IMPRIMIR VOLTAR
A importância das políticas de crédito para os negócios da agricultura familiar
Fábio Luiz Búrigo
Ministério do Desenvolvimento Agrário (Consultor/MDA)
 

O trabalho discute a evolução das políticas oficiais de crédito para a agricultura familiar. Diante das novas estratégias institucionais do meio rural brasileiro, a preocupação é buscar formas para incrementar a participação da agricultura familiar nos mercados, visto a sua magnitude econômica e importância social. Em termos metodológicos toma como base os dado da tese de doutorado do autor, especialmente no que se refere as análise a respeito das ações do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e as perspectivas de maior envolvimento das cooperativas de crédito rural nas políticas ligadas ao setor.

Estudos realizados pela Universidade da São Paulo indicam que, em 2003, embora dispondo de menos de 30% da área total, os estabelecimentos familiares foram responsáveis por cerca de 38% do valor bruto da produção agropecuária nacional. Tal estudo informa ainda que as cadeias produtivas da agricultura familiar brasileira contribuíram com cerca de 10% do PIB nacional.

Criado em 1995, o Pronaf apresentou crescimentos anuais praticamente constantes, tanto em termos de recursos quanto de público beneficiado, tendo sofrido pequenos declínios em 1999 e em 2005. No Governo Lula, houve uma expansão orçamentária e mudanças no gerenciamento do Programa. Assim, os contratos do Pronaf, que estavam perto de 800 mil, em 2000, passaram para mais de 1,61 milhão em 2004, e os recursos aplicados saltaram de R$ 1,83 bilhão para R$ 5,57 bilhões. Em 2005 houve um pequeno recuo, tendo sido aplicado R$ 5,58 bilhões, embora o governo tenha disponibilizado R$ 7 bilhões.

Depois de mais de dez anos de atuação percebe-se que o Pronaf (re)valorizou a agricultura familiar, ajudando a demonstrar que boa parte da produção e da riqueza gerada no campo brasileiro vem desse segmento. Contudo, o Pronaf está longe de atingir o universo dos que vivem no campo, pois ele financia apenas 27% dos 4,1 milhões de estabelecimentos rurais familiares do país, sendo que este percentual não se dá de forma equilibrada em termos espaciais, nem beneficia grandes contingentes dos estratos mais carentes da população rural.

O Pronaf-Crédito sempre enfrentou dificuldades em razão da falta de tradição e de interesse das organizações bancárias em atender o público menos capitalizado. Em certos locais, onde não existem cooperativas de crédito, os movimentos sociais fecham acordos com o BB, para estender a ação do Programa. Muito se discute sobre os entraves burocráticos do Pronaf-Crédito. O número muito grande de rubricas significa que o seu gerenciamento vai ficando mais complexo.

Outra crítica é que o Pronaf sofre, ao menos parcialmente, dos mesmos problemas já ocorridos em programas de crédito rural do passado, em que a prioridade dos financiamentos se transferia aos agricultores mais capitalizados. A falta de tradição no relacionamento dos bancos operadores com as comunidades rurais e com os agricultores empobrecidos também dificulta a análise de risco dos créditos de menor valor e a pulverização dos recursos. Apesar das operações do Pronaf serem efetuadas na forma de financiamentos (retornáveis) e de sua inadimplência ser baixa, sabe-se que os custos do Estado com o Programa estão se elevando ano a ano.

Observa-se que o BB continua sendo o grande responsável pelas aplicações do Pronaf no país, aliás, como ocorre desde o seu surgimento. Por outro lado, são recorrentes as análises que demonstram que o Pronaf chega mais facilmente nas mãos dos seus potenciais beneficiários onde há mais capital social engajado no processo. Isso se traduz numa rede social local articulada e disposta a estabelecer parcerias com os agentes financeiros. Esse papel é otimizado pelas cooperativas de crédito, pois além de receber o crédito, os agricultores de baixa renda (que não fazem parte do público de interesse dos bancos) podem se integrar a uma organização capaz de lhes prestar outros serviços financeiros, estabelecendo assim um relacionamento mais promissor tendo em vista suas necessidades financeiras. O Pronaf é visto também como instrumento gerador de círculos virtuosos nas cooperativas de crédito, potencializando o seu funcionamento pela atratividade que exerce junto aos agricultores, o que acaba tendo também reflexos positivos em termos de impacto dos seus recursos no desenvolvimento da comunidade.

Verifica-se que, exceto em 2000 e 2005, as cooperativas vêem elevando sua participação no Pronaf, tanto em valores absolutos quanto em valores relativos. Todavia, a velocidade de crescimento dos recursos aplicados varia em cada agrupamento de cooperativas. Percebe-se que as cooperativas crédito de modelo solidário aplicam mais recursos do Pronaf do que as tradicionais, ligadas ao Bancoob e o Bansicredi. A parceria entre as cooperativas de crédito com outros fundos de desenvolvimento é um exemplo interessante e promissor diante das necessidades financeiras dos mais pobres e das comunidades rurais em que atuam. Este é o caso dos programas de microcrédito do BNDES e o do Programa Social Habitacional (PSH), operados pelos Sistemas Cresol e Crehnor. Para se atuar no combate da pobreza rural via o emprego das finanças não basta oferecer novos serviços de crédito. As organizações financeiras precisam dispor de outros serviços financeiros para os pobres, notadamente formas adaptadas de poupança e modalidades de seguros, que sejam focadas nas necessidades do seu público beneficiário.

A sinergia que permitiu o uso crescente dos recursos do Pronaf pelas cooperativas não significa que os problemas já observados no funcionamento dos mecanismos de negociação (especialmente no caso do BB) estejam superados. As incertezas de que haverá melhorias no relacionamento nos próximos anos, indica que o formato atual de distribuição de recursos do Pronaf junto às cooperativas precisa ser reformulado. Quando fortalecem sua relação com as cooperativas de crédito rural solidárias, programas governamentais de crédito têm mais chances também de quebrar os circuitos financeiros informais negativos. Quando o Pronaf é viabilizado via as cooperativas de crédito solidárias, demonstra, por exemplo, que os agricultores de baixa renda são capazes de honrar seus compromissos financeiros quando estes estão a seu alcance, embora não se deva fazer disso uma característica cultural universal.

O trabalho conclui que a relação entre as cooperativas de crédito e o Pronaf não pode basear-se apenas em esquemas tradicionais de financiamento, cabendo espaço à adaptação, à criatividade e as inovações institucionais. Por vezes, mesmo em regiões mais desenvolvidas do país, a luta pelo crédito do Pronaf se torna sinônimo de uma luta pela cidadania. É preciso criar novas formas de fazer o crédito e a poupança local produzirem negócios, desenvolvimento e sustentabilidade e atenderem os setores de baixa renda. A chave disso está, muitas vezes, em buscar igualmente soluções para problemas extra-econômicos, pois muitas pessoas continuam distantes dos financiamentos devido a problemas de natureza estrutural que se sobrepõem às questões técnicas ou econômicas.

Por outro lado, não se deve estimular uma dependência das cooperativas aos recursos externos, como os oriundos do Pronaf. Para alcançar estabilidade financeira, as cooperativas de crédito precisam reforçar a capacidade de captação de depósitos, de criação de novos produtos, e de desenvolver estratégias mais apropriadas para atuar em projetos de desenvolvimento local.

Palavras-chave: agricultura familiar; ; .
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006