63ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 5. Direito - 13. Direito
FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E VIOLÊNCIA ESTRUTURAL NO ESPAÇO AGRÁRIO BRASILEIRO: UM ESTUDO A PARTIR DOS DADOS DA COMISSÃO PASTORAL DA TERRA SOBRE VIOLÊNCIA NO CAMPO.
Vitor Sousa Freitas 1
João da Cruz Gonçalves Neto 2
1. Programa de Mestrado em Direito Agrário - Universidade Federal de Goiás
2. Prof.Dr./Orientador - Programa de Mestrado em Direito Agrário - Universidade Federal de Goiás
INTRODUÇÃO:
O presente trabalho é parte de uma pesquisa que busca apontar soluções jurídicas para o problema da violência no campo, partindo-se da hipótese de que este é um problema estrutural no Brasil e que está relacionado com o cumprimento da função social da propriedade, tal como previsto na Constituição da República, bem como com a omissão estatal em apurar e coibir a criminalidade nos conflitos no campo, em desrespeito a normas internas e internacionais. Nesse contexto, buscou-se dados sobre a violência criminalizada registrada no espaço agrário brasileiro pela Comissão Pastoral da Terra-CPT, uma entidade ligada aos movimentos sociais do campo e à Igreja Católica e que, desde 1985, acompanha a ocorrência de crimes, conflitos e violações de direitos legalmente previstos no campo, sistematizando esses dados e formulando relatórios anuais. Esses dados são aqui analisados, de forma a subsidiar a tese de que a violência no campo brasileiro está relacionada à formação fundiária do País, cuja estrutura não atende à nova demanda constitucional pela função social da propriedade e da posse.
METODOLOGIA:
Foram analisados os dados levantados pela CPT sobre a violência no campo, para os confrontar com a hipótese de que a violência criminalizada ocorrida no espaço agrário brasileiro tem os seguintes fatores determinantes: a estrutura fundiária concentracionista, com grandes propriedades improdutivas, ou, ainda que produtivas, monocultoras e agro-exportadoras, e que não satisfazem necessidades nacionais e locais; a disputa pela posse e pela propriedade da terra, especialmente perpetrada pelas organizações de trabalhadores rurais, em defesa da reforma agrária constitucionalmente prevista; a omissão estatal em apurar e coibir tais violências, com ênfase para a inércia do poder judiciário e da polícia em investigar e punir criminosos e, até mesmo, com a polícia concorrendo para a violência contra os trabalhadores rurais. Tais hipóteses foram confrontadas com as informações disponíveis no Banco de Dados dos Conflitos no Campo da Comissão Pastoral da Terra-DATACPT, que, desde 1985, cataloga os conflitos agrários nos seguintes grupos: conflitos trabalhistas, conflitos por água, conflitos em tempos de seca, conflitos em áreas de garimpo, conflitos sindicais, violências praticadas contra trabalhadores, e manifestações.
RESULTADOS:
Os dados da CPT revelam que entre 1985 e 2009 foram registrados 1.546 assassinatos no campo brasileiro, dos quais apenas 88 foram julgados, tendo sido absolvidos 7 e condenados 21 mandantes, e condenados 69 e absolvidos 50 executores. Em média e por ano tivemos: 2.709 famílias expulsas de suas terras, 63 assassinatos, 13.815 despejos por ordem judicial, 422 prisões, 765 conflitos por terra, 92.290 famílias envolvidas nos conflitos. Entre 2000 e 2009 foram registrados 363 assassinatos, 9813 conflitos por terra, estando em disputa 62.690.020 hectares de terra. Lideram o ranking de violência elaborado pela CPT os estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Roraima e Pará. Nestes estados ocorre a maior concentração de terras, de ocupação ilegal de terras públicas, e neles os movimentos sociais são menos organizados. Com esses dados, cinco períodos caracterizam a violência rural, segundo Carlos Porto-Gonçalves e Paulo Alentejano: 1985-1990: predomínio da violência do poder privado; 1991-1995: aumento do número de ocupações; 1996-2000: aumento da média de ocupações e famílias envolvidas; 2001-2002: criminalização dos movimentos sociais e refluxo dos índices de violência e conflitos; 2003-2009: recorde na média de conflitos e famílias expulsas e despejadas, e retomada dos assassinatos.
CONCLUSÃO:
A violência no campo gira em torno do problema do acesso à terra e da reforma agrária constitucionalmente prevista. Ambos estão relacionados ao cumprimento da função social da propriedade rural, em suas dimensões econômica, ambiental e trabalhista. Mas o Estado se omite com relação à nossa estrutura fundiária latifundista, monocultora, e agro-exportadora, à destruição ambiental, ao desrespeito aos direitos trabalhistas no campo, à violência privada contra trabalhadores rurais pobres, e à sua criminalização quando organizados politicamente. Há uma violência estrutural. O Poder Judiciário contribui com a situação ao manter a ideologia da propriedade como direito absoluto, em detrimento da função social, despejando famílias e aprisionando pessoas preventivamente sem provas, concedendo liminares de reintegração de posse sem prova da função social e sem manifestação do INCRA, e, principalmente, mantendo a impunidade com relação aos crimes cometidos. Entretanto, o Poder Judiciário tem por limite de sua atuação a política de reforma agrária e a verificação do cumprimento da função social, centro gravitacional do problema, que competem ao Poder Executivo, donde se reforça a tese de uma situação histórica geradora de violência e que não se soluciona somente no âmbito da justiça criminal.
Palavras-chave: Direito Agrário, Violência no Campo, Função Social da Propriedade.