63ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Linguística - 1. Lingüística Aplicada
LINGUAJAMENTOS E CONTRA-HEGEMONIAS EPISTÊMICAS SOBRE LINGUAGEM EM PRODUÇÕES ESCRITAS INDÍGENAS
Elismênnia Aparecida Oliveira 1
Joana Plaza Pinto 2
1. Depto. Ciências Sociais, Fac. Ciências Sociais - UFG
2. Profa. Dra./Orientadora - Depto. de Estudos Linguísticos e Literários - UFG
INTRODUÇÃO:
Esta pesquisa está inserida no contexto dos estudos sobre a invenção das línguas, especialmente como foram articuladas e utilizadas nos violentos processos de colonização, cristianização e mais recentemente globalização em todo o mundo. Nossa inserção específica nesses estudos acentua o caráter construído da noção de “língua” e seu delineamento hegemônico na Lingüística como disciplina científica, procurando destacar vozes não hegemônicas que também constroem esta e outras noções que nomeiam as práticas de linguagem. O objetivo deste trabalho foi analisar concepções de linguagem, discurso e suas derivações – como fala, língua e escrita – em textos escritos por indígenas de etnias residentes no Brasil, pensando este grupo de noções como práticas de linguagem, produtos de discursos e práticas identitárias. Com base na análise dos textos encontrados, nossos objetivos específicos foram: promover uma reflexão crítica sobre as produções de conhecimentos indígenas sobre linguagem, discurso e suas derivações; considerar o papel do colonialidade do saber na produção epistêmica sobre linguagem; e visibilizar as concepções encontradas no debate amplo sobre linguagem.
METODOLOGIA:
Essa pesquisa é fruto de uma metodologia qualitativa de base documental pautada no mapeamento e análise de produções escritas em português de autoras(es) auto-identificadas(os) como indígenas, representados por indivíduos ou coletivos. Os procedimentos teórico-metodológicos foram: 1) revisão de literatura sobre concepções de linguagem, corpo e identidades indígenas (produzidos por indígenas ou não); 2) mapeamento de produções escritas em português de indígenas no Brasil (sujeitos individuais ou coletivos) que tematizam discurso, linguagem e/ou fala/escrita disponíveis em superfícies de circulação diversas (impressa, eletrônica, hipertexto etc.); 3) descrição das concepções de linguagem que se estruturam nestas produções identificadas; 4) descrição das condições de produção das produções identificadas; 5) análise das concepções descritas para discussão, conforme objetivos propostos. Com base nos nomes das 233 etnias no site Povos indígenas no Brasil realizamos uma busca por sites, bibliotecas, blogs, eventos, universidades que oferecem graduação para indígenas, revistas e jornais e selecionamos 23 produções correspondentes a 9 etnias. Todas as produções foram analisadas sobre o pano fundo de autoras e autores indígenas e não indígenas - pós-coloniais e dos estudos culturais -.
RESULTADOS:
Se por um lado a língua foi um importante instrumento no massacre e silenciamento das etnias e ajudou a demarcá-las como corpos desiguais, e a impor outra prática educativa e cultural por outro ela também foi, e é, um importante instrumento de acesso e resistência que os povos indígenas adotaram. Para discussão nesse contexto destacamos alguns pontos evidenciados nas produções textuais encontradas; a língua é constituída em grupo, pelas maneiras como os grupos vivenciam a natureza, o espaço em seus sons, cores e texturas. As práticas discursivas levantadas também trazem a oralidade e o uso de duas ou mais línguas como parte de um cotidiano em que a língua, assim como a escrita alfabética, são instrumentos estratégicos nas interações sociais entre os indígenas e entre o não-indígena, não são elementos essenciais. Assim como diferentes línguas podem ser usadas, a língua indígena não é o que faz uma etnia indígena, pois a língua é só um dos recursos discursivos usados pelas pessoas, e não ter mais uma língua indígena não equivale a deixar de ser indígena. Atuamos, portanto com conceitos sobre língua, escrita e linguagem que não correspondem aos conceitos sustentados na Linguística hegemônica, mas representam as práticas discursivas das etnias indígenas das autoras(es) indígenas.
CONCLUSÃO:
Os conceitos sobre linguagem – língua, escrita, fala - representados nos textos de autoras e autores indígenas não estão relacionados a escrita alfabética nem correspondem a uma relação com a cognição, em que quem tem uma escrita alfabética é mais inteligente. Ao contrário, mesmo quando questões como oralidade/escrita, língua/identidade, língua/escola aparecem elas estão resignificadas, e trazem questionamentos sobre as hierarquias em que estes conceitos foram produzidos e ajudam a sustentar. As produções contêm concepções distintas das oficias tratadas na Lingüística, mais que práticas discursivas próprias nas conceituações sobre linguagem indígenas temos práticas discursivas resignificadas, onde para existir e resistir, as autoras e autores indígenas usam a língua portuguesa, a escrita alfabética, e até os discursos/conceitos sobre língua hegemônicos em favor de suas etnias. Temos epistemologias distintas da do não indígena que se construíram e solidificaram a base de um pensamento construído na resistência, que por vezes se faz em usar as armas do colonizador contra ele mesmo sem ter que deixar suas práticas. Assim, as concepções sobre linguagem em textos indígenas existem a base da promoção da contestação e ampliação nos debates da produção epistêmica sobre linguagem.
Palavras-chave: Linguagem Indígena, Colonialidade, Epistemologia.