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Mario Tolentino |
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Agradeço a SBPC, e em especial minha amiga Helena Nader, Presidente dessa entidade, pela oportunidade de vir aqui prestar uma homenagem a pessoas que ajudaram criar os alicerces da Ciência no Brasil.
Vim aqui, especialmente para homenagear um homem, um verdadeiro mestre, um construtor de cientistas, um professor que sabia que a ciência é essencial à vida desse planeta. Vim para revelar aquilo que, HÁ SESSENTA ANOS, ele transmitia aos seus alunos adolescentes como eu era naquele tempo.
Mario Tolentino era um professor que compartilhava as ideias do astrofísico Carl Sagan para quem é fundamental ensinar ao jovem a admirar a natureza e a respeitar o trabalho do cientista. Propositadamente, coloquei um modesto professor de colégio que ensinava química numa cidadezinha perdida num minúsculo planeta de uma insignificante galáxia junto a um astrofísico de uma grande universidade americana que estudava o universo. Entretanto, ambos tinham uma coisa em comum: a percepção do infinitamente pequeno e do infinitamente grande. Percebiam isso tanto do ponto de vista pessoal como cósmico ou quântico.
Para ambos, disseminar as conquistas dos homens e explicar os mistérios da natureza e do universo - é essencial para a sobrevivência da espécie na Terra. É o que se espera de um professor e de um cientista. Essa missão impede que a ignorância e as crenças absurdas destruam aquilo que levou milhões de anos para ser construído.
Mario Tolentino foi a luz que iluminou a cabeça daqueles adolescentes ignorantes e os fez avançar três milênios em três anos. Suas aulas não eram uma serena introdução de conhecimentos. Eram impactos marcantes mostrando a luta do homem contra o obscurantismo e as superstições. Lembro-me, em uma de suas aulas como ele relatou a maneira amalucada de Paracelso - aquele médico e químico do século XVI – que refutou as práticas exotéricas utilizadas na medicina daquela época, queimando, em praça pública, livros de receitas de médicos famosos da antiguidade.
Incutiu a consciência ecológica em seus alunos, especialmente daqueles apaixonados pela natureza. Ensinou-nos a repudiar com veemência aqueles que por ignorância ou safadeza não se importam com a devastação da biodiversidade, com as alterações climáticas e com a desertificação da Terra. Tolentino não só ensinava química na sala de aula. Ele também nos levava no modesto laboratório do Instituto de Educação ou no do porão de sua casa. Muitas vezes ele saia conosco pelas cercanias de São Carlos para ensinar-nos geologia. Seus ensinamentos fariam inveja aos estudantes do ensino médio nos países do primeiro mundo até porque ensinava que todo conhecimento só teria sentido se estivesse inserido na cultura dos povos. Ensinava que todo conhecimento acumulado nos últimos milênios não caíra do céu, mas resultava do esforço intelectual, entrelaçado no contexto histórico criado por filósofos, alquimistas e cientistas, desde a Grécia antiga até os do mundo contemporâneo. Ensinava tudo isso com a graça de quem fazia questão de se apresentar vestido com terno de casimira inglesa e gravata borboleta, exalando seu inesquecível charme. Isso tudo fazia com que seus alunos saboreassem cada um dos 50 minutos de suas aulas. Não era só a forma elegante e encantadora de sua figura, mas era a alegria de compartilhar conosco os problemas sociais, políticos, futebolísticos, intrigas e fofocas de São Carlos e do Brasil daquela época.
Não eram somente os futuros cientistas que foram influenciados por ele. Os não-cientistas também eram igualmente fascinados pelo brilho intelectual e pessoal do mestre Tolentino.
Para terminar, quero dizer que o professor Mario Tolentino mostrou aos seus jovens alunos que SE QUIZERMOS SER RESPEITADOS TEMOS QUE ACREDITAR NOS PRINCÍPIOS QUE ALICERÇAM A CIENCIA. NÃO PODERMOS NOS DEIXAR CONDUZIR PELA MEDIOCRIDADE POLÍTICA QUE DEVASTA NOSSO PAÍS E QUE NOS CONDENA AO ETERNO SUBDESENVOLVIMENTO. PARA ISSO TEMOS que SUBSTITUIR A CONDUTA DO POLITICAMENTE CORRETO PELA CULTURA DO CIENTIFICAMENTE CORRETO QUE SIGNIFICA NÃO NOS TORNARMOS MASSA DE MANOBRA DOS POLÍTICOS QUE HOJE NOS DIRIJEM. NÃO ESTAMOS MAIS NO TEMPO DE GALILEU, GIORDANO BRUNO OU DE GARASTAZU MEDICI QUE O CIENTISTA TINHA QUE SUPORTAR A MISTIFICAÇÃO DA REALIDADE.
São Carlos, 12/07/2015.
Antonio Carlos Martins de Camargo
USP / Instituto Butantan
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