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Semeando interdisciplinariedade em Engenharia Biomédica: vital como respirar
Henrique Takachi Moriya
Universidade de São Paulo (USP)
 

Laboratório de Engenharia Biomédica – LEB
Departamento de Telecomunicações e Controle – Escola Politécnica – USP

Muito mais do que uma semente, a interdisciplinariedade em Engenharia Biomédica é, hoje, um fruto vital para as atividades desta área. A própria etimologia nos faz lembrar da união de palavras relacionadas a áreas, a princípio, distintas. Entretanto, o neologismo interdisciplinariedade leva a diversas interpretações que, apesar de distintas, podem compor um mosaico onde não há conceitos absolutos. Uma das possíveis interpretações deste neologismo em uma das diversas áreas da Engenharia Biomédica será assunto deste texto.

A Engenharia Pulmonar é a denominação utilizada para o ramo da Engenharia Biomédica que contribui com atividades de estudo e pesquisa do sistema respiratório dos seres vivos. Este ramo realiza pesquisas e estudos nas áreas de fisiologia e fisiopatologia pulmonar, medicina intensiva, fisiologia do esforço, instrumentação e transdutores aplicados à pesquisa respiratória, engenharia clínica, bioengenharia do sistema respiratório, ensaios de equipamentos para avaliação de desempenho entre outras áreas.

Este ramo da Engenharia Biomédica tem se desenvolvido bastante nos últimos anos e vem encontrando aplicações em pesquisas sobre doenças pulmonares, tais como asma, enfisema, SDRA (Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo) entre outras. Além disso, a Engenharia Pulmonar tem contribuído na implementação de novas técnicas de provas de função pulmonar, tais como a utilização da técnica de oscilações forçadas. Utilizando-se conceitos oriundos da Engenharia Pulmonar, novas técnicas de ventilação mecânica são propostas e novos métodos de monitorização de pacientes sob assistência ventilatória mecânica são empregados. Novas drogas são testadas utilizando técnicas da Engenharia Pulmonar para interpretação de dados obtidos com animais de laboratório.

Estes desenvolvimentos alcançados em Engenharia Pulmonar não poderiam ser obtidos apenas com o trabalho de engenheiros biomédicos. A cooperação de profissionais de diversas áreas do conhecimento é imprescindível para este ramo do conhecimento. Os artigos publicados nessa área são, na grande maioria das vezes, resultados de projetos interdisciplinares e apresentam diversos autores de diferentes áreas, tais como: engenheiros biomédicos, médicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, enfermeiros entre outros.

No Laboratório de Engenharia Biomédica (LEB) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, pesquisas na área de Engenharia Pulmonar são realizadas em conjunto com diversos outros centros de pesquisa que possibilitam a utilização de recursos que ainda não fazem parte do dia a dia da maioria dos engenheiros biomédicos no Brasil, como, por exemplo, um acesso livre a um biotério ou a uma Unidade de Terapia Intensiva. Estas pesquisas em conjunto, além de suprir necessidade de infra-estrutura, também proporcionam um aprendizado mútuo que apenas a interdisciplinariedade poderia prover.

O Laboratório de Investigação Médica número 20 (LIM 20) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo coordenado pelo Prof. Dr. Mílton de Arruda Martins é um dos parceiros do LEB em pesquisas na área de Engenharia Pulmonar. No LIM 20, modelos matemáticos para avaliação da mecânica respiratória são aplicados em roedores em diversos estudos sobre a fisiologia respiratória e os resultados obtidos são analisados em cooperação pelas equipes do LEB e do LIM 20. A equipe do LEB é composta por engenheiros biomédicos e estudantes de engenharia elétrica. A equipe do LIM 20 é formada por médicos, biólogos, farmacêuticos e fisioterapeutas. Já foram realizados estudos sobre modelos animais de asma, onde a cooperação entre os profissionais do LEB e do LIM 20 levou a um melhor entendimento sobre os mecanismos desta doença em relação a parâmetros da mecânica respiratória, tal como a dependência em freqüência da resistência e complacência do sistema respiratório devido ao caráter multicompartimental do sistema respiratório asmático. Atualmente estão sendo realizadas pesquisas em modelos animais de enfisema e uma nova técnica de avaliação, a estimação da Capacidade Residual Funcional (CRF) de roedores, está sendo testada para contribuir com estas pesquisas.

Avaliações realizadas no LEB em transdutores de oxigênio, dióxido de carbono e pneumotacógrafos auxiliaram em uma melhor compreensão das possíveis fontes de erro em pesquisas sobre a fisiologia do esforço que foram realizadas em parceria com a Faculdade de Educação Física da Universidade de São Paulo.

Comprovou-se que os parâmetros de mecânica respiratória fornecidos pela grande maioria dos equipamentos de assistência ventilatória mecânica não são confiáveis devido ao mau posicionamento dos transdutores. Esta comprovação só foi possível devido a realização de pesquisas que envolveram o monitoramento de pacientes em Unidade de Terapia Intensiva e que foram realizadas em cooperação com o Fletcher Allen Hospital da University of Vermont e com o Hospital do Câncer da Fundação Antônio Prudente.

Graças a interação de grupos de áreas distintas, os grupos do LEB e do Setor de Pneumologia Pediátrica da Universidade Federal de Uberlândia, foi proposto um novo filtro utilizado em exames de função pulmonar. Este filtro pode vir a baratear o custo de uma espirometria facilitando o acesso a esse exame para pacientes carentes.

Nossa experiência nos leva a crer que o engenheiro biomédico necessita do auxílio de profissionais da área da saúde para poder propor soluções e novas técnicas que efetivamente venham a auxiliar o diagnóstico e tratamento de doenças pulmonares. Os profissionais da área da saúde necessitam do auxílio do engenheiro biomédico para poder utilizar de forma mais ampla a tecnologia existente, ou mesmo propor novas tecnologias, para o diagnóstico e tratamento de doenças que acometem o sistema respiratório.

Quando ocorre a falta de interdisciplinariedade nos projetos de Engenharia Pulmonar, observa-se, na maioria das vezes, ou a falta de uma aplicação prática ou a má utilização dos recursos existentes. Assim, a falta do fruto interdisciplinariedade leva a um crescimento distorcido dessa área da Engenharia Biomédica.

Palavras-chave: interdisciplinaridade; engenharia biomédica; engenharia pulmonar.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006