos no ano passado em Belo Horizonte). Portanto, obviamente, o esforço foi muito grande para superar isso e é importante que a gente faça isso também! Que a gente saiba fazer funcionar também nas condições que nós temos. A Universidade tem a capacidade de ser criativa.

Queria, portanto, cumprimentar o governador, cumprimentar a equipe da Ufal, o Mário Borges - representando aqui o ministro Kassab -, agradecer muito a presença do CNPq, da Capes, da Finep - que são agências fundamentais; os nossos companheiros de luta Francilene (Consecti), Luiz (ABC) e dizer que toda essa atividade conjunta da comunidade científica é muito significativa. Agradecer ao deputado Celso Pansera por todo esforço que tem feito; aos colaboradores aqui presentes do Ministério da Saúde, do Ministério da Educação; todos os outros setores que estão nos apoiando; e, obviamente, mencionar os presidentes de honra e os ex-presidentes da SBPC, Helena Nader,  Marco Antonio Raupp, Ennio Candotti e Otávio Velho, que são pessoas fundamentais dessa entidade, que tem uma história muito grande e que está simbolizada também no Elisaldo Carlini, está simbolizada em todos vocês aqui presentes, diretores de institutos de pesquisas. E se eu olho para esse número grande de pessoas de Universidade, quase todos eles vão ter uma SBPC que eles nunca esquecem.

Nós temos aqui 61 entidades e sociedades científicas participando dessa SBPC e 66 universidades e faculdades. Esses são números significativos que atestam a representatividade e a importância de eventos como este. Isso não é mérito nosso, é mérito da comunidade científica brasileira que criou a SBPC em 1948, a partir de uma luta para defender os institutos de pesquisa de São Paulo. E essa é uma luta que permanece até hoje, nessas sete décadas de trabalho da SBPC.

A gente pode ir à década de 50, com a criação do CNPq, que a SBPC foi fundamental; na criação da Capes – o seu grande mentor, Anísio Teixeira, foi presidente da SBPC e, enquanto presidente da SBPC, gestou um grupo que criou a Universidade de Brasília, com Darcy Ribeiro sendo um dos vetores. Então a gente tem uma história!

Na década de 60, com a criação da LDB, a proposta da criação do Ministério da Ciência e Tecnologia. Depois com o golpe militar, a SBPC passou a ter também uma atitude de resistência - principalmente na década de 70 – e foram momentos importantes de afirmação da Democracia brasileira que a comunidade científica estava emprenhada da ideia de que não basta ficar no laboratório. Essa é uma ideia que Leite Lopes defendia, que Anísio Teixeira defendia - que nós temos responsabilidade social. E esse é o lema dessa Reunião: Responsabilidade social e soberania.

Soberania brasileira está em causa quando se entrega a tecnologia desenvolvida durante décadas no Brasil na área do petróleo e gás - que tem a maior tecnologia do mundo de perfuração em águas profundas -, quando se entrega a capacidade que nós temos de construir aeronaves, quando se discute o processo complicado do Programa Espacial Brasileiro.

Então, nós temos pontos principais e fundamentais que estão nesse momento e a comunidade científica brasileira não pode fugir - e não está fugindo - de trazer a sua palavra para discutir sobre isso. E é um momento fundamental, porque a gente está vivendo um ano eleitoral e, obviamente, nós queremos eleições livres. Pela Constituição brasileira, criada há 30 anos e que a SBPC participou intensivamente. Pelos Direitos Humanos, o ponto fundamental da luta da SBPC também foi pela questão dos direitos sociais – hoje nós temos milhões de desempregados no Brasil -, e isso significa direito à vida, direito à comida, direito ao alimento que uma parcela significativa dos brasileiros hoje não tem. Isso tem a ver com Ciência! Esse ano temos a possibilidade de reverter o retrocesso que estamos vivendo. 

Já dissemos insistentemente do quadro dramático e drástico da política que corta em 1/3 o investimento em Ciência e Tecnologia em 10 anos. Quem sobrevive a isso?  O CNPq está fazendo um esforço hercúleo para os Editais Universais, para os INCTs – que são os grupos de melhor capacidade da ciência brasileira. Todos estão fazendo esforço muito grande para isso e nós estamos lá juntos todo o tempo.

Agora, é fundamental também que a gente diga que tem um discurso na praça que acha que a ciência básica e aplicada está ultrapassada - e às vezes a palavra inovação é usada com interesse muito específico e muito interesseiro para reduzir a importância da ciência básica. A SBPC tem dito isso com clareza: ciência básica é fundamental para o país! É fundamental para a inovação e ela não deve ser aprisionada pelos ditames do mercado. As Universidades têm que ter autonomia para fazer isso. Nos outros países se aposta muito mais na Ciência e Tecnologia do que aqui. Então nós temos alguns desafios importantes e acho que esse é o momento de discutirmos alguns deles.

A SBPC está fazendo 70 anos e vocês vão ter oportunidade de ver uma exposição virtual dentro da ExpoT&C, com muito material que conta essa história. Muitos devem pensar que a gente apenas está recordando o passado, mas SBPC está viva e isso é importante. Recordar nomes e essas pessoas que estiveram aqui é fundamental. Eu queria inclusive fazer uma homenagem nesse momento. Pedir para vocês não minuto de silêncio, mas uma salva de palmas para alguns companheiros que nos deixaram nesse ano e que estão colocados aí: Ernest Hamburger, Evando Mirra, Fernando Souza Barros e Marta Pernambuco.

O Evando pela inovação. A Marta Pernambuco pela briga de 30-40 anos pela educação no Brasil e pela educação em ciências. O Fernando, também um grande lutador. Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Física, lutou pela política nuclear adequada no Brasil. Portanto, são companheiros que estão aqui presentes nesse sentido: a lembrança deles fica como um exemplo para que a gente possa continuar. Eu queria mencionar algumas referências da SBPC porque eu acho que essas frases talvez simbolizem muito mais do que qualquer discurso que eu faço aqui.
Maurício Rocha e Silva, um dos criadores da SBPC, disse o seguinte: “A SBPC não é só de cientistas. É de amigos das ciências, que gostam da ciência e tem que ser mais do que isso”.

Carlini dizia que é um desafio para nós e temos que tornar isso muito maior, com uma participação muito mais intensa. Nós temos que fazer com as entidades científicas que interagem com a gente e ter uma interação muito mais ampla com a sociedade brasileira. A gente tem que ter uma presença muito mais ampla nos Estados. Nós temos de articular mais com os movimentos sociais, que fazem o país funcionar. Então, acho que esse é um desafio importante para nós da SBPC.

A gente deve ter de comemorar os 70 anos pensando o que nós vamos fazer para melhorar. É a mesma coisa que nós fazemos também com a ciência - a gente tem de estar aqui para cobrar recurso adequado. Estamos fazendo isso. Aquela luta cotidiana no Congresso Nacional, pressionando os ministros, pressionando o governo para recursos adequados. Mas nós devemos também batalhar para melhorar a qualidade da pesquisa que a gente produz. A nossa pesquisa tem que ter repercussão maior no nosso sistema produtivo e tem que melhorar no aspecto social. As nossas universidades têm que ser defendidas, pois são patrimônios. Mas elas têm que ser renovar, tem que melhorar a graduação, tem que melhorar as licenciaturas, tem que informar melhor os professores da Educação Básica que o povo brasileiro financia e tem o direito de ter uma educação de qualidade. Então, nós temos que fazer um esforço conjunto agora.

Certamente esse quadro que nós estamos vivendo nos coloca vários desafios. A SBPC vai apresentar na terça-feira uma série de painéis com sugestões de políticas públicas. Fizemos seminários em várias cidades brasileiras, no primeiro semestre. Sobre os temas da Ciência, Tecnologia e Inovação, temos a carta de Recife. Depois teve a carta de Salvador - democratização da comunicação, que é um tema importante para o País e a comunicação não pode ficar na mão de meia dúzia de brasileiros. Isso é uma questão de democracia no País. A questão da saúde pública é tratada na carta do Rio de Janeiro, que foi elaborada em conjunto com a Fiocruz. Discutir várias das coisas que mencionamos aqui, da importância da saúde e da relação profunda entre Ciência, Tecnologia, Inovação e Saúde, e esse é um aspecto fundamental de políticas públicas que nós temos que renovar.

Nós temos a carta de Porto Alegre, que discutiu a educação superior. Nós temos que melhorar as universidades brasileiras, temos de fortalecer a pós-graduação brasileira, as nossas agências (CNPq, Capes, Finep) e, inclusive, de ter o seu papel preservado. O CNPq tem que ser uma agência fundamental da pesquisa básica brasileira. É claro que aspectos de inovação podem entrar, mas a gente tem que ver isso, para não prejudicar uma coisa central que é pesquisa básica no Brasil. Outro ponto que nós tivemos foi a Carta de Brasília, que trata dos Direitos Humanos - uma questão fundamental que nós discutimos.

Vamos apresentar essas propostas na terça-feira e para todos os presidenciáveis. Àqueles que vierem aqui, ou não: nós vamos mandar para eles e vamos solicitar um compromisso dos partidos porque a comunidade científica brasileira tem sugestões! A Academia Brasileira de Ciências fez o seu documento. A Andifes fez o seu documento. A SBPC fez o seu documento. Então, estão sendo apresentadas propostas concretas de renovação diante do retrocesso grave que o País está vivendo. Retrocesso político, retrocesso econômico, retrocesso do ponto de vista da Ciência e Tecnologia, retrocesso educacional. E nós não podemos e a SBPC não coaduna com esse Estado. Então nós temos duas palavras: vamos resistir a esse quadro, brigar por mais recursos, como fazemos cotidianamente, mas, ao mesmo tempo avançar. Nós queremos melhorar, queremos ter propostas e estamos oferecendo essas propostas. E os candidatos ao Legislativo e ao Executivo que se comprometerem com elas nós vamos divulgar.

Nós somos uma Sociedade apartidária, mas não apolítica. Pelo contrário, nós somos profundamente políticos no sentido de que queremos a melhoria das condições do País e dos brasileiros. Queremos desenvolvimento sustentável em todos os seus aspectos e isso passa no País hoje por eleições democráticas livres e que todos tenham os direitos constitucionais garantidos.

Eu lembro que a SBPC em sua Reunião Anual do ano passado, na nossa Assembleia Geral, aprovamos uma Moção a favor de eleições diretas. Naquele momento, nós percebemos o grau de degradação política que o País estava chegando e que chega agora. Infelizmente, essa proposta não teve repercussão social maior, mas o significado que estava colocado é claramente aquilo que já falamos aqui: esse governo não tem legitimidade para fazer as mudanças radicais que tem feito na política científica, na política educacional, na saúde pública e em várias outras áreas. Então, isso é uma afirmação fundamental da SBPC para que a gente apresente à sociedade brasileira propostas políticas. Pelo artigo primeiro da Constituição brasileira, o poder emana do povo brasileiro. E o povo brasileiro tem que decidir os rumos do País. Então isso é uma coisa elementar - aparentemente não tanto aqui - em qualquer democracia digna desse nome.

Eu queria lembrar uma frase do José Reis: “Para ser forte a Ciência precisa ser livre” e usando o exemplo do Carlini - da liberdade de pesquisa, da liberdade da expressão e das liberdades democráticas do povo brasileiro e todas as suas dimensões. O Anísio Teixeira, um dos nossos grandes ex-presidentes, dizia que a “SBPC é um movimento de auto-organização da ciência brasileira”. Por isso, nós precisamos, nesse momento, estarmos mais articulados. A comunidade científica precisa se mover mais e ter uma participação mais intensa. Aquilo que Carlini dizia, que os nossos estudantes que estão estudando têm que fazer isso com afinco e têm que continuar a fazer. Mas isso não os absolve da importância de participação social, de responsabilidade social com o País. Então, é fundamental que a gente também faça esse movimento que está na história da SBPC.

Eu vou terminar chamando a atenção novamente para a importância disso que nós vamos apresentar durante o evento. Eu não vou relatar aqui todos os pontos, pois vários deles já foram levantados, mas, por exemplo: a Emenda Constitucional 95, que é um tiro nos dois pés e na cabeça da nação. É um absurdo que uma Emenda como essa permaneça cortando recurso para a educação, para Ciência e Tecnologia, para as políticas sociais nos direitos humanos e compromete uma nação. Então, a revogação da Emenda Constitucional 95 é um ponto essencial da nossa luta política nos próximos tempos. Para qualquer governo que venha, essa questão tem que ser colocada com firmeza.

Eu termino lembrando Maurício Rocha e Silva que dizia sobre o papel e a responsabilidade da SBPC que, segundo ele, “é uma das poucas instituições que manteve, durante as ditaduras, a cabeça erguida e a capacidade de ficar enfrentando as dificuldades que o País tinha”. E o José Leite Lopes, um dos nossos homenageados, que fez um discurso em 1963 na Reunião Anual da SBPC em Minas Gerais, em Poços de Caldas, que o título era “Ciência empobrecida, tecnologia de segunda classe”. Eu acrescentaria: desigualdade social elevada, soberania do País ameaçada. Isso nós não concordamos e a SBPC vai ser uma batalhadora permanente contra isso. E a comunidade científica brasileira, as sociedades científicas e todos nós temos de nos unir.

Eu acho que nós podemos e temos que ter as condições de estudar nas universidades públicas, de fazer nosso doutorado, de ter nossas bolsas de pesquisa do CNPq. Nós temos a obrigação ética, moral, social e política de trazer o quadro da situação brasileira para a população. O povo brasileiro tem o direito de decidir, mas nós temos a obrigação de oferecer propostas, de apontar caminhos alternativos ao processo de desmonte que nós estamos vivendo.

Muito obrigado!

 

 
 
 

 

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