61ª Reunião Anual da SBPC
D. Ciências da Saúde - 1. Enfermagem - 6. Enfermagem Psiquiátrica
ATORES, DISCURSOS E REALIDADES: O DEBATE SOCIAL EM TORNO DA REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA
Leandro Barbosa de Pinho 1
Antonio Miguel Bañon Hernández 2
Luciane Prado Kantorski 1
Julian Rafael Faoro 3
1. Universidade Federal de Pelotas
2. Universidad de Almería (Espanha)
3. Universidade Federal de Mato Grosso
INTRODUÇÃO:

Nos últimos 20 anos, a assistência psiquiátrica brasileira testemunha o nascimento de um movimento de reforma psiquiátrica, que busca a reorientação do saber e do fazer em relação à loucura, procurando romper com a visão altamente hospitalocêntrica do cuidado e direcionando a assistência em saúde mental para o contexto da comunidade. Pretende-se, atualmente, olhar para as suas diferentes dimensões, e não somente na causalidade da doença. Fala-se em sofrimento psíquico no lugar da doença mental, pensa-se em cuidado ao invés de tratamento, em serviços substitutivos na comunidade no lugar do hospital psiquiátrico, bem como em inserção da família ao invés de excluí-la do contexto.

Por ser um movimento que atinge diferentes níveis de debate no campo da saúde, procura-se, neste estudo, trazer uma contribuição reflexiva no sentido de repensar determinados conhecimentos e práticas no campo da saúde mental brasileira na atualidade. Para isso, recorremos aos discursos de alguns profissionais da área para tentar entender como esses trabalhadores estão inseridos como atores nesse processo e em que medida o atual movimento de reforma psiquiátrica brasileira pode ser implicado como uma temática relevante para ser discutida no âmbito de um debate social no campo da saúde.

METODOLOGIA:

O corpus do estudo original é composto por entrevistas aplicadas a 17 dos 25 profissionais de saúde mental de um serviço substitutivo de uma cidade da região sul do Brasil e que se dispuseram a participar da pesquisa. Realizamos apenas 01 (uma) pergunta aberta, não-diretiva: “Fale sobre sua prática em saúde mental nesse serviço”. As entrevistas foram gravadas em fitas cassete e, depois de concluídas, encaminhadas a dois digitadores diferentes, responsáveis pela transcrição.

De posse das informações, os dados foram organizados conforme a proposta de caracterização de atores implicados em debates sociais no campo da saúde e da doença de Bañon Hernández (2002). Essa proposta está organizada por dimensões semiotextuais, ou seja, por tópicos especiais que revelam o conjunto dos atores implicados, associadas a conceitos descritivos gerais, como que e qual, quanto, como e onde, que evidenciam as diferentes relações estabelecidas por eles.

O projeto foi submetido à avaliação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal e Pelotas, obtendo parecer favorável. Foi, também, garantido o anonimato dos sujeitos do estudo e respeitados todos os preceitos ético-legais que regem a pesquisa com seres humanos.

RESULTADOS:

Com a aplicação da proposta, ficou claro que existe uma preocupação dos trabalhadores por ter a maioria iniciado a trabalhar no campo da saúde mental com pouca ou nenhuma experiência. Para designar o começo conflituoso, há o uso de estratégias lingüísticas “exageradas”, como hipérboles, e figuras trópicas de linguagem (que encobrem o sentido original pela substituição de termos).

                Na primeira situação, um entrevistado afirmou que atendia ao louco “morrendo de medo”, mostrando o quanto a loucura ainda repousa no imaginário social como um produto do desconhecido, revelando seu conteúdo ansiogênico. No segundo caso, outro profissional entendia a falta de preparo técnico para atuar no campo da saúde mental com o uso de expressões metafóricas, comuns no contexto culinário (“me sentia crua”).

No entanto, o profissional tende, com a convivência, a re-significar o seu atendimento e a se desmitificar, tratando o louco como um indivíduo que sofre igual a qualquer outro. Isso parece mostrar o quanto os serviços substitutivos estão provocando enfrentamentos e transformações na realidade da reforma psiquiátrica brasileira. Aqui entra a questão do debate social, que ganha amplitude quando os próprios profissionais percebem sua importância e começam a reinventar o cotidiano de sua prática.

CONCLUSÃO:

O presente estudo procurou mostrar algumas das muitas possibilidades de análise de um evento especial e suas repercussões para o estabelecimento de um debate social num campo específico do conhecimento humano, como é o caso da reforma psiquiátrica brasileira.

Qualquer que seja o começo de um debate social, há que levar em consideração que esse debate é um processo, no qual estão incorporadas as diferentes opiniões dos sujeitos, contraditórias ou não, complementares ou não, conhecidas ou não. Em saúde mental, por exemplo, a relação que se estabelece entre o movimento e os atores que participam de sua consolidação é fundamental para entender a abrangência e o alcance ideológico dessas discussões na materialidade social.

A proposta metodológica deixa sua contribuição para repensar as competências e habilidades dos trabalhadores no campo da saúde mental. Esperamos que esse trabalho sirva de incentivo para a constante reflexão do movimento de reforma psiquiátrica e para a necessidade de mantê-lo ativo sempre enquanto debate, pois é preciso saldar parte das dívidas criadas por uma sociedade injusta, que via a loucura como uma dimensão desconhecida, perigosa e afastada de direitos, obrigações e relações sociais.

Palavras-chave: saúde mental, análise crítica de discurso, enfermagem.