60ª Reunião Anual da SBPC




G. Ciências Humanas - 9. Sociologia - 6. Sociologia Urbana

A NOVA DESIGUALDADE E MEMÓRIA: FAVELA DO BECO DE SOUSAS EM CAMPINAS (SP)

Doraci Alves Lopes1, 2
Juliana Daros Carneiro1

1. PUC-CAMPINAS
2. Profa. Dra.


INTRODUÇÃO:
Esta é uma discussão sobre ‘desigualdade sociais’ a partir de um estudo sobre trabalhadores, antigos moradores da Favela do Beco, distrito de Sousas, em Campinas (SP). O objetivo é contribuir para uma discussão sobre a história da cidade e do distrito, levando-se em conta as práticas sociais de transmissão de valores morais e éticos dos moradores idosos da favela do Beco, principalmente sobre o mundo do trabalho e da cultura do habitar. Está situada em uma região de alto poder aquisitivo às margens do rio Atibaia, em área de proteção ambiental. Primeiramente, desenvolvemos uma discussão crítica em torno do conceito de ‘exclusão social’ e da ‘nova desigualdade’ para analisar os depoimentos orais e o material documental. As questões da memória e da história oral foram aprofundadas e entendidas como importantes instrumentos de construção e reconstrução sociais de identidades coletivas e individuais. A análise nos levou a indagar sobre as possibilidades ou limites dos processos de transmissão de valores éticos e morais das gerações mais velhas de trabalhadores para os jovens, em uma sociedade marcada por um profundo ‘apartheid’ sócio-espacial e a chamada ‘nova desigualdade’ do capitalismo contemporâneo no Brasil.

METODOLOGIA:
Como metodologia, destacamos a história oral, o levantamento bibliográfico e documental. Por ultrapassar o tempo de vida individual, a memória, através de entrevistas, nos permitiu levantar tradições e representações sociais sobre intensas mudanças no espaço vivido da favela e do distrito. A favela tem 170 moradores e 34 famílias (Programa Paidéia do Posto Saúde Sousas, março 2008). A metodologia da pesquisa documental, por sua vez, tem o propósito de explorar fontes documentais sobre o distrito e a população estudada, cuja visibilidade na história social de Campinas é muito limitada. A pesquisa se preocupou em levantar novas fontes documentais sobre as classes trabalhadoras da favela e do distrito. A intenção é colaborar para uma pluralidade de interpretações da história social, valorizando o patrimônio cultural da cidade e do distrito. Para interpretar os dados nos baseamos em uma bibliografia sobre o conceito de ‘desigualdade social’ que desmistifica o uso generalizado e inútil do conceito de ‘exclusão social’. Esta problemática social nasce com a sociedade capitalista que tem por lógica desenraizar, excluir e reincluir populações inteiras em outra condição social, porém em modos de vida, mais precários, instáveis, com novas dificuldades, sob mercê da lógica do mercado.

RESULTADOS:
A formação de alguns dos bairros mais antigos de Sousas, como o Jd. Belmonte e o centro do distrito são de descendentes de europeus, italianos em sua maioria, vindos para o trabalho rural. A favela do Beco, por sua vez, foi formada por ex-colonos de outros Estados e da própria região, vindos do campo devido ao processo de modernização agrícola, a partir dos anos 1960. Em Sousas, foram obrigados a pagar aluguel, até que não puderam mais, indo para a favela. O que chama atenção nos depoimentos dos trabalhadores é a intensa mobilidade de emprego de uma fazenda para outra, além de vários outros tipos de trabalhos realizados tanto no campo, como na cidade. Atualmente, estes idosos estranham as intensas transformações urbanas do distrito, lugar de expansão de condomínios fechados, com migrações de alto e baixo poder aquisitivo. Percebem, preocupados, situações contínuas de degradação social e moral. Convivem com antigos e novos problemas, como as constantes enchentes do rio Atibaia desde os anos de 1970; promessas de uma solução habitacional municipal que não se realiza; o desemprego dos mais jovens; a proximidade com a violência e as drogas. Não compreendem o longo tempo para os jovens obterem um emprego, ou arranjar outro, assim como condenam as soluções ilícitas de sobrevivência.

CONCLUSÕES:
Este processo, como sabemos, é resultado de segregações sócio-espaciais mais amplas das metrópoles brasileiras e latino americanas, fruto da dinâmica de economias globalizadas, que contribui para o agravamento da chamada ‘nova desigualdade social’. Os mais jovens vivenciam esta realidade sem terem participado do processo histórico de formação da favela do Beco e de Sousas, de um mundo de trabalho e de moradia que eram baseados em outros valores de sociabilidade, o que tornam as experiências de vida de velhos e jovens cada vez mais distintas entre si. Colocá-los todos sob o rótulo de ‘exclusão social’ não colabora em nada para o entendimento desta realidade concreta. Neste contexto, o distanciamento entre gerações e as mudanças em andamento podem estar indicando que a memória social como instrumento de construção e transmissão de identidades sociais e individuais, esteja adquirindo um significado completamente diferente, inclusive na Escola. É preciso repensar os estudos sobre a memória do ponto de vista da ‘nova desigualdade’, para que antigas e novas visões de mundo sejam confrontadas e entendidas culturalmente. Quer dizer, as questões sociais da segregação sócio-econômica e sócio-espacial devem ser pensadas em conjunto com a degradação moral dos modos de vidas.

Instituição de fomento: Pró-Reitoria Pesquisa - FAPIC

Trabalho de Iniciação Científica

Palavras-chave:  nova desigualdade social, memória, favela

E-mail para contato: doracilopes@hotmail.com