Discurso da Presidente da SBPC Helena Bonciani Nader

Caros colegas, professores e estudantes,

Senhoras e senhores, meus amigos,

Aproveito este momento especial para compartilhar com vocês minha profunda gratidão por ter servido como Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.  A nossa SBPC, organização civil que mais prezo e admiro em nosso País, foi criada há quase 70 anos por cientistas brasileiros, para defender as demandas da Educação e da Ciência brasileiras. Minha atuação na Diretoria da SBPC completa 10 anos neste mês de julho, quando em 2007 assumi a vice-presidência na gestão do meu amigo, matemático e ex-ministro da CT&I, Marco Antonio Raupp.

Durante esses anos trabalhei ininterruptamente, 7 dias por semana, para atender a todas as demandas pelo País afora, sem deixar de lado a minha profissão de professora, pesquisadora e orientadora de jovens cientistas. Não medi esforços e sacrifiquei minha vida pessoal e social, sobretudo nos últimos 5 anos, para lutar pela educação, ciência, tecnologia e inovação em nosso País. A SBPC  também não se omitiu na defesa dos valores éticos e morais, dos direitos humanos e contra o obscurantismo que tem tomado corpo em nossa sociedade, inclusive como propostas de projetos de lei, tais como escola sem partido e o ensino do criacionismo. Espero ter honrado a história da nossa Instituição e os valores de nossos fundadores.

Nesse período interagi e trabalhei com diferentes agentes públicos e tomadores de decisão, com ministros dos diferentes governos, mantendo um diálogo franco e aberto sobre Educação, sobre Ciência, Tecnologia e Inovação como alicerces para a sociedade que todos queremos. É esta a SBPC que conheço e na qual acredito, suprapartidária na luta cotidiana pelo País, pela nação brasileira.

Esta reunião acontece graças ao trabalho, empenho e apoio de centenas de pessoas das diferentes entidades envolvidas. Assim, quero agradecer a todos pela presença, a começar pelas autoridades que nos honram por estarem aqui. Agradeço ao apoio de nossas agências de fomento, CAPES, CNPq, FINEP, Fapemig, Fapesp; aos Ministérios da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, e da Educação; à Fundação Conrado Wessel, ao Instituto Tecnológico Vale, entre outros.

Meu agradecimento especial ao reitor da Universidade Federal de Minas Gerais, professor Jaime Arturo Ramírez, em nome de quem agradeço a todos os professores, funcionários e estudantes da UFMG, pela parceria e apoio na realização desta nossa 69ª reunião anual.

Agradecimento especial aos membros da Diretoria – Ildeu, Vanderlan, Claudia, Paulo, Ana, Maíra, Colli e Aleixo, bem como aos funcionários da SBPC pela oportunidade do trabalho em equipe. Assim, em nome da Fernanda agradeço a todos os funcionários que trabalharam diuturnamente na gestão e na infraestrutura desta reunião. Ao Luiz Dionísio e equipe pela realização da EXPOT&C, e infraestrutura da SBPC Jovem. Em nome da Fabíola, a todos da comunicação voltados à divulgação e cobertura da reunião. A querida Nicinha, nossa chefe de gabinete, pela calma e tranquilidade com que resolve os problemas do dia a dia.

Meus agradecimentos mais do que especiais aos professores, estudantes e cidadãos de Belo Horizonte e região, que nos acolhem e vêm aqui nos prestigiar.

É nesse ambiente de elevado estímulo ao desenvolvimento e à democratização do conhecimento e dos saberes, que a SBPC realiza a sua 69ª Reunião Anual.

Essa é a oitava vez que o estado de Minas Gerais acolhe uma Reunião Anual da SBPC. A primeira foi em 1951, quando realizou-se a 3ª Reunião Anual, no antigo Instituto de Tecnologia Industrial de Belo Horizonte. Depois tivemos as reuniões de 1956, em Ouro Preto; de 1961, em Poços de Caldas; e as de 1965, 1975 e 1985, em Belo Horizonte. O tema da 37ª Reunião Anual, que aconteceu em julho de 1985, aqui na UFMG, foi “Começar de Novo”, quando celebramos o fim da ditadura militar. Depois, há 20 anos, em julho de 1997, tivemos aqui também a 49ª Reunião Anual da SBPC.

É, portanto para todos nós motivo de orgulho retornar a esta grande universidade, patrimônio da educação e CTI do nosso país, que figura entre as melhores universidades da América Latina, e que neste momento completa 90 anos de existência.

Acreditamos que o sucesso do evento está em grande parte garantido pelo comprometimento imprescindível demonstrado, desde o início, pela equipe organizadora local sob a coordenação da professora Sandra Goulart Almeida, vice-reitora da UFMG. Essa comissão atuou com eficiência e dedicação para garantir o sucesso e repercussão nacional deste evento.

Esta 69ª Reunião Anual teve início, na verdade, nos dias 6 e 7 de julho, no campus Montes Claros da UFMG, quando foi realizada a SBPC Educação, dedicada ao Ensino Básico, com a participação de mais de 600 professores de toda a região. Agradecemos o empenho de todos, em especial da secretária de Educação de Minas Gerais, a professora Macaé Maria Evaristo dos Santos.
A partir de 2014 passaram a integrar a reunião científica, com destaque, a SBPC Afro e Indígena, SBPC Inovação, e mais recentemente, a SBPC Cultura, além do Dia da Família na Ciência.

Além dessas novidades, teremos a tradicional programação científica sênior com um total de mais de 240 atividades, incluindo conferências, mesas-redondas, minicursos, encontros e sessões especiais e apresentação de pôsteres. Também a EXPOT&C, com uma mostra de ciência e tecnologia, a SBPC Jovem, e uma diversificada Programação Cultural. O tema central da reunião deste ano – Inovação, Diversidade, Transformações – está estreitamente ligado à realidade da UFMG e o momento que vivemos no Brasil.

A alegria deste momento não exclui a necessária visão crítica sobre o que acontece hoje no Brasil e no mundo. O último ano, desde que realizamos a Reunião Anual na Universidade Federal do Sul da Bahia, em Porto Seguro, foi excepcionalmente difícil para todos nós brasileiros. Mais um ano que deve entrar para a história como um período dramático na vida social, política e econômica do país, com a perda dos valores éticos e morais, que tanto transparece na intervenção entre os poderes executivo, legislativo e judiciário. Foi e está sendo difícil para todos, em especial para a educação e a ciência.

Quando olhamos para fora vemos um mundo onde, apesar de todos os avanços científicos e tecnológicos, apesar da globalização, que parecia ser a esperança de uma sociedade mais pacífica, interligada e tolerante, o que se vê são conflitos de toda ordem. Intolerância com a diversidade de gênero, raça e religião, violência urbana, diásporas e terrorismo. A intolerância com os imigrantes convive com o medo da fragilidade econômica, que produz o desemprego em larga escala em vários pontos do planeta. É muito difícil fazer julgamentos claros e uníssonos quando se tem sociedades tão divididas.

Infelizmente, continuamos a ver o mesmo ocorrendo no Brasil. Com outras cores, mas com consequências semelhantes. A crise política e a descoberta de um sistema organizado de corrupção no meio empresarial e político dividiu a sociedade de uma maneira negativa. Esse cenário em nada contribui com a busca por saídas que levem o país de volta ao crescimento, à educação universal e com qualidade, ao desenvolvimento científico e tecnológico, em prol de uma nação mais justa e inclusiva, que busca o bem estar de todos.

A SBPC tem uma longa trajetória de luta pela democracia e pela garantia do estado de direito. Foi assim que nos posicionamos firmemente contra a ditadura militar, quando professores, estudantes e cientistas estavam sendo perseguidos, torturados ou exilados do país.

Aliás, hoje devemos lembrar que há exatos 40 anos, a SBPC realizou na PUC, em São Paulo, a sua 39ª Reunião, em plena ditadura. O evento iria acontecer na Universidade Federal do Ceará, mas o governo proibiu. O físico Oscar Sala, presidente da SBPC e outros cientistas conseguiram, então, transferir o evento para a Universidade de São Paulo. Mas o governador também vetou. Enfim, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo abriu as portas para a sociedade. Foi Dom Paulo Evaristo Arns o responsável por permitir que os cientistas se reunissem no campus que, por ser considerado território do Vaticano, não poderia ser tomado pelos militares. Nossa homenagem ao querido Dom Paulo que nos deixou no ano passado.

Entendemos que o momento atual também requer posicionamento firme da SBPC.

Fomos protagonistas do movimento nacional de luta contra a fusão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, com o Ministério das Comunicações, movimento este que incluiu as universidades, os centros de pesquisa e demais sociedades científicas. A criação de um ministério dedicado a pensar e gerir a ciência brasileira remonta ao início da década de sessenta por iniciativa de um grupo de cientistas liderados pelo grande físico brasileiro Leite Lopes. O sonho se concretizou em 1985, há exatos 32 anos. Não podemos ter retrocessos, pois acreditamos que somente com ciência e tecnologia fortes, associadas à educação de qualidade poderemos conquistar o país que queremos - justo e igualitário, com forte desenvolvimento econômico, sustentável e social.

Por isto, no último dia 22 de abril, quando em todo o mundo se comemora o Dia Internacional da Terra, nos unimos ao movimento que tomou as ruas de mais de 600 cidades pelo planeta, a Marcha Pela Ciência. Iniciada nos Estados Unidos com o intuito de alertar a sociedade a respeito da importância do conhecimento científico, a Marcha aconteceu em 22 cidades brasileiras. Temos que falar contra o obscurantismo que assombra a Ciência em vários países, incluindo o Brasil. A SBPC tem lutado diariamente contra retrocessos na legislação que ameaçam o estado laico, a ciência e educação brasileira.

Nos últimos anos temos repetido que o financiamento à ciência, tecnologia e inovação permanece como uma das grandes preocupações da comunidade acadêmica e científica. Nossa luta continua pela reposição do orçamento pelo menos aos níveis do ano de 2013, já que não podemos pensar num estado soberano sem CT&I. É uma bandeira que tem sido constante na agenda da SBPC.

Assistimos à situação de penúria em que se encontram as Universidades Públicas Brasileiras, tanto Federais como Estaduais. Os cortes provocados pelo ajuste fiscal estão também atingindo os Estados da Federação, nos quais secretarias, antes dedicadas a CT&I, são anexadas a outras, ou simplesmente extintas. As Fundações de Amparo à Pesquisa igualmente sofrem cortes em seus orçamentos. Temos assim um conjunto de deficiências no nosso sistema educacional e científico, que precisa ser sanado com a urgência de uma fratura exposta. Devemos lutar para que o diálogo e o combate coerente voltem a prevalecer. Devemos sempre repetir o mantra: EDUCAÇÃO E CIÊNCIA SÃO INVESTIMENTOS E NÃO DESPESAS.

Em meio a estas preocupações e lutas, temos algumas conquistas a comemorar. Como exemplo destaco o Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, sancionado como Lei Federal no dia 11 de janeiro de 2016. A luta pela reinclusão na lei dos itens que foram vetados e que atrapalham e judicializam a prática da ciência, tecnologia e inovação, tem marcado o nosso posicionamento desde o início do ano passado. Alerto também para os potenciais riscos na regulamentação da lei, pois direitos garantidos pela EC85 e pela Lei 13.243/2016, podem ser retirados em função da falta de visão de alguns setores do Ministério do Planejamento.

A SBPC também participou ativamente na formulação, acompanhamento ou reivindicação de outras proposituras federais e estaduais. Destaques são a regulamentação da lei de acesso ao patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais associados. Infelizmente, a comunidade científica não foi ouvida pelo Ministério do Meio Ambiente, que de forma unilateral regulamentou a legislação, que terá impactos negativos para a ciência, a tecnologia e a inovação.
Com relação à educação básica, somos frontalmente contra todos os projetos que direta ou indiretamente preconizam a interferência do estado na sala de aula, pregam a intolerância e defendem teorias absurdas e anticientíficas, como o criacionismo. Foi este o grande alerta que fizemos durante a Marcha Pela Ciência, e que deve continuar como bandeira do movimento no Brasil e em todo o planeta.

Durante os anos em que estive à frente da SBPC foram muitas as lutas das quais participamos como protagonistas, e tomo a liberdade de relacionar aqui os principais processos nos quais nossa atuação foi preponderante.

- o financiamento da CT&I; o uso dos royalties do petróleo para a CT&I e a educação; o Código Florestal Brasileiro; a Lei da Biodiversidade; o Marco Legal da CT&I; o Plano Nacional da Educação; a Base Nacional Comum Curricular; o Marco Civil da Internet; a utilização de animais em atividades de ensino, pesquisas e testes laboratoriais; as cotas nas Universidades Federais; a titulação para acesso ao magistério superior; e a revalidação automática de diplomas, entre tantas outras.
Ao fechar estas palavras devo confessar que encerro esse período de minha vida com uma grande tristeza. Este sentimento é devido ao fato de que ainda não fomos capazes de convencer aos dirigentes dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento, de todos os últimos governos, de que Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação são investimentos, e não despesas.
Essa falta de visão de quem detêm as chaves dos cofres públicos, culminou com a aprovação da Emenda Constitucional 95, que ficou conhecida como emenda do teto dos gastos (ou a PEC do fim do mundo), aprovada ao final de 2016. Tudo indica que é necessário continuar lutando pela derrubada desta EC 95.

Deixo vocês com um trecho do escritor maior mineiro, João Guimarães Rosa, extraído de sua obra prima, “Grande Sertão Veredas”. Acredito que ele reflete muito de nossos dias no Brasil atual.

"O correr da vida embrulha tudo,
a vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem (...)
A vida inventa!
A gente principia as coisas,
no não saber por que,
e desde aí perde o poder de continuação
porque a vida é mutirão de todos,
por todos remexida e temperada.
O mais importante e bonito, do mundo, é isto:
que as pessoas não estão sempre iguais,
ainda não foram terminadas,
mas que elas vão sempre mudando.
Afinam ou desafinam. Verdade maior.
Viver é muito perigoso; e não é não.
Nem sei explicar estas coisas.
Um sentir é o do sentente, mas outro é do sentidor."

Na figura do “sentidor”, que somos todos nós, deixo aqui meus votos de esperança, desejando a todos uma excelente reunião.

Muito obrigada.