64ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 1. Antropologia - 3. Antropologia das Populações Afro-Brasileiras
AGENCIAMENTO DE DISCURSOS ÉTNICOS NUM CURSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES A DISTÂNCIA
Zelinda dos Santos Barros 1
Jocélio Teles dos Santos 2
1. Programa de Pós-graduação em Estudos Étnicos e Africanos - UFBA
2. Prof. Dr./Orientador - Programa de Pós-graduação em Estudos Étnicos e Africanos -UFBA
INTRODUÇÃO:
Um dos desdobramentos contemporâneos da luta pelo reconhecimento de direitos dos afro-brasileiros, induzido pelas Leis 10.639/03 e 11.645/08, foi a formação de professores para a Educação das Relações Étnico-raciais a distância. Pensar no potencial do uso das tecnologias digitais em ações educativas implica entender que a evolução tecnológica provoca não somente uma introdução de novos produtos e usos como também alteram comportamentos prévios e provocam a emergência de novos comportamentos, o que implica em assimilar criticamente as possibilidades e limites da cultura digital, ou “cibercultura”.
A Educação a Distância(EAD) ensejou a criação de novas possibilidades de abordagem de conteúdos relacionados à história e cultura afro-brasileiras. Por outro lado, características particulares da EAD, como uso intensivo de tecnologias de informação e comunicação e ênfase à expressão escrita, demandam investigações que analisem os desdobramentos da formação a distância para o ensino de História e Cultura Afro-brasileiras, assim como outros temas ligados à diversidade cultural.
Nesta pesquisa, investigo como discursos étnicos são agenciados num curso a distância voltado para o ensino de História e Cultura Afro-brasileiras.
METODOLOGIA:
Trata-se de uma etnografia virtual voltada à investigação das formas pelas quais a formação online repercute no agenciamento do discurso presente nos conteúdos trabalhados no Curso de Formação para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileiras (CEAO/UFBA), realizado em 2009 e 2010. A análise da educação das relações étnico-raciais realizada nesta pesquisa incorpora algumas contribuições das teorias críticas do currículo. Buscou-se a compreensão do agenciamento discursivo dos sujeitos da pesquisa através da análise de discurso.
Foram observadas as trajetórias de 10(dez) cursistas de 2009 e 11(onze) de 2010, que, além de terem participado dos fóruns de discussão, preencheram todos os instrumentos de avaliação do curso. As entrevistas apoiaram o trabalho analítico no sentido de identificarmos nos discursos das/os participantes conceitos comuns e os desdobramentos das práticas pedagógicas orientadas ao trabalho com a temática étnico-racial. Mesclei procedimentos metodológicos on-line e off-line a fim de também compreender como a interação na Internet repercute nos contextos nos quais estão inseridos os sujeitos da pesquisa.
RESULTADOS:
A Internet foi considerada pelas/os cursistas um recurso poderoso na reversão de estereótipos raciais. Comparado a um curso na modalidade presencial, a inibição dos cursistas em demonstrar seu preconceito era menor.
A principal referência a pautar a construção dos discursos étnicos foi a África, baseada em representações distintas do continente: desde a visão pautada nas representações distorcidas tradicionalmente vigentes em nossa sociedade à representação da África como um continente culturalmente rico e diverso.
Nos discursos sobre África, os conflitos atuais foram frequentemente relacionados a disputas políticas em que interesses econômicos externos e internos interagem, sendo criticada a representação destes conflitos como fruto do “barbarismo” africano. Outro aspecto depreendido dos discursos é a narrativa em terceira pessoa utilizada por um número significativo de cursistas que se auto-identificavam como “negras/os” para tratar dos africanos e afrodescendentes escravizados. Se na auto-identificação a afirmação de um “eu negro/a” foi preponderante, nas narrativas que construíram sobre seus ancestrais, o distanciamento foi evidenciado através das expressões “os negros”, “os africanos” em contexto em que caberiam a referência a um “nós”, à “nossa história”.
CONCLUSÃO:
O curso de formação docente do CEAO se baseia no princípio da educação como direito e como discurso. Sua proposta se alimenta das contribuições das teorias pós-coloniais e sua ênfase à colonialidade do saber, dimensão epistêmica do colonialismo ainda presente em sociedades como a brasileira. Submete o discurso educacional à crítica ao mostrar como, ao longo da história do Brasil, a prescrição da escolarização foi acompanhada pela negação deste direito à população negra e discute as estratégias utilizadas para superar a exclusão.
Tomando de empréstimo as reflexões de Marx (2004 [1857]), diria que ao produzir também consumimos e, neste processo, transformamos o consumido. Neste caso, há o consumo transformador das ideias acerca de História e Cultura Afro-brasileiras, um “consumo produtivo”, pois as/os participantes do curso (membros da equipe docente e cursistas) apreendem e reelaboram as ideias acerca dos temas estudados a partir de suas experiências individuais e coletivas, construindo seus discursos étnicos, nem sempre convergentes.
Palavras-chave: Educação a Distância, Afro-brasileiros, Discursos étnicos.