63ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 5. História - 2. História do Brasil
UMA NAÇÃO SE FORMA A PARTIR DE UM RIO: UM OLHAR SOBRE A TRANSPOSIÇÃO DO SÃO FRANCISCO ENTRE 1860 E 1906
Gabriel Pereira de Oliveira 1
Eurípedes Antônio Funes 2
1. Graduando / Bolsista do PET - Depto de História - UFC
2. Prof. Dr. / Orientador - Depto de História - UFC
INTRODUÇÃO:
O atual e polêmico “Projeto de Integração do São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional”, cujas obras estão em andamento desde 2007, foi uma das ações de maior repercussão no segundo mandato presidencial de Lula (2007-2010). Tendo como pressuposto básico o combate à seca, é uma iniciativa que tem gerado intensos debates acerca de seus efeitos. As discussões relativas à transposição do São Francisco, no entanto, não estão restritas à última década. Perpassam, na verdade, diferentes temporalidades. Durante o reinado de D. Pedro II, de um modo especial logo após longas estiagens em províncias do Norte, ganhou relevo a proposta de transpor águas do Velho Chico. É um período fundamental à construção de uma identidade da nação que se formava e de consolidação da unidade de seu território. Nesse sentido, esta pesquisa objetiva analisar a transposição tomando como ponto de partida o desejo de fazer do São Francisco o Rio da Integração Nacional entre meados do século XIX e o início do XX. Lançar novos olhares sobre essa iniciativa, situando-a historicamente e considerando elementos de outras temporalidades, é de suma importância para enriquecer e ampliar as reflexões acerca desse tema de grande relevância atual.
METODOLOGIA:
No processo de construção de uma identidade brasileira no período analisado, um elemento da natureza adquire singular importância. À nação que possui em seu terrítorio a maior reserva mundial de água doce, pareceria estranho não conter em sua formação, justamente, um rio, que, no caso, foi o São Francisco. Dessa forma, a pesquisa se pauta em um enfoque metodológico em diálogo com a história ambiental, de modo a contemplar interações múltiplas, mediadas por relações sociais historicamente constituídas, entre o ser humano e seu ambiente, ou, de maneira mais especifíca, um curso d’água. Ela é desenvolvida a partir da análise de relatos de viajantes, estudos de engenheiros e relatórios e obras de intelectuais e de representantes políticos. Sendo tais fontes históricas espaçadas temporalmente, visto terem sido elaboradas, em geral, após momentos de seca, a pesquisa compreende o período entre os anos de 1860 e 1906, quando são publicados os estudos, respectivamente, dos engenheiros estrangeiros Halfeld e Bouchardet.
RESULTADOS:
A partir das leituras teóricas e da análise empírica das fontes, pôde-se perceber um amplo conjunto de interesses a permear as ideias em torno da canalização de águas do São Francisco, predominantemente, para o rio Jaguaribe, no Ceará, no período estudado. Colocada como solução para o problema das secas, a transposição envolve fatores relacionados ao desenvolvimento de atividades mineradoras, à navegação e comunicação inter-regional e, de um modo especial, à integração nacional. O Poder central, particularmente durante o Império, procurava consolidar a unidade do País, ligando Norte e Sul, interior e litoral, por meio do São Francisco, cuja abrangência seria alargada pela transposição. Intervenções nesse rio visavam também ao melhoramento do sistema de comércio, ligando, pelo transporte em navios a vapor, regiões produtoras do sertão aos portos exportadores do litoral, e proporcionavam ao Estado, seja o monárquico, seja o republicano, um modo de fazer-se presente em localidades distantes da capital, Rio de Janeiro. Embora o projeto não tenha sido concretizado entre 1860 e 1906, o estudo de debates e disputas de poder em torno dele possibilitou o contato com elementos que nem sempre são considerados na compreensão do contexto de formação da Nação.
CONCLUSÃO:
As ideias acerca da transposição do São Francisco, tanto no empreendimento atual, quanto entre 1860 e 1906, são construídas sob o viés do combate à seca, encarada de forma diversa em cada um desses momentos históricos. Tais projetos são permeados, contudo, por aspectos outros além dessa questão. O fenômeno natural de estiagens prolongadas, assim, passa a ser apropriado politicamente em cada contexto histórico como tema de sensiblização nacional para justificar interesses de determinados grupos sociais, como, em meados do século XIX e início do XX, a integração nacional e, hoje, o agronegócio. A canalização do Velho Chico naquele período levaria, de fato, bem mais do que águas para o Norte semi-árido. Levar-lhe-ia, de modo bastante peculiar, um “ser brasileiro” civilizado, uma identidade formada no litoral. Era a possibilidade de o estranho e afastado – na perspectiva litorânea – sertão ser integrado ao restante do Brasil. Ademais, constituía-se como uma forma de o governo central redimir-se com as isoladas populações do Norte e, concomitantemente, interiorizar-se, fazendo seu poder penetrar nessas regiões distantes de seu controle. Natureza e cultura, nesse sentido, entrelaçam-se para engendrar uma Nação a partir de um rio, o Rio da Integração Nacional.
Palavras-chave: Transposição do São Francisco, Nacionalidade, Seca.