62ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 3. Filosofia - 2. Filosofia
A MEMÓRIA NA GRÉCIA CLÁSSICA, ENTRE MYTHÓS E LOGOS
Igor Lucena Fernandes de Queiroz 1
Monalisa Carrilho de Macedo 2
1. Departamento de Filosofia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
2. Prof. Dr./Orientadora - Dep. de Filosofia - UFRN
INTRODUÇÃO:
A partir da atual discussão em torno de linguagem, informação, e do Ser; consideramos importante perscrutar nas origens gregas o que era antes do signo, ou do significado. Para os aedos, poetas, Homero e Hesíodo, Mnemósine é a divina memória de toda verdade, da criação à transformação do cosmo, e organização divina. Os aedos, que através da divina inspiração, concedida pelas filhas da memória, Musas, seriam os únicos capazes articular a quididade do mundo divino ao mortal. Vernant discute a influência mítica nas seitas pitagóricas, e órficas, as necessidades da alma relembrar as injustiças cometidas não apenas na vida atual, mas nas passadas, para assim purificar-se e voltar à divindade. Empédocles de Agrigento também cita essa necessidade, lembrando que é vórtice formado de fogo, terra, água e ar, e pela medida do amor voltar a Ilha dos Bem-Aventurados. E Platão, compartilhando dessas concepções com as de Heráclito e Parmênides, mostra que lembrando a existência no mundo das idéias, a verdade total e auto-compreendida, fundamenta sua noção epistemológica, metafísica e política. Desse modo propomos fazer apenas um estudo duma transformação importantíssima na história, quando a verdade passa da verticalidade divina e eterna para horizontalidade humana e efêmera.
METODOLOGIA:
Pesquisa iniciada em 2009 auxiliada por vasto conhecimento de temas, disciplinas e áreas da orientadora. Ela traduziu um artigo de 1959 de Vernant, Aspectos Míticos da Memória na Grécia Antiga. Rico e preciso em dados raros, como as Lâminas Órficas de Petélia e Eleuterna. Ainda na primeira metade de 2009, estudamos textos de Mito e Realidade, de Micea Eliade, apoiado no mesmo artigo citada, diferindo apenas na influência gnóstica: mitos de lembrar da luz do conhecimento da verdade em lugares e tempos diferentes como Grécia, Oriente Próximo, e até Austrália. Das diversas fontes citadas, no resto de 2009 e início de 2010, a pesquisa foi em Platão: Filebo, felicidade com inteligência; República, temas abordando Justiça; Mênon, ensino da virtude e relembrança pela alma imortal; Hesíodo: Teogonia, origem divina do todo e sacra ordem; Os Trabalhos e os Dias, decadência humana, de divinos pra fadigosos e angustiados; Empédocles: Sobre a Natureza, união pelo amor, e aparte pelo ódio, da terra, água, fogo e ar; e Purificações, limpeza da alma através da lembrança; Torrano, na introdução da Teogonia de Hesíodo, elucida a memória e sua necessidade de resguarde da Cultura Grega. E Brandão nos três volumes de sua Mitologia Grega, explica e contextualiza os mitos, e se há influências atuais.
RESULTADOS:
Essa pesquisa investigou a memória através de textos num período de tempo e espaço que interpretações sobre o Ser mudaram, e fontes que diziam que somos, o que somos, para onde vamos, e os motivos de estarmos aqui eram estritamente ritualísticos: fossem em templos, ou pelos aedos, poetas. Depois os rapsodos passaram a individualizar a alma e que passaria por provas numa só encarnação e nesta mesma se libertaria para a imortalidade. E juntamente com os filósofos passando para um nível civil e igualitário, espiritualmente, o Ser, não perdeu sua qualidade imanente de memória imortal. A escrita em si era sagrada, e além de só representar, seria a própria escada que o Ser encarnado subiria para voltar no futuro, e ser o que era no passado, seu reflexo, divindade. Diferente de a imitação da imitação das idéias em si. Mas as outras artes que seriam imitação da imitação, a pintura que só servia de espelho fixo, a dança que era um arremedo da mobilidade divina, a música que seria o embalo do que não precisa ser embalado, a idéia, e teatro que representava somente uma pequena face do ser, as faces da comédia e tragédia como extremos das afecções que o Ser deveria deixar para trás e não mais sentir tristeza ou alegria enquanto imortal.
CONCLUSÃO:
Mýthos, para Empédocles seria a divina palavra para os que podiam senti-la. Sem meios exclusivos de alcançá-la, dentre outros motivos não ser esquecida, ganha novas interpretações que tentam apreendê-la em determinados contextos religiosos. Com isso a escrita passa a permear, e se transformar no seio da sociedade grega que se tornava mais urbana, desde Hesíodo. Percebemos então, que o poeta pastor de ovelhas, rural, vai deixar de ser voz única detentora das verdades: divinas e humanas. O logos, discurso humano que aponta para a verdade humana, ganhou força aliado ao crescente poder político pelo cidadão. A revelação divina, mýthos, vai perdendo seu valor pela incompatibilidade com a democracia, poder garantido argumentativamente na realidade humana, ou seja, carente de provas comum a todos. Cada cidadão pode articular sua própria opinião e defendê-la pelo logos. Quanto mais abrangente e rígido seu discurso for, e dependendo da quantidade corroborativa, será verdade. Essa distinção lógica que Platão inicia na República contra os Sofistas não perde o antigo sentido, mesmo com novas proposições, de a memória continuar inerentemente carregada do caminho para libertação da opinião do Ser, em busca da verdade única, esta comum à todos os tempos em todos o lugares.
Palavras-chave: Memória, Grécia Antiga, Mythos e Logos.