62ª Reunião Anual da SBPC |
G. Ciências Humanas - 6. Ciência Política - 6. Ciência Política |
ABORTO E DEMOCRACIA: O DEBATE NO BRASIL |
Fernanda Ferreira Mota 1 |
1. Universidade de Brasília (UnB) - Instituto de Ciência Política |
INTRODUÇÃO: |
Nas sociedades modernas, os meios de comunicação têm apresentado papel crucial na socialização dos indivíduos, sendo considerados produtores e reprodutores de elementos sociais constitutivos da estrutura social. Isso significa dizer, que hoje, os meios de comunicação vêm se solidificando quase como uma instituição social, participam ativamente dos processos sociais, e influem na forma em que os indivíduos agem e pensam o mundo. Tendo esta idéia como base este trabalho procura analisar como é a abordagem da mídia em relação a um tema do aborto, e como o debate público se dá em torno dessa abordagem. Este é um tema bastante polêmico na sociedade, tanto em relação aos que já têm uma opinião formada (seja ela a favor ou não), tanto entrem os que ainda não tomaram uma decisão sobre o que pensar. E levando-se em conta a grande influência atribuída aos meios de comunicação na formação de opinião das pessoas, torna-se muito importante entender a forma como estes meios vêm tratando o tema. Além disso, o trabalho discute também como questões de Estado, democracia e liberdade são interpretados não só pela mídia, mas por outros grupos (como governo e movimentos sociais) quando se está em pauta o tema "aborto". |
METODOLOGIA: |
O meio de comunicação de massa escolhido para a análise foi o jornalismo impresso diário, sendo mapeados os jornais Folha de S. Paulo e O Globo (que possuem uma tiragem maior e têm uma grande penetração nacional). Foram analisadas as tiragens entre os anos de 2003 e 2008, por meio dos arquivos online desses jornais Foram coletados dados que se referem às matérias publicadas que continham as palavras-chave: aborto, abortamento, interrupção voluntária da gravidez e interrupção da gravidez. Após isto, foram analisadas apenas as matérias em que o tema aborto era central, secundário ou referência lateral. As matérias foram analisadas por meio de três fichas que tentavam capturar informações tanto de ordem quantitativa (como o número de personagens do sexo feminino), quanto qualitativa (como a identificação dos argumentos presentes no texto), e observar os principais enquadramentos acerca do tema. O que se buscava, era captar por meio dessas fichas a forma como os argumentos a favor ou contra o aborto eram apresentados na matéria, e como eram enquadrados; e os personganes e intituição que tinham voz nessas matérias (e qual era o tratamento dado a eles). Ao final, estes fichamentos foram inseridos no software Le Sphinx, para um tratamento mais adequado dos dados coletados. |
RESULTADOS: |
Dentre os vários resultados encontrados, podemos dizer que os que mais chamam a nossa atenção são os em relação à posição da matéria acerca do tema quando o aborto é tomado como referência lateral. Nota-se que nesses casos a maioria das matérias apresenta uma posição neutra ou ambígua. Na verdade, isso é o que acontece com todas as matérias, seja tema central ou não; a posição em relação ao aborto na maioria dos caoss é neutra ou ambígua. Isso traduz uma posição que hoje se vê na sociedade, a maioria das pessoas ainda não encontrou uma posição forte para tomar dentre os argumentos apresentados pelos defensores da legalização do aborto e os que são contra ela. Quando se passa para uma análise mais voltada para os personagens que aparecem nessas matérias, é interessante sua distribuição quanto ao posicionamento sobre o aborto e a relação com o sexo da personagem. De acordo com o quadro abaixo podemos ver que a maior parte das personagens que aparecem na matéria é do sexo masculino. Isso por si só já se apresenta como um paradoxo. Pois se está-se discutindo uma questão referente à mulher, seria esperado um maior número de mulheres nas matérias. Isso não quer dizer que a opinião masculina não seja interessante, ou mesmo necessária, mas um número tão inferior de personagens femininas não pode passar batido na análise. Poderíamos até dizer que isso reafirma a tese do uso do corpo da mulher como meio para um fim maior, moralmente público; e a idéia de que como meio, não é necessário que se busque a sua opinião sobre seu próprio corpo e escolha (que no caso, não lhe é dada). Junto a isso, outro fato que podemos observar é que novamente vê-se um grande número de personagens que se posicionam neutramente ou ambiguamente. Se tirarmos estas personagens do somatório total, veremos que o número de mulheres que têm uma posição a favor da descriminalização do aborto é muito maior do que o número das que defendem novos mecanismos repressivos ou a redução dos casos de aborto legal. Isso mostra que a opinião das mulheres parece caminhar cada vez mais para uma posição favorável à descriminalização, mas que ao mesmo tempo, sua opinião vem sendo colocada em segundo plano (pelo menor número de personagens mulheres).
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CONCLUSÃO: |
Por meio deste trabalho foi possível observar que as hipóteses apresentadas de fato ocorrem. O tema do aborto ainda se configura como um tema ligado à esfera privada, e isso modifica a forma como é abordado mesmo quando se está inserido no debate político. E como o tema não pode ser desvencilhado da mulher, percebe-se que esta ligação ao campo privado se remete a uma diferenciação estrutural por gênero. O que se quer dizer com isso é que o que acontece com o tema aborto é o reflexo de questões maiores sobre gênero. Por exemplo, quando se nota que o tema acaba na maioria das vezes sempre se ligando à moral, podemos ver isso como uma ligação que se faz da mulher à esfera privada. E neste ponto ocorre um fato interessante: sobre essa ótica moral, a mulher serve a um interesse público, gerando indivíduos que darão continuidade às relações sociais; porém este interesse público tem início no campo privado, pois quem influenciará na decisão de se levar uma gravidez até o nascimento de um indivíduo serão as estruturas deste campo privado. Esquece-se aqui os direitos individuas da mulher, seu direito de propriedade sobre si mesma. Ela irá servir a um interesse público, seguindo lógicas de uma estrutural moral e privada. Isto é o que vemos quando o aborto é relacionado a moral, ligado à questões religiosas. Nestes casos a mulher enquanto sujeito político dotado de direitos é anulada, os direitos passam a ser concedidos aos homens, e a mulher deixa de ser um sujeito e é vista como um meio, para um fim que é a geração de um novo indivíduo. E sendo um meio, o argumento de escolha se torna ilegítimo, pois um meio não pode escolher o que fazer, ele apenas segue o que se decidiu que ele faria. No outro lado do debate, iremos encontrar os argumentos que relacionam o aborto a um problema de saúde pública. Nesses casos, o que vemos é que as mulheres são consideradas apenas números. Parece novamente não interessar seu direito de escolha e sua propriedade sobre si mesma, o que conta é quantas mulheres têm morrido por abortos feitos em clínicas clandestinas, e o quanto isso prejudica o interesse público numa ótica da saúde pública. É claro que não se deve negar a importância dessa questão sob a ótica da saúde pública, nem mesmo esquecer que questões morais fazem parte da sociedade e são a base de muitos preceitos pertencentes em nossa estrutura social. Porém, o que se debate aqui é que no campo da política estas óticas (da saúde e da moral) não deveriam ser tomadas como argumentos principais no debate político. Enquanto isso ocorre, a idéia das mulheres enquanto sujeitos políticos vai sendo deixada de lado, as diferenciações quanto ao gênero vão sendo reproduzidas e a cidadania destes sujeitos (femininos) não se exerce. |
Instituição de Fomento: Cnpq |
Palavras-chave: Aborto, Mídia, Relações de Gênero. |