Em pesquisa realizada anteriormente, constatou-se que em todos os romances publicados pelas principais editoras brasileiras nos últimos 15 anos temos uma população branca de quase 80%, apenas 8% de negros e 6% de mestiços. Mas os brancos não só compõem a ampla maioria das personagens, eles quase monopolizam as posições de maior visibilidade e de voz própria. Só para se ter uma idéia, entre 1245 personagens analisadas, há apenas cinco narradores negros, sendo que somente uma é mulher. Se os dados agregados da pesquisa de "mapeamento" do romance brasileiro recente revelam a baixa presença da população negra entre as personagens, o exame das exceções permite entender as potencialidades e os limites das (poucas) abordagens do tema. Sendo assim, a presente pesquisa se debruçou sobre a produção contemporânea que traz representações de personagens femininas negras, a fim de traçar o perfil dessas personagens para além da cor, especificando suas trajetórias.

Inicialmente analisaríamos, também, na medida do possível, algumas representações construídas por autoras negras. Contudo, as leituras das obras demandaram outra abordagem. Traçar a trajetória das personagens implicou que as mesmas tivessem relevância maior na obra, com maior presença e encontramos tal fato nas representações feitas por autoras negras. Então, o trabalho seguiu na aproximação das trajetórias de duas protagonistas negras das obras Ponciá Vicêncio, de Conceição Evaristo e As mulheres de Tijucopapo,de Marilene Felinto. Lançando mão, ao mesmo tempo, dos dados estatísticos já coletados sobre o romance brasileiro contemporâneo, cruzando os romances com as discussões sobre gênero e questões raciais, nos deparamos com a exclusão maciça que mesmo a cidade impõe sobre essas personagens. Contudo, encontramos, ainda, grande capacidade de modificação e territorialização de espaços outros, algo muito particular existente em tais caminhos.

Para analisar a trajetória dessas personagens, buscamos os "porquês" das suas decisões de sair do espaço de origem e voltar a ele, entendendo, também, como a cidade contribuiu para que tanto a necessidade de ir, quanto a de voltar se fizesse presente. Alcançamos que nas duas resoluções as identidades de raça, classe e gênero impuseram às personagens barreiras que dificultaram suas trajetórias e singularizaram a forma como o espaço público agiu sobre essas experiências. Esse breve olhar sobre as trajetórias ausentes no campo literário revelou que há outros caminhos que não o dos estereótipos, essas trajetórias podem e devem propagar os moldes da representação desse grupo marginalizado. Essas personagens femininas negras arquitetas da precariedade, ainda que majoritariamente invisíveis na literatura, imprimiram minimante seus próprios caminhos sobre o campo minado literário.