66ª Reunião Anual da SBPC
Resumo aceito para apresentação na 66ª Reunião Anual da SBPC pela(o):
ABPMC - Ass. Bras. de Psicoterapia e Medicina Comportamental
G. Ciências Humanas - 8. Psicologia - 1. Psicologia
RELAÇÕES ÉTNICO/RACIAIS E RACISMO NO COTIDIANO DE TRABALHO DE PSICÓLOGOS DE SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
Alessandro de Oliveira dos Santos - Instituto de Psicologia USP
Rodolfo Luis Almeida Maia - Instituto de Psicologia USP
INTRODUÇÃO:
Diversas ciências como a História, Demografia, Saúde Coletiva, tem mostrado a relevância da raça/etnia como determinante social importante para compreensão das desigualdades persistentes no Brasil e da vulnerabilidade social de indivíduos e coletividades. A raça/etnia é um constructo sociológico, que faz sentido em um contexto histórico e no corpo de uma teoria, visto que não é possível definir geneticamente diferentes raças humanas. Ao lado de gênero e classe social, raça/etnia é uma categoria que constitui, diferencia, hierarquiza e localiza os sujeitos em sociedade. Trata-se de uma construção social cujo racismo é a ideologia resultante, e segundo a qual existem raças/etnias puras superiores umas as outras, com características genéticas transmitidas hereditariamente e que determinam e são reconhecidas através da cor da pele, traços de inteligência e caráter, manifestações culturais. O racismo produz preconceito e discriminação favorecendo violação de direitos e ampliação dos contextos de vulnerabilidade social. Historicamente a assistência social se caracteriza pelo atendimento de populações em contextos de vulnerabilidade, sendo um campo importante de trabalho para os psicólogos que podem atuar em serviços de baixa, média e alta complexidade.
OBJETIVO DO TRABALHO:
O presente estudo investigou a perspectiva de psicólogos que trabalham em serviços de assistência social sobre as relações étnico/raciais no Brasil. Buscou-se descrever a concepção e atuação destes profissionais a fim de analisar como a raça/etnia e o racismo são percebidos e como emergem e são tratados no cotidiano de trabalho desses profissionais.
MÉTODOS:
Estudo de caráter qualitativo descritivo realizado com base na análise de conteúdo de entrevistas com psicólogos do município de São Paulo que atuam em serviços de assistência social. Foram entrevistados sete psicólogos, cinco mulheres (sendo uma negra) e dois homens (sendo um branco e um negro). A amostra foi composta de dois psicólogos de um CRAS da zona leste do município (serviço de baixa complexidade); três psicólogos de CREAS da região central (serviço de média complexidade); e dois psicólogos de um Instituto de Longa Permanência de Idosos (ILPI) da zona norte (serviço de alta complexidade). As entrevistas foram realizadas no ambiente de trabalho, sendo gravadas e transcritas literalmente. As perguntas do roteiro produziram informações sobre a concepção dos entrevistados acerca das relações étnico/raciais no Brasil e se o tema havia sido abordado durante a graduação; também permitiram levantar cenas de preconceito e discriminação racial no ambiente de trabalho. A análise de conteúdo considerou a presença ou ausência de uma dada característica de conteúdo ou conjunto de características num determinado fragmento da narrativa dos entrevistados, mas também as condições contextuais de produção da narrativa.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
Três entrevistados afirmaram ter discutido superficialmente o tema das relações étnico/raciais durante a graduação. Para um deles o tema foi pouco trabalhado por gerar incômodo, já que havia maioria de alunos brancos. Os entrevistados mostraram pouco conhecimento sobre os aspectos históricos e sociais das relações étnico/raciais no país, bem como sobre os efeitos psicossociais do racismo. Dentre os entrevistados, quatro negaram ter lidado com preconceito ou discriminação racial, seja pessoalmente ou em relação à população atendida no serviço, sendo que três comentaram que essa ausência pode indicar que a demanda não esta sendo percebida. Os entrevistados autoclassificados brancos não se perceberam como racializados, atribuindo raça/etnia apenas aos outros grupos (negros em especial). A maioria dos entrevistados tem uma concepção de que é prejudicial considerar a raça/etnia dos usuários dos serviços, exemplificado pela narrativa: “Na assistência social nos isentamos de qualquer tipo de preconceito ou julgamento, então não há qualquer diferença”. As narrativas a seguir mostram as cenas de preconceito e discriminação racial testemunhadas pelos entrevistados nos serviços: “Tem uma idosa, ela tem problema psiquiátrico, ela é bastante preconceituosa. Então ela briga muito com o [profissional negro] e fala: ‘Esse negro maldito! Eu não quero saber dele!’”; “(...) uma pessoa com deficiência. Mesmo diagnóstico de uma síndrome: um loiro e um negro. E o tratamento dispensado aos dois completamente... a pessoa que fazia a avaliação defendia que o negro tinha menor potencial, e na origem da história, era sabido, através da antropologia, que os negros tinham um cérebro menor, menor potencial de desenvolvimento”; “Eu [psicólogo negro] cheguei no portão da instituição e não fui questionado de quem eu era (...). Eu fui orientado a buscar o CAAD que eles iriam me encaminhar para o centro de acolhida. E neste momento eu me identifiquei, que eu não era mendigo, eu era técnico”.
CONCLUSÕES:
A amostra entrevistada indicou que há pouca consideração da raça/etnia como determinante social produtor de vulnerabilidade. Isso ocorre pela ausência de abordagem profunda do tema na graduação em psicologia tornando mais difícil reconhecer sua relevância; e traz implicações para atuação do psicólogo nos serviços, exemplificadas pelas cenas de preconceito e discriminação ocorridas no cotidiano de trabalho e sua falta de resolutividade. A atitude dos profissionais é fundamental para sustentação e reprodução ou não do racismo nos serviços e pode ser identificado em comportamentos que resultam em preconceito e discriminação por ignorância, falta de atenção e negligência. As relações étnico/raciais são um tema importante para o psicólogo, que deve lidar com sua racialidade já que ainda temos uma maioria de psicólogos brancos; e com o fato da raça/etnia ainda ser importante na decisão de contratação de funcionários e nas formas de acesso e tratamentos aos serviços prestados a população.
Palavras-chave: Relações Étnico/Raciais, Profissão de Psicólogo, Assistência Social.