66ª Reunião Anual da SBPC
Resumo aceito para apresentação na 66ª Reunião Anual da SBPC pela(o):
SBPC - SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA
H. Artes, Letras e Lingüística - 1. Artes ou Educação Artística - 1. Artes ou Educação Artística
PAULICEIA AUDIOVISUAL: OLHARES PARTICULARES SOBRE UMA CIDADE MULTIFACETADA
Heloísa Pimentel Ravache - Centro Universitário SENAC
INTRODUÇÃO:
Mariângela Paraizo, em “Nossa selva de pedra”, investiga como se dá a construção conceitual do espaço urbano, no qual o local físico (urbe), ao englobar o político (polis), ramifica seu discurso. Também aborda a relação conflituosa entre o espaço e o elemento humano que o ocupa, na qual ambos disputam uma preponderância. O processo de se ultrapassar a condição de ocupante para se legitimar como habitante encontra paralelos com “A perambulação”, de Marta Nehring. Já em “Plano em grande-angular de uma São Paulo fugidia”, Rubens Machado Jr defende que os retratos audiovisuais compõem um mosaico inestimável dos eventos culturais e históricos de São Paulo, mas também aponta para a falta de repercussão destes filmes no imaginário do público, devido à cultura paulistana de antepor o progresso e à falta de um rumo unificador das produções pós-Retomada. Aqui são elencadas várias questões: como se dá a perambulação pelo território da cidade, qual é a relação entre o paulistano e seu habitat e se é possível apontar para a formação de uma memória audiovisual mais consolidada. Assim se realizou a análise comparativa entre Urbania e A Via Láctea, levando em conta as diferentes nuances narrativas às quais as características da cidade estão submetidas em cada obra.
OBJETIVO DO TRABALHO:
Analisar os filmes A Via Láctea e Urbania, identificando de que forma São Paulo é representada, com ênfase para situações em que é retratada não apenas como cenário, mas também como personagem. Investigar sua psique e suas constantes mudanças temporais, espaciais e sociais. Buscar algum elemento específico que a diferencie e a torne imediatamente reconhecível em suas representações audiovisuais.
MÉTODOS:
Para apoiar a escolha dos filmes, foi feito um levantamento da produção paulistana pós-Retomada, com a finalidade de identificar elementos convergentes entre as obras. Como fontes de pesquisa, foram utilizados o livro "O cinema da retomada: depoimentos de 90 cineastas dos anos 90" de Lucia Nagib, o acervo de dados online da Cinemateca Brasileira, a O.C.A. (da Ancine) e o site Filme B. O resultado é uma lista contendo cerca de 100 títulos, de 1993 a 2012, incluindo somente produções cinematográficas ou televisivas não seriadas, de média e longa metragem. Destes, Motoboys Vida Louca, O Invasor, Terra Estrangeira, Durval Discos, Os 12 Trabalhos, De Passagem, Jogo Subterrâneo, Urbania e A Via Láctea foram assistidos, sendo que os dois últimos se destacaram devido às semelhanças temática e de abordagem.
A seguir, realizou-se um levantamento bibliográfico sobre São Paulo, sobre o cinema pós-Retomada e sobre a influência da representação audiovisual no desenvolvimento de identidades culturais. Apesar de todos os textos influenciarem os rumos da pesquisa em algum nível, aqueles de autoria de Rubens Machado Jr., Mariângela Paraizo e Marta Moraes Nehring configuram referenciais mais diretos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
Em Urbania, o paulistano Seu Edmundo abandonou sua amada e fugiu da cidade entre os anos 50 e 60. Várias décadas depois, cego, ele retorna a São Paulo com seu carro guiado por um motorista para reviver as lembranças que deixou para trás. Apesar de se deparar com uma cidade conflitante com a de sua memória, ele utiliza a cegueira para defender-se das influências externas e manter suas convicções intactas.
Em A Via Láctea, após brigar com a namorada por telefone, o protagonista Heitor atravessa o trânsito de São Paulo até a casa dela, para que façam as pazes. A narrativa, ao invés de se guiar por um tradicional encadeamento lógico, privilegia uma construção baseada nos vínculos mentais do próprio protagonista, que confunde o real, o mnemônico, o possível e o onírico.
Assim se iniciou a análise comparativa entre as duas obras, observando como, em cada caso, se projetam os olhares sobre a cidade. Em Urbania, o filme evidencia, esteticamente, as discrepâncias entre o passado e o presente. Já A Via Láctea, embora apresente uma visão mais fluente e coesa, também trabalha com uma cidade labiríntica. Enquanto isso, ao se investigar a relação entre o objetivo de realização amorosa perante a iminência de morte, percebe-se que São Paulo forma um espaço tanto de antagonismo quanto de resistência para os dois protagonistas. Também foram analisados outros aspectos: como os personagens, sobretudo os secundários, transferem as cargas sociais a eles atribuídas através da perambulação pelo território, quão móveis são as fronteiras entre ficção e documentário em cada filme e como as diversas referências artísticas, gráficas e tecnológicas corroboram o aspecto multimidiático de São Paulo. A característica mais notável da metrópole é a sua predominância quase absoluta sobre a autonomia das personagens em relação a seus próprios destinos. Os espaços, mais do que relacionamentos, intervêm ativamente na narrativa, gerando diálogos entre si mesmos, indivíduos e sociedade.
CONCLUSÕES:
Embora ocasionalmente despontem semelhanças, não há um elemento unificador a todas as obras, a não ser a produção paulistana e de mesma época. Inclusive em Urbania ou A Via Láctea, os dramas e conflitos psicológicos contêm uma pluralidade de significações. Até mesmo a escolha de cada cineasta em representar a cidade por um viés subjetivo, frequentemente realizado pela predominância de um olhar partindo de dentro de um carro, por exemplo, interfere na demonstração sobre como se dão as relações temporais e espaciais em São Paulo. Assim, da mesma forma que a cidade apresenta várias facetas para quem a vivencia, ambas as obras, por conseguinte, indiretamente assumem suas construções e apontam para o a possibilidade de muitas outras interpretações que São Paulo propicia sobre si mesma.
Palavras-chave: São Paulo, Cinema, Retomada.