63ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 5. Direito - 9. Direito Penal
A LIBERDADE SEXUAL COMO BEM JURÍDICO TUTELADO PELA CRIMINALIZAÇÃO DO TRÁFICO DE PESSOAS
João José Pereira da Silva 1
Felícia Lacerda Lima 1
Herick Frederico Leonel de Paiva 1
Aldevina Maria dos Santos 2
1. Depto. de Ciências Jurídicas, Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC-GO
2. Profa. Ms./Orientadora - Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC-GO
INTRODUÇÃO:
Bens jurídicos no âmbito penal são os valores fundamentais para a subsistência do corpo social, tais como a vida, a saúde, a liberdade, a propriedade entre outros, protegidos pelo direito por meio da criminalização de condutas perniciosas à sociedade, tais como o homicídio, o roubo. Assim é que, por detrás de cada conduta penalmente tipificada há que se encontrar um ou vários bens jurídicos os quais se pretende proteger.
O presente trabalho tem como foco a discussão acerca de qual é o bem jurídico protegido pelo artigo 231 do Código Penal Brasileiro, o qual criminaliza o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. Doutrinariamente a discussão gira em torno, basicamente, de esse bem jurídico ser os bons costumes, a moralidade pública sexual, a dignidade sexual ou ainda a liberdade sexual individual, isoladamente ou concomitantemente, considerados.
Percebe-se que, na vida prática, o operador do direito que lida com crime de tráfico de pessoas deve ter uma posição clara sobre qual seja o bem jurídico tutelado pelo tipo penal, pois, a depender de qual valor a norma visa proteger, na sua visão, existirão situações em que se configurará crime e em outras não.
METODOLOGIA:
Para o desenvolvimento desta pesquisa a metodologia utilizada foi, num primeiro momento, a realização de pesquisa bibliográfica, analisando-se o que dispõe sobre o tema o Código Penal Brasileiro e o Protocolo adicional à Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional, relativo à Prevenção, a Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças.
Em seguida, procedeu-se à pesquisa em doutrinas nacionais que contêm essa temática, bem como em artigos, revistas, e produções científicas, de modo a buscar um embasamento teórico fornecido pelos pensadores do direito, e que iriam balizar as hipóteses levantadas.
Pesquisa em campo objetivou analisar os processos sobre tráfico de pessoas em trâmite na seção goiana da Justiça Federal, a fim de se verificar a maneira como é aplicado o artigo 231 do Código Penal, suas implicâncias práticas, e quais as possíveis melhores formas de interpretação. Entre os anos de 2000 a 2010 foram identificados 66 processos/inquéritos sobre tráfico de pessoas em andamento no Estado, a equipe analisou um total de 17.
Posteriormente, foram realizados debates multidisciplinares e intersetoriais (direito, saúde entre outros); e foram feitas entrevistas com profissionais do direito que atuam na área da persecução criminal.
RESULTADOS:
Na busca pela determinação do bem jurídico tutelado pelo artigo 231 do Código Penal constataram-se divergências e inconsistências nas opiniões. Doutrinariamente, de maneira geral, afirma-se que o bem jurídico protegido são os bons costumes, a dignidade sexual, a liberdade sexual individual, para alguns pensadores isoladamente considerados, ou para outros concomitantemente considerados. A implicância prática existente na escolha de qualquer desses bens recai sobre a configuração ou desconfiguração do crime face a ausência ou presença do consentimento que a vítima dá numa situação concreta de tráfico. De um lado, eleger a moralidade pública sexual como o bem jurídico protegido implica afirmar ser esse um bem público e indisponível por um membro da sociedade, isto é, a autorização/ consentimento da vítima torna-se irrelevante para a configuração do delito. Por outro lado, eleger como bem jurídico a liberdade sexual individual implica afirmar ser esse um bem individual e disponível pela suposta vítima, a qual desconfigura o delito quando dá seu consentimento válido.
Jurisprudencialmente verificou-se que não há discussão no bojo processual sobre qual seja o bem jurídico tutelado pelo art.231, mas unanimemente despreza-se o consentimento que a vítima dá no enredo dos fatos.
CONCLUSÃO:
Conclui-se que a interpretação mais acertada do art. 231 do Código Penal é a que elege a liberdade sexual individual como bem jurídico tutelado por ele, o que vai ao encontro do entendimento do Protocolo de Palermo, para o qual, não havendo o emprego de meios ilícitos na obtenção do consentimento pelos “criminosos” não se configura o delito do tráfico, respeitando-se, assim, o exercício da livre vontade da vítima.
A eleição desse bem jurídico eliminaria as incongruências práticas da incriminação de alguém que contribui com a saída ao exterior de mulher para o exercício da prostituição quando esta tomou sua decisão consciente e sem que sofra violações a direitos. Ou seja, não seria considerado crime os casos conforme o supramencionado, com o entendimento de que não existiria lesão ao bem jurídico, liberdade sexual.
Ora, acerca da autonomia das mulheres, vale dizer que num Estado Democrático de Direito, como o nosso, a liberdade é um dos princípios que o lastreia, vigorando a idéia de que o cidadão comum de tudo pode fazer, só ficando restringido pelo que a lei proíbe. Se a prostituição é uma atividade que não é proibida, seria injusto incriminar alguém pela conduta de contribuir com a saída dessa mulher que vá trabalhar autonomamente no exterior. Há que se respeitar sua vontade.
Palavras-chave: Tráfico de pessoas, Bem Jurídico, Liberdade Sexual.