64ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 7. Educação - 15. Formação de Professores (Inicial e Contínua)
A QUÍMICA DO CABELO DE AFRODESCENDENTES COMO TEMA GERADOR DE CONHECIMENTO EM AULAS DO ENSINO MÉDIO: CIÊNCIA E CULTURA PARA O ENFRENTAMENTO DA POBREZA
Maria Luciana Trindade de Sousa 1, 3
Juliana Alves de Araújo Bottechia 1, 2
1. Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal /SEEDF
2. Escola de Aperfeiçoamento dos Profissionais de Educação/ EAPE
3. Universidade Estadual de Goiás, Química da Unidade Universitária de Formosa.
INTRODUÇÃO:
A SEEDF tem em sua estrutura a EAPE para aperfeiçoamento profissional de efetivos e/ou temporários. O curso de Química em 2011, tinha a proposta de construir projetos interventivos (PI) a partir de diagnósticos dos cursistas para superar obstáculos pedagógicos. Sendo a partir de cada realidade, os PI eram individuais e, neste caso, a cursista trabalhava com turmas do primeiro ano de ensino médio. Sua percepção da dificuldade dos alunos em compreender assuntos relacionados a transformações químicas levou à construção de um PI considerando o perfil dos alunos de suas turmas. Foram desvelados preconceitos com a maioria afrodescendente, inclusive entre eles mesmos: conseguiriam ser felizes sem custear um alisamento químico comercial? Foi necessário haver interação entre o perfil, as teorias educacionais, as práticas de ensino da cursista e o livro didático adotado a fim de desenvolver a atividade didática.
METODOLOGIA:
Realizado a partir do objetivo da EAPE de contribuir com uma educação de qualidade social a fim de formar cidadãos críticos e participativos, no curso de Ensino de Química para a Educação Básica (2011), recorreu-se a Santos (2003), para quem o “papel fundamental do professor é auxiliar na construção da sociedade democrática, em que a química esteja a serviço do homem e não da dominação imposta pelos sistemas econômicos e políticos (...) é necessário que não tenhamos a resistência de transformar a química da sala de aula em instrumento de conscientização, com o qual se trabalha não só os conceitos químicos fundamentais para a nossa existência, mas também os aspectos éticos, morais e sociais, econômicos e ambientais a eles relacionados” (SANTOS, 2003, p.131). A partir do diagnóstico das turmas dos cursistas para descobrir obstáculos pedagógicos na perspectiva de Bacellar (1996) e neste caso, com um questionário a cursista levantou o perfil dos seus alunos e o tema gerador do PI. Questões sobre aparência, auto-estima e meios para sentir-se satisfeitos levaram a associar saberes tradicionais da comunidade no trato de cabelos-afro em contraposição a alisamentos químicos comerciais, contribuindo com uma consciência crítica-científica dos estudantes no enfrentamento da pobreza cultural.
RESULTADOS:
Foram 38 respondentes (10 alunos e 28 alunas) e revelaram baixo poder aquisitivo da turma: as próprias mães, mesmo sem conhecer os riscos físicos e/ou psicológicos utilizam amônia, hidróxidos de sódio, de lítio, de potássio e até formol (30% o usaram ilegalmente), entre outros produtos químicos (apesar de baratos, são produtos perigosos).
Como as famílias discriminam, a maioria queria ter o cabelo ondulado ou liso e apenas um gosta do crespo. Dos preconceitos segundo Gomes (2008, p.124), o pior é o “processo tenso e conflituoso de rejeição/aceitação do ser negro, construído social e historicamente e permeia a vida desse sujeito em todos os seus ciclos de desenvolvimento humano: infância, adolescência, juventude e vida adulta”.
A negação da herança genética é motivo para fazer transformações: 35 revelam insatisfação com aparência e serem incentivados pelos pais a mudar; 33 foram vítimas de agressões verbais na escola devido a aparência; 10 sentiam-se inferiores, 10 feios, 11 fora de moda e 07 só para mudar. Dos 38, 36 não leram sobre reações adversas; 5 tiveram reação; 27 não conseguiram o resultado esperado após as aplicações; 29 não sabiam a composição química dos produtos. Não por acaso, os PCN (BRASIL, 2002) inserem abordagem científica-social-tecnológica no ensino de Química.
CONCLUSÃO:
A realidade do aluno deve estar presente em aula, pois é fazendo leituras do mundo que ele pode saber colocar-se diante dela como um sujeito autônomo, embora a mídia chame atenção para o uso de cosméticos da higiene capilar que prometam cuidar da aparência.
O uso desses produtos no cotidiano justifica um ensino de Química livre de preconceitos, voltado para o desenvolvimento tecnológico, apontado pelos PCN como significativo; que irá auxiliar no enfrentamento da pobreza cultural. Devido aos resultados obtidos ao longo do PI comprova-se que não é suficiente trabalhar o conteúdo científico tal qual ele é concebido, nem mesmo utilizar os exemplos do cotidiano como mera ilustração da ciência transmitida.
É o confronto necessário de diversos saberes para o desenvolvimento do senso crítico do estudante que exige uma reordenação: a transformação dos saberes acadêmicos e populares em escolares e acessíveis.
As pessoas não precisam deixar de lado tecnologias que valorizam padrões estéticos, mas usar produtos desenvolvidos com consciência, sabendo dos riscos e consequências. A química do corpo humano consiste em um recurso significativo para o ensino contextualizado, permitindo que o professor desenvolva aulas em que os conhecimentos escolares não desconsiderem os saberes tradicionais.
Palavras-chave: Saberes tradicionais em relação a cabelos, Intervenção pedagógica no ensino de Química, A formação científica-cultural no enfrentamento da pobreza.