A capoeira encontra-se inserida no universo cultural das práticas e manifestações afro-brasileiras, apresentando um forte caráter de identidade cultural para o povo brasileiro. Instrumentos legais tais como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e a Lei n° 10.639/2003 que trata da “obrigatoriedade do ensino da história e da cultura afro-brasileira nos ensino fundamental e médio”, estimulam inovações no sistema de ensino formal, tal como a utilização da capoeira como conteúdo nas aulas de Educação Física escolar (EFE). Sabe-se que este processo de inserção da capoeira no ambiente de ensino formal ainda está em construção, sendo freqüentemente tematizado e debatido nos meios acadêmicos. Torna-se necessário, portanto, a reflexão acadêmica sobre a práxis que envolve a inserção da capoeira como conteúdo a ser trabalhado nas aulas de EFE, contribuindo assim, para o avanço nesta problemática. Tendo por base o método de pesquisa-ação, relataram-se as reflexões advindas da aplicação de aulas de capoeira nos horários da Educação Física em duas escolas da rede de ensino básico de Parintins/AM, com a finalidade de auxiliar no avanço da problemática relacionada à inclusão da capoeira nas aulas de EFE.

Utilizou-se como método de investigação a pesquisa-ação, sendo realizada a coleta dos dados por meio de entrevistas não-estruturadas com os gestores das escolas e professores responsáveis pelas turmas trabalhadas, observação participante durante as aulas, além de seminários periódicos com a equipe que participou da aplicação da pesquisa-ação. As atividades ocorreram no 2º semestre de 2008 e fizeram parte de Projeto de Extensão Universitária do Instituto de Ciências Sociais, Educação e Zootecnia (ICSEZ), Curso de Licenciatura em Educação Física, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) em Parintins/AM. As aulas foram conduzidas em 1 escola de ensino infantil (4 turmas de 20 alunos aproximadamente) e 1 escola de ensino fundamental (alunos entre o 6º ano do ensino fundamental e 2º do ensino médio) nos horários de EFE. Foram conduzidas 4 aulas de capoeira com cada turma, trabalhada sob 4 temáticas diferentes: corpo na capoeira; capoeira enquanto jogo/brincadeira; ritmo na capoeira e música na capoeira. Cada temática desdobrou-se em diversas atividades, buscando uma aproximação com os conceitos do “se movimentar”, utilizando-se os movimentos da capoeira como base para a experimentação de novos movimentos, estimulando a participação de todos os alunos nas aulas.

A utilização da capoeira no ensino infantil encontrou boa aceitação pelos alunos e direção da escola (relatos da gestora e professoras responsáveis pelas turmas). As atividades com muita movimentação, criação e adaptação de movimentos tradicionais, acrescidas de trabalhos com a noção de ritmicidade, onde a musicalidade e o trabalho com o imaginário relacionado à capoeira foram bem aceitos pelos alunos, dada a participação ativa destes nas aulas (relatos das professoras das turmas: “eles ficam perguntando que horas será a aula de capoeira”). Nas turmas do ensino fundamental e médio, encontrou-se dificuldades no prosseguimento das atividades como o planejado a saber: concomitante início das atividades do Projeto “Jovem Cidadão” (Governo do Estado do Amazonas) no mesmo espaço onde eram realizadas as aulas de EFE (quadra de handebol ao ar livre), ocasião em que ficavam em torno de 200 crianças de diversas idades dividindo o espaço em uma “grande aula de Educação Física”, impossibilitando o estabelecimento de um ambiente didático adequado à condução das aulas. Após reorganização, seguiu-se outra estratégia nesta escola: realização de aulas de capoeira em sua forma tradicional em horários extra-curriculares, em parceria com grupo de capoeira da comunidade, encontrando boa aceitação.

A capoeira trata-se de uma manifestação cultural de origem afro-brasileira passível de ser pensada e utilizada nas aulas de EFE. Algumas reflexões podem auxiliar este processo, baseadas na pesquisa-ação conduzida: trabalhos no ensino infantil enfatizando o livre “se movimentar”, a criação e adaptação de movimentos tradicionais da capoeira, utilizando-se noções de ritmicidade e musicalidade, além de jogos que explorem a imaginação e história da capoeira encontraram boa aceitação. No ensino fundamental e médio, observou-se dificuldades de aplicação da proposta inicial, relacionadas ao espaço físico e didático reservado à EFE enquanto disciplina, sugerindo uma certa desvalorização da própria sociedade local com relação à área, no entanto, superadas as dificuldades iniciais, a parceria com grupos de capoeira da comunidade para oferecimento da atividade em horários extra-curriculares mostrou-se uma alternativa viável no contexto apresentado, conseguindo boa aceitação por parte dos alunos e gestão da escola trabalhada, estando referendada esta possibilidade de diálogo escola-comunidade, nos Parâmetros Curriculares Nacionais para a área de Educação Física (Ensino Médio).