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Questões relativas à responsabilidade ética de cientistas e tecnólogos
Pablo Ruben Mariconda
Universidade de São Paulo (USP)
 

Prof. Titular de Teoria do Conhecimento e Filosofia da Ciência - USP

1. A apresentação que farei está organizada em torno de três pontos principais. O primeiro diz respeito a certo “lapso cultural” que está presente na concepção corrente de ética e que era evidente no primeiro título sugerido para esta mesa (“Ética, Ciência e Filosofia”). Esse lapso, bastante usual em nossos dias, consiste em separar a Ética da Filosofia, em considerar a ética como um campo autônomo ou uma disciplina especializada, separada da filosofia. É claro que a filosofia, enquanto disciplina universitária, não esteve alheia ou imune à onda de especialização que varreu as ciências ditas particulares. Mas a filosofia, enquanto tal, é o domínio por excelência da integração, da não-fragmentação e, em especial, da crítica aos limites dos conhecimentos particulares. Isso nos obriga, de certo modo, a recolocar o alcance da reflexão ética e sua necessária ligação com o pensamento filosófico crítico.

Importará aqui assinalar a profunda relação existente entre a técnica e a natureza humana e a repercussão ética dessa relação. Os humanos têm uma natureza que é tal que ela se modifica por sua própria ação. Parte das ações humanas são evidentemente valorativas, embora mesmo as automáticas (naturais e universais da espécie) se realizem num contexto amplamente determinado pela cultura e por práticas sociais, de modo a estarem integrados em um amplo contexto valorativo.

2. O segundo ponto corresponde ao levantamento de questões relacionadas à responsabilidade social de cientistas e tecnólogos, postas pelo estágio atual do desenvolvimento científico e tecnológico. Essas questões são, até certo ponto, conseqüências da “consideração objetiva” dos valores que os concebe como incorporados nas instituições sociais e manifestando-se nas práticas sociais dessas instituições.

Até que ponto as regulamentações relativas aos direitos de propriedade intelectual (DPI) ferem o princípio da universalidade do acesso ao conhecimento científico? A proteção (o segredo) de inovações tecnológicas, propiciadas por patentes que garantem a exclusividade da produção e da comercialização de artefatos tecnológicos, pode ser garantida pela suposta neutralidade da ciência? Garantir o direito de propriedade do conhecimento é compatível com a necessária eqüidade da distribuição dos produtos desse conhecimento? Em suma, há lugar para a ética, entendida objetivamente como justiça distributiva, em uma sociedade cada vez mais organizada em função dos grandes negócios técnico-científicos? A conjunção entre verdade, utilidade e lucro é compatível com o bem e com a justiça social?

3. O terceiro ponto consiste em um breve diagnóstico da situação ética vigente tendo em vista esclarecer as questões relativas à responsabilidade ética de cientistas e tecnólogos.

Digamos que a situação ética da humnidade é de indigência total, de abandono total é que a imagem da condição humana pode ser assimilada a um monstro disforme e contraditório: gigante no conhecimento, e anão no senso moral. De todo modo, o diagnóstico se faz de uma perspectiva contrária à subjetivização e psicologização dos valores éticos, pondo-se da perspectiva dos valores efetivamente incorporados e que sejam a expressão da valorização da condição humana, valores tais como os de dignidade, eqüidade, cooperação etc. e que, ao mesmo tempo, favoreçam a integração ecológica (natural) do humano.

Em termos efetivos, dada a possibilidade, bastante real, de um profundo impacto na própria natureza humana como decorrência da aplicação imediata e uso intensivo de produtos gerados pelo novo paradigma produtivista de inovação tecnológica, em particular, pela biotecnologia e pela nanobiotecnologia, justifica-se a aplicação do “princípio de precaução” e o bloqueio do uso imediato intensivo de grande parte das inovações tecnológicas que possuem avaliação de riscos insuficientes.

Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006