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Ciência como Política: petróleo e matriz energética na proliferação dos híbridos da Modernidade.
Adélia Miglievich Ribeiro
Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF)
 

& Márcia Mérida Aguiar (CCH-UENF)

O petróleo como matriz energética da modernidade assenta-se na crise mesma de um recurso que é explorado como se fosse inesgotável e despojado de consequências sobre a deterioração de formas de vida em sociedade. Trata-se este de uma fonte natural duplamente híbrida: no sentido substantivo, posto que seu processo de formação mineralógica dá-se envolvendo componentes orgânicos e inorgânicos em rochas sedimentares; no sentido estritamente epistemológico, o petróleo é híbrido por exigir, em acordo com Latour (1994), a convergência dos saberes das ciências da natureza, das ciências da sociedade e dos discursos no equacionamento de questões humanas fundamentais nele contidas. A hibridez do petróleo é aqui tomada como mote para a análise da crise das ciências modernas.

Trazemos à tona o debate acerca das novas relações que refundam a compreensão das coletividades, negando os pares dicotômicos sociedade/natureza, irracionalidade/racionalidade, dentre outros.

Em razão da centralidade da questão energética para a sociedade moderna e dos dilemas físicos (limites à renovabilidade), ambientais (impactos decorrentes de contaminações e alterações climáticas), sócio-econômicos (estrutura econômica volátil e especulativa das relações produtivas referentes ao petróleo, concentração de renda, aumento da miserabilidade) e geopolíticos (disputa e controle da exploração e distribuição do petróleo na forma de grandes conflitos mundiais), afirmamos a dimensão política das ciências do petróleo.

Os novos tempos em sua demanda pela produção de saberes híbridos denunciam a fragilidade, pois, da modernidade constituída e propõem possibilidades de transgressão do modelo de racionalidade hegemônica (rentabilidade e pulsão aquisitiva), assim como suscitam novas perspectivas de inteligibilidade da vida por meio das múltiplas linguagens científicas. Com base na arquitetura conceitual da “teoria crítica pós-moderna” de Boaventura de Sousa Santos no diálogo com Bruno Latour em “Jamais fomos modernos” tomamos o ato de produzir conhecimento na perspectiva de política epistemológica, isto é, na percepção do caráter civil da modernidade que traduz os pressupostos da reforma latouriana, isto é, o reconhecimento da possibilidade de novos acordos civis com base nos saberes híbridos que redefinam as assimetrias entre as ciências e sustentem inéditas formas de inteligibilidade da realidade e suas múltiplas dimensões.

Os híbridos afetam-nos como problemas humanos e ambientais e as partições tradicionais da ciência permitem sua franca proliferação. A modernidade constituída é a expressão da irrealização (ou irrealidade) das promessas da modernidade, com destaque às ciências modernas, fincadas num modelo de rupturas que nunca aconteceram de fato e acabaram se revelando incapazes de cumprir o novo que anunciavam.

A crise ecológica que permeou e permeia sistemas econômicos antagônicos tais quais o capitalismo e o socialismo compromete radicalmente a própria existência humana na Terra, tendo derivado da degradação dos resultados das ciências. Urgem novos arranjos na ciência capazes de problematizar e superar crises. Eis o apelo aos saberes híbridos.

Souza Santos também investiga a falência da modernidade observando sua racionalidade estruturante, a razão indolente, cujo resultado é a “produção da não existência”, ou seja, de ausências que denunciam carências não passíveis de serem superadas no modelo da racionalidade hegemônica. A razão indolente é, impotente e arrogante, definine-se pelo desperdício da experiência.

Nossa pesquisa verificou que as ciências do petróleo, especializadas, motivadas pela lógica produtivista, da monocultura e rigor do saber e do tempo linear, da classificação social e da escala dominante reproduzem as fracassadas promessas da modernidade e são exemplares da impotência na composição de acordos civis que permitam o enfrentamento dos híbridos, no caso, a questão energética na sociedade moderna.

O reconhecimento da crise não significa, porém, a adesão à tese do colapso da modernidade mas a atenção ao dinamismo risco/possibilidades, ratificando um dos aspectos políticos da atividade científica que, por meio da sociologia das ausências e da sociologia das emergências, busca tornar a crise das ciências inteligível e propor sua superação sob a ótica do possível. É em função do exame acurado que a sociologia das ausências e das emergências nos instrumentaliza a fazer acerca da complexidade da realidade que podemos concluir que jamais fomos modernos, quer países do sul quer do norte.

Palavras-chave: Petróleo; híbridos; energia.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006