H. Artes, Letras e Lingüística - 2. Letras - 4. Línguas Indígenas |
|
UMA EXPERIÊNCIA DE LETRAMENTO EM LÍNGUA MATERNA COM OS AWA-GUAJÁ |
|
Rosana de Jesus Diniz Santos 1 Maria Madalena Borges 1
|
|
1. Conselho Indigenista Missionário - CIMI
|
|
INTRODUÇÃO: |
O trabalho apresenta a experiência destacando a aquisição e o uso da escrita pelos Awa, dos textos gerados no processo, da elaboração e implantação de ortografia da língua. A experiência teve inicio através do pedido dos indígenas em “aprender o português” para entender e serem compreendidos no contexto de contato em que se encontravam, permitindo um processo de discussão e construção com as comunidades de uma experiência que se aproximasse, ao máximo, da pedagogia tradicional do povo, das suas especificidades sócioculturais e linguísticas, conforme legislação vigente (CF, Art. 231, 232, LDB, Art. 78 e 79 e etc.) demonstrando que experiências com essas características, além de pouco numerosas, são exitosas e necessitam ser divulgadas, valorizadas e reconhecidas. O povo Awa-Guajá é uma sociedade de caçadores e coletores. A língua pertence ao Tupi-Guarani. O relato tem lugar nas aldeias Awá e Tiracambu, na Terra Indígena Caru/MA, e é parte de um Projeto de Formação e Educação Bilíngue e Intercultural pelo Conselho Indigenista Missionário. |
|
METODOLOGIA: |
A experiência se orientou pelo documento ‘Projeto de Alfabetização dos Índios Guajá’(1999) e referenciada em Freire (1979/1987), Meliá (1979/2008), Lemle (1998), Carvalho (1999) e Soares (2003). O português oral foi usado como língua de instrução e a materna no processo de letramento. A aquisição e uso da escrita foram orientados por meio dos temas geradores escolhidos no contexto sociocultural do povo, que originaram as produções textuais coletivas, permitindo trabalhar a sentenciação e as dimensões semântica e fonográfica. Para a escrita foi elaborada uma proposta ortográfica da língua em conjunto entre as educadoras, a assessoria linguista e os Awa, por meio de estudos e reflexões da língua, de material coletado por meio de narrativas espontâneas e direcionadas, que era transcrito e registrado em diários de campo e relatórios. Além do espaço ‘escola’, ‘casa do papel’ ou ‘casa de conversa’, na concepção Awa, os procedimentos se passaram em diferentes ambientes de vivencia e trabalho. Foram utilizados gravadores e máquinas filmadoras, material didático industrial e materiais locais. A concepção do tempo Awa e a organização própria foram norteadores importantes para a experiência. |
|
RESULTADOS: |
O processo, além de criar, favoreceu fazer uso social da escrita adquirida nas demandas do povo na defesa e proteção da terra, na melhoria da saúde e da assistência, sendo produzidas cartas e documentos denúncia aos órgãos públicos. Cerca de uma centena de textos de tipologias e finalidades variadas foram produzidos, demonstrando ser o letramento um elemento político importante na autonomia e no protagonismo do povo. Os textos culturais foram os que melhor retrataram a interdisciplinaridade dos saberes próprios favorecendo a interculturalidade do conhecimento. Outro ganho foi à contribuição para o fortalecimento e valorização da língua materna no letramento do povo, no registro da própria história e sobre o estudo da língua; além das reflexões dos Awa, fundamentais na percepção das diferenças linguísticas existentes e consideradas na liberdade de grafar. A instauração da escrita alfabética Awa levou em conta a ortografia convencionada de outras línguas Tupi com tradição de escrita, sendo identificados 24 grafemas, sendo 6 vogais orais e nasais e 12 consoantes. 13 jovens Awa concluíram o processo de letramento como coautores de sua ortografia em sua primeira experiência de ‘escola’. Dois livros didáticos foram produzidos, além de outros materiais. |
|
CONCLUSÃO: |
Concluímos que o letramento entre os Awa foi um processo salutar e possível dentro do respeito ao especifico do povo. Foi uma experiência de letramento possível fora dos processos de escolarização; sendo necessário o reconhecimento pelo Estado. Considerou o letramento do povo sobre o seu próprio mundo, assim a introdução da leitura e escrita foi tomada pelos Awa, sobretudo, como um espaço de diálogo e de construção coletiva e, principalmente, de valorização da própria cultura. Sempre se esteve atento para que a perspectiva Awa de educação indígena própria não fosse modificada sobremaneira, e sim complementada, tornando-se a escrita uma inovação coerente. Também pela escrita se conheceu a Visão do povo e seu lugar no Mundo. A variação linguística está relacionada à origem dos diferentes grupos familiares, quase extintos, afixados em uma mesma aldeia quando do contato pela Funai. O papel da linguista foi de garantir aos Awa e às educadoras, as condições necessárias para que melhor pudessem decidir e realizar as condições de escrita. À medida em que os Awa forem ampliando o domínio da relação fonologia e escrita e também diante das mudanças que passam a cultura e a língua poderão ir aprimorando sua ortografia. |
|
|
Palavras-chave: povo indígena Awa-Guajá, letramento, interculturalidade. |