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MATERNIDADE E ABORTO – QUESTÃO DE DIREITO?
Maria Jose Fontelas Rosado Nunes
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP)
 

Pós Graduação em Ciências da Religião (PUC/SP)

Nos últimos dois anos, o movimento de mulheres no Brasil mobilizou-se de forma significativa em torno da questão do aborto. Um dos avanços mais significativos alcançados por essa mobilização foi o fato de o tema ter se tornado objeto de debate nacional. Relegado a um silêncio que já foi classificado como verdadeiro tabu, tal o nível de ocultamento das práticas e das idéias relativas ao aborto, desde 2004 a mídia brasileira, falada e escrita, tem apresentado, em nível nacional, importante espaço para tal questão. Saliente-se que, nesse período, uma Conferência Nacional, que reuniu milhares de mulheres de todo o país em Brasília, definiu como uma de suas conclusões instar o governo a tomar medidas que levassem a mudanças na legislação atual sobre o aborto. A partir daí, constituiu-se uma comissão para analisar a atual situação do Código Penal em relação ao aborto e propor uma legislação favorável à realização dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos das mulheres. Em concreto, isso significa – ou significaria – a proposição da legalidade do aborto. Do capítulo dos crimes, este passaria ao dos direitos, constituindo-se, assim, em objeto de políticas públicas específicas e de reivindicações políticas, uma vez que passaria a situar-se no campo da realização da cidadania. Ora, ainda parece estranho pensar sexo e reprodução nesse campo, uma vez que sempre foram pensados como da área estritamente privada, da decisão individual e dos julgamentos ditos de foro íntimo.

A possibilidade de mudanças no modo de pensar estas questões tem grande importância, especialmente considerando-se que, em nossas sociedades latino-americanas, há uma associação extremamente arraigada da maternidade ao respeito do “ciclo natural da vida”, e do aborto à decisão individual. Essa associação é imediatamente valorativa, tendo a aceitação, sempre “natural”, da maternidade um peso positivo e a escolha pela interrupção do processo gestacional, um peso negativo. Aborto e maternidade são tratados, assim, como pólos opostos da vida humana, da vida das mulheres. Proponho uma aproximação do aborto e da maternidade, pensados como resultado de decisão e escolha, tão livre quanto possível. Essa pode ser uma outra maneira de se falar de direitos, de direitos sexuais e de direitos reprodutivos. Talvez seja uma forma de cruzarmos o campo político da cidadania, com o campo da ética, da moral, falando de escolhas e de decisões. Talvez tenhamos aí elementos para enfrentar de maneira adequada as forças fundamentalistas que hoje parecem querer minar as bases de uma sociedade justa, pluralista e democrática.

Teço três considerações importantes: a primeira trata do sentido humano do ato de gerar; a segunda considera a necessidade do reconhecimento do agenciamento moral pleno das mulheres e a terceira propõe a compreensão do aborto nesse mesmo quadro. Finalizo considerando a necessidade de legislações e de políticas públicas que permitam a efetivação do exercício da sexualidade e das funções reprodutivas, em um quadro de respeito aos direitos de cidadania.

Palavras-chave: maternidade; aborto; .
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006