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Leopoldo de Meis |
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Leopoldo de Meis nos deixou um legado amplo, nos campos da ciência, dos indicadores de ciência e tecnologia, bem como de educação e divulgação científica. Foi, portanto, um cientista que poderíamos chamar de “amplo espectro”, ou, mais ainda, de um cientista completo. Ele contribuiu com a ciência em si, com a definição de políticas científicas e com o estímulo para que pessoas leigas tomassem gosto pela ciência.
O bom-humor era outra marca de Leopoldo, que ele utilizava para explicar sua mudança de rumo profissional. Entrou no curso de Medicina, na Federal do Rio, com a perspectiva de ser cirurgião. Contudo, dizia ele, no segundo ano do curso, “após instrumentar e auxiliar em diversas cirurgias, comecei a sentir sono”. Passou, então, a frequentar as enfermarias de clínicas. “No início - dizia Leopoldo - era muito interessante e achava ter encontrado a vocação de minha vida. Após dois anos, voltou a sonolência”.
Leopoldo de Meis encontrou, enfim, sua vocação para a bioquímica estimulado por Walter Oswaldo Cruz, seu professor e primeiro mestre na condução de sua vida científica, naqueles idos quando Walter Cruz reunia no Instituto Oswaldo Cruz um grupo entusiasmado de jovens estudantes de medicina que se dedicavam a experimentação e discussão de ciência. Estes jovens encontravam na SBPC o ambiente adequado para expor seus resultados, e durante toda a sua trajetória científica continuaram a contribuir com a nossa sociedade.
Nascido no Egito, em 1º de março de 1938, e criado em Nápoles, na Itália, até os 9 anos, quando seu pai, um violoncelista, decidi mudar para o Rio de Janeiro em busca de melhores condições de vida no pós-guerra. Ele nos deixou no dia 7 de dezembro do ano passado, aos 76 anos de idade.
Formado em Medicina aos 24 anos, passou 18 meses nos Estados Unidos, no National Institute of Health, trabalhando no laboratório dos Professores Celia e Herbert Tabor, que estudavam o metabolismo das poliaminas, moléculas reguladoras do desenvolvimento presentes em plantas, animais e microrganismos, linha de pesquisa que os projetou internacionalmente.
O golpe militar de março de 1964 bateu às portas de Leopoldo. Um mês após seu retorno dos Estados Unidos, ele foi chamado para um interrogatório na Marinha e indagado se sabia de reuniões comunistas mantidas no departamento de Walter Oswaldo Cruz às quartas-feiras. Leopoldo informou que as reuniões eram para a discussão de trabalhos científicos. O oficial sugeriu que lesse um relatório feito pelo novo diretor do Instituto Oswaldo Cruz, o médico Rocha Lagoa, repleto de acusações infundadas contra cientistas, em especial Walter Cruz.
Essa progressiva deterioração do ambiente no Instituto, que resultou em um grande expurgo de eminentes cientistas como Walter Cruz, Herman Lent, Haity Moussatché, Fernando Ubatuba entre outros pelo então ministro da Saúde, Raimundo de Brito, levou Leopoldo a se transferir para o Instituto de Biofísica da UFRJ, dirigido na época por Carlos Chagas Filho, cujo renome e habilidade diplomática protegeram o ambiente acadêmico da ingerência militar. Foi nessa época que Leopoldo conheceu a geóloga Regina, com quem se casaria e teria quatro filhos, “minhas melhores contribuições à biologia”, como ele gostava de dizer.
Em agosto de 1969 Leopoldo foi procurado pelo então presidente da Academia Brasileira de Ciências, Aristides Pacheco Leão, que sugeriu Leopoldo deixasse o país, pois soubera que ele e a mulher poderiam ser presos pelo governo militar. Optaram por passar uma temporada em Heidelberg, na Alemanha, onde Leopoldo trabalhou com Hasselbach em uma unidade do Instituto Max Planck.
Leopoldo De Meis publicou centenas de artigos sobre como a energia é produzida e transformada dentro das células, a Bioenergética. Seus estudos sobre o papel de espermina e espermidina no relaxamento muscular, levaram aos questionamentos sobre o transporte de cálcio nas células.
Em 1987, começou a se envolver com novas atividades. Uma delas foi a cientometria, dedicada a mensuração e quantificação do progresso científico, com base em indicadores bibliométricos. Com isso, tornou-se um dos primeiros pesquisadores a medir o impacto da produção científica nacional. Em 1996, ele e Jacqueline Leta, professora da UFRJ, publicaram o livro “O perfil da ciência brasileira”, uma análise da produção científica do país que discute seu impacto, qualidade e distribuição regional.
O pesquisador desenvolveu também um interesse perene pelo ensino de ciências nas escolas. O início do processo foi um curso experimental para jovens estudantes que Leopoldo organizou nas férias de verão, em 1987. Os resultados foram tão animadores que o curso foi ampliado para vários grupos de alunos, selecionados preferencialmente em escolas públicas. Os alunos que se destacavam no curso, assim como alguns de seus professores de escolas públicas, eram convidados para estagiar no laboratório.
A atividade com os estudantes mostrou-lhe a necessidade de produzir material didático atraente para o ensino de ciências. Em parceria com o cartunista Diucênio Rangel, preparou livros ilustrados, entre eles “O método científico”, que ganhou versão teatral na qual o próprio Leopoldo atuou. Passou também a fazer filmes animados, como “A evolução do conhecimento”, “A Mitocôndria em três atos” e “Luz, Trevas e o Método Científico - Guerreiros Valentes do Impensável”.
Diante de uma atuação tão ampla e competente, prêmios também não faltaram a Leopoldo de Meis. Foram mais de vinte, entre os recebidos no Brasil e no exterior, entre eles Prêmio LAFI, Prêmio Ciências da Fundação Conrado Wessel, Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico da Presidência da República do Brasil, Prêmio de Química da The World Academy of Sciences.
Não poderia faltar também, por parte da SBPC, essa lembrança, essa homenagem e esse agradecimento a Leopoldo de Meis pela sua contribuição diversificada, criativa e intensa e à ciência brasileira e universal.
Pedimos a sua esposa, a Profa. Dra. Vivian Runjanek, cientista e companheira de jornada que receba esta singela homenagem da SBPC.
São Carlos, 12/07/2015.
Helena Bonciani Nader
Presidente da SBPC
Texto proferido pela Professora
Claudia Masini d'Avila-Levy,
Secretária-Geral da SBPC.
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