A etnobotânica, como estudo transdisciplinar dos conhecimentos tradicionais sobre a flora, traz a possibilidade de indicar usos novos de plantas existentes, informações relevantes sobre a ecologia de espécies locais e sistemas de classificação paralelos aos adotados pelas ciências convencionais. Este trabalho teve como objetivo documentar conhecimentos de agricultores de uma comunidade rural de Mazagão (AP), considerando que os habitantes de uma determinada região, na perspectiva da gestão participativa, são conhecedores da flora local e que, portanto, podem contribuir significativamente para o desenvolvimento regional e conservação dos ecossistemas autóctones.

Este trabalho foi realizado em Março de 2010, na localidade de Porto do Céu, no município de Mazagão (Amapá). O método utilizado foi o da pesquisa participativa, com abordagem qualitativa, usando como técnicas entrevistas semi-estruturadas e testes projetivos, com apresentação de imagens aos entrevistados. Foram entrevistadas todas as cinco famílias residentes nessa localidade.

Para os moradores da localidade de Porto do Céu, animais e plantas são reconhecidos genericamente como "ecossistema'' ou "floresta". Ao conjunto de plantas da região, os moradores reconhecem como "horta", "plantação" ou "alimento", enquanto os animais são chamados especificamente de "selvagens" e "bichos". Em alguns casos, o açaizeiro (Euterpe oleracea) foi classificado junto com animais, sob a argumentação de que, pelo fato de serem relevantes para a dispersão da espécie, são indissociáveis desta. Dentre as plantas cultivadas na região, as mais citadas foram: o açaí, bacaba (Oenocarpus bacaba), cupuaçu (Theobroma grandiflorum), manga (Mangifera indica), jerimum (Cucurbita pepo) e macaxeira (Manihot esculenta), que são usadas principalmente na alimentação; são utilizadas como remédio a casca do cajueiro (Anacardium occidentale), a folha do boldo (Plectranthus barbatus), a folha do amor crescido (Portulaca pilosa), a folha da goiabeira (Psidium guajava) e a folha do mastruz (Chenopodium ambrosioides); há também, o aproveitamento do caule da goiabeira na construção de abrigo para animais. Além de classificar as plantas com critérios de uso, também foram utilizados critérios peculiares como: o tamanho das folhas,  a cor e o gosto dos frutos, a espessura do caule e o tempo de plantio.

Observou-se que os agricultores apresentaram critérios de classificação próprios, reconhecendo diferenças sutis por meio de atributos específicos. Com a realização deste trabalho, percebeu-se que os moradores da localidade de Porto do Céu detêm vasto conhecimento sobre as plantas locais, sendo potenciais sujeitos a contribuir para a conservação da biodiversidade e que, sendo assim, este conhecimento deve ser valorizado e aproveitado em programas de conservação local.