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Luiz Hildebrando Pereira da Silva |
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Um cientista comunista ou um comunista cientista? É difícil definir o primórdio de Luiz Hildebrando Pereira da Silva em sua longa militância por causas que tinham como objetivo proporcionar melhores condições de vida para populações que, não bastassem as dificuldades inerentes às condições geoeconômicas, ainda tinham que conviver com o parasita da malária, um inimigo tão invisível quanto poderoso.
Pode soar extemporâneo falar sobre comunismo e comunistas, mas quando se tem pela frente a trajetória, as ideias e os ideais de Luiz Hildebrando, seria uma infidelidade à sua história não lembrar das convicções individuais e das preocupações sociais do homem de esquerda que sempre foi.
Já um septuagenário, mas como se fosse um jovem sonhador, Hildebrando incluiu entre seus projetos em Rondônia, trabalhar junto à população ribeirinha de Porto Chuelo, um vilarejo com cerca de 70 famílias às margens do Rio Madeira, nas proximidades da capital Porto Velho. Além dos programas de saúde, trabalhava para que as famílias se organizassem comunitariamente e, com isso, ganhassem força para reivindicar ao poder público melhorias para o povoado; e que trabalhasse cooperativamente, de modo a conseguir melhores condições de mercado para sua produção de farinha de mandioca e de pescado.
O trabalho de Hildebrando em Porto Chuelo, que ele narra com detalhes em seu livro “Crônicas subversivas de um cientista”, é uma porta aberta e iluminada para adentrarmos na vida científica de nosso homenageado e certamente entender as razões de sua trajetória longa, incansável e repleta de contribuições à ciência, especialmente em áreas da saúde.
Hildebrando nasceu em Santos, em 16 de setembro de 1928, filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro aos 16 anos e formou-se em Medicina, pela Universidade de São Paulo, aos 24 anos. Em 1954, com 25 anos de idade, iniciou um périplo que só terminaria seis décadas depois, em 26 de setembro de 2014, quando, recém completados 86 anos, nos deixou. Era casado com Cécile, com quem teve cinco filhos.
Já em 1954, Hildebrando passou a trabalhar com seu ex-professor Samuel Pessoa, parasitologista inconformado com as péssimas condições de saúde do povo brasileiro. Junto com Samuel Pessoa, Hildebrando foi para a Paraíba, conhecer a precariedade do sertão e participar da organização do Laboratório de Parasitologia e do ensino da disciplina na nova Faculdade de Medicina instalada na capital do Estado. Voltou a São Paulo em 1956, como assistente de Parasitologia na Faculdade de Medicina da USP.
Depois de 1960, quando obteve a livre docência em Parasitologia, viajou como bolsista do CNPq para Bruxelas, onde se dedicou à genética molecular. Em 1962 e 1963, já em Paris, trabalhou no Instituto Pasteur com François Jacob, que veio a ganhar o Prêmio Nobel de Medicina de 1965.
Voltando ao Brasil em fins de 1963, Hildebrando organizou com Erney Plessman de Camargo o laboratório de genética de protozoários da Faculdade de Medicina da USP.
No ano seguinte, contudo, a caminhada científica de Hildebrando sofreu um baque. Sua militância de esquerda, como membro do Partido Comunista Brasileiro, motivou sua prisão pelo regime ditatorial recém estabelecido no país. Com base no Ato Institucional número 1, Hildebrando foi processado e demitido da USP.
Voltou ao Instituto Pasteur, onde em colaboração com Eisen, descreveu o gene responsável pela regulação da expressão do repressor de um vírus que infecta bactérias.
Retornou ao Brasil em 1967, e no ano seguinte, tornou-se professor no Departamento de Genética da USP em Ribeirão Preto, onde foi parceiro de Warwick Kerr, ex-presidente e presidente de honra da SBPC.
Se Hildebrando era um militante incansável, a ditadura militar era um algoz inclemente. Em 1969 ele foi novamente demitido da USP, dessa vez pelo Ato Institucional nº 5.
Voltou ao Instituto Pasteur, dessa vez para permanecer até a aposentadoria. Além de professor, foi diretor de Unidades deste importante centro mundial de ciência, onde se tornou um expoente mundial na pesquisa sobre malária.
Quando se aposentou, em 1997, fez o caminho de volta – não rumo a São Paulo, mas sim na direção de Porto Velho, em Rondônia.
Na sua chegada, integrou o Centro de Pesquisa em Medicina Tropical de Rondônia. Logo depois, criou em Porto Velho o Instituto de Pesquisas em Patologias Tropicais (Ipepatro), hoje uma unidade da Fiocruz. Pela qualidade de seus recursos humanos, de seus equipamentos e de suas pesquisas, o Ipepatro pode ser definido como um laboratório do Instituto Pasteur incrustrado na Amazônia.
Assim, perto dos 70 anos de idade, Hildebrando trocou as margens do Rio Sena pelas margens do Rio Madeira por razões mais do que justificáveis para o comunista-cientista ou para o cientista-comunista: mesmo com apenas 10% da população da região Norte, o estado de Rondônia abrigava 40% dos casos de malária no Brasil.
Professor emérito da Faculdade de Medicina da USP e da Universidade Federal de Rondônia; pesquisador emérito do CNPq; professor honorário do Instituto Pasteur; medalha Unesco-Pasteur; prêmios Péter Murany e Conrado Wessel, entre tantos outros.
Luiz Hildebrando Pereira da Silva a pessoa que viveu pelo coletivo e que como cientista soube criar, soube liderar e soube transferir conhecimento. Hildebrando será sempre reconhecido por suas instituições.
São Carlos, 12/07/2015.
Helena Bonciani Nader
Presidente da SBPC
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Texto proferido pelo Professor José Antonio Aleixo
da Silva, 2º Tesoureiro da SBPC. |
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