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HABITAÇÃO E A CIDADE SUSTENTÁVEL
Angela Maria Gabriella Rossi
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
 

Professora da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro

1. INTRODUÇÃO Dentre os desafios da Construção Sustentável, conceito que vem sendo elaborado à medida que se desenvolvem estudos analíticos e práticas sobre como a indústria da construção civil deve se reestruturar para contribuir para o desenvolvimento sustentável de nosso país, destaca-se, por ser um tipo de edificação destinada a atender a uma necessidade fundamental para a vida humana, a habitação. Uma edificação de uso habitacional, assim como ocorre com as edificações destinadas a outros usos, pode ser produzida segundo os princípios da construção sustentável e com isso contribuir tanto para a melhoria da qualidade de vida do usuário final quanto para a qualidade do ambiente. Do ponto de vista social, a habitação exerce influência na cidade na medida em que as atividades humanas possam ser realizadas de forma equilibrada, permitindo uma vida cotidiana o mais saudável possível. O termo “habitação” ou “moradia” extrapola os limites do espaço individual e traduz-se na relação bem-sucedida deste com o espaço coletivo. Do ponto de vista urbano, habitação é um sistema. Assim como são sistemas as redes que permitem a realização das atividades cotidianas acima mencionadas: a infra-estrutura de saneamento básico, os serviços de saúde, educação, comércio, oferta de trabalho, esporte e lazer, além de uma rede viária que permita a eficiente mobilidade de pessoas e de veículos privados e coletivos. Pelo fato da vida cotidiana girar em torno da habitação, é que a busca pela cidade sustentável depende, em boa parte, do bom funcionamento de cada um desses sistemas e da integração entre os mesmos. O marco temporal que firmou o propósito de orientar o desenvolvimento das cidades sob a ótica da sustentabilidade remonta à criação da Agenda 21, documento que estabelece os princípios para atingir o desenvolvimento sustentável, assinado pelos países participantes da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente, realizada no Rio de Janeiro, em 1992. A partir desse momento, várias redes internacionais de municipalidades, principalmente européias, articularam-se para por em prática os princípios da Agenda 21 sob forma de orientações práticas. Para os países centrais, possuidores de um padrão econômico elevado, tornou-se urgente a tarefa de perseguir o desenvolvimento sustentável, uma vez que o aumento global da taxa de território urbanizado tem levado ao aumento dos gastos energéticos, das fontes de poluição, do consumo de área construída e, conseqüentemente, se não forem tomadas providências adequadas, os danos ao ambiente se multiplicarão, provocando problemas no padrão econômico e social. Para os países periféricos e semi-periféricos, como o Brasil, o crescimento urbano acelerado tem provocado, historicamente, uma série de pressões de ordem social, econômica e ambiental. Na maioria das cidades desses países, a taxa de crescimento econômico não acompanhou a taxa de urbanização, criando assim uma população em sua maioria com renda insuficiente para pagar pelos serviços, elevando dessa forma os custos operacionais da cidade, que por sua vez, não podem ser cumpridos, desencorajando investimentos pelo setor privado. Nesses casos, os governos locais não conseguem responder rapidamente a essa demanda, o que faz com que a população encontre suas próprias soluções, geralmente ilegais, gerando áreas precárias e superpopulosas. Essas condições precárias de moradia, somadas ao desemprego, contribuem para elevar a taxa de criminalidade nas áreas urbanas. As áreas urbanas são também responsáveis por concentrar o impacto ambiental causado pelos assentamentos humanos. Nos países centrais, as causas são o alto consumo de recursos naturais ocasionado pelo alto padrão dos serviços, além da diminuição da quantidade de solo não edificado e da biodiversidade. Nos países periféricos e semi-periféricos, os danos ao ambiente são provocados, no caso da moradia, pela falta de saneamento básico e pela poluição da água dos rios, além de medidas de conservação ambiental insuficientes e ineficientes no monitoramento da ocupação do solo urbano. Diante do quadro acima exposto, têm crescido os estudos e práticas, voltados à busca de soluções para a melhoria das condições habitacionais e urbanas no mundo. No que tange à habitação, cabe lembrar que, em 1996, a Conferência das Nações Unidas sobre os Assentamentos Humanos, a Habitat II, estendeu o conceito de desenvolvimento sustentável à realidade dos assentamentos humanos, sob o conceito da sustentabilidade urbana, pela constatação da situação habitacional e urbana dramática em que se encontra uma considerável parte da população dos países periféricos e semi-periféricos, como o Brasil. 2. SITUAÇÃO ATUAL DO DESENVOLVIMENTO URBANO BRASILEIRO O Brasil hoje sofre intensamente as consequências da ocupação desordenada de seu território que, como se sabe, apresentou nos últimos 50 anos, uma das maiores taxas de urbanização do mundo, e onde a falta de políticas públicas eficientes e bem articuladas entre si, assim como de um planejamento adequado para as cidades, regiões, ou melhor, para o próprio país, tem impedido o acesso à habitação para a maioria da população e tem causado vários problemas urbanos, como o aumento do número de favelas, uma rede caótica de transportes coletivos, poluição de rios, lagos e praias pela falta de saneamento. O retrato genérico de nossas cidades revela a segregação sócio-espacial, onde a camada mais abastada da população reside em condomínios habitacionais dotados de espaços de lazer em área particular protegida por sistemas privados de segurança, e a população de baixa renda, quando não consegue ter acesso à moradia no mercado imobiliário privado, e por falta de subsídios públicos para a moradia de baixa renda, não encontra outra alternativa a não ser ocupar ilegalmente áreas livres, privadas ou públicas, causando o aumento da favelização nas cidades, hoje provocada pelo empobrecimento da população. Esta população, por sua vez, na maioria das favelas, sofre o domínio de grupos ligados ao narcotráfico. Pobreza e violência somam-se aos demais problemas urbanos. Em resumo, a situação de nossas cidades, principalmente das maiores, aquelas que aparentemente oferecem maiores oportunidades de trabalho, está insustentável, e o caos urbano instalado, somente será minimizado a longo prazo, se houver uma mudança significativa na estrutura política, econômica e social do país, sem falar na diminuição das forças que atuam contrariamente aos interesses públicos. 3. PERSPECTIVAS PARA TENTAR REVERTER O QUADRO ATUAL Na esfera federal, embora o quadro acima descrito seja dramático, a esperança na melhoria da situação habitacional e urbana brasileira apóia-se no marco legal, a partir da inclusão do tema urbano na Constituição Federal de 1988, seguido de sua regulamentação com o Estatuto da Cidade em 2001, e no marco institucional, a partir da criação do Ministério das Cidades, que se propõe a desenvolver e implementar uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano – PNDU. Na esfera municipal, o próprio Estatuto da Cidade, por ter conferido às municipalidades maior autonomia decisória e por ter exigido das mesmas a realização de Planos Diretores, se não resolvem a situação de imediato, ao menos têm levado a um rompimento da inércia até então existente, assim como têm despertado, mesmo que timidamente, a sociedade civil para a importância de sua mobilização e participação nos rumos do desenvolvimento urbano, e, mais ainda, como uma forma de garantir a continuidade da realização do projeto da cidade. Fica, porém, a incógnita sobre a articulação das esferas municipal e estadual, que em alguns Estados brasileiros representa um freio significativo ao desenvolvimento não somente urbano, mas também econômico, agravando a situação. Em termos de programas e projetos, existem dois principais eixos temáticos a tratar que podem contribuir para a sustentabilidade habitacional e urbana: a) o tema relacionado aos projetos de expansão do parque habitacional seja de que renda for, e b) o tema relacionado os projetos de recuperação da cidade existente. No primeiro caso, tratando-se de habitações novas, os investidores privados devem implementar os princípios da Construção Sustentável, desenvolver conhecimento e tecnologia, e o poder público deve orientar o desenvolvimento urbano segundo os princípios da Agenda 21. No segundo caso, destacam-se duas linhas de ação: a) a reurbanização das favelas e b) a reabilitação dos centros urbanos. A reurbanização de favelas é uma linha de ação que tem tido bons resultados nas principais metrópoles brasileiras, onde o contingente populacional alcançou proporções que tornam a remoção economicamente e socialmente impraticável. Essa linha de ação se baseia principalmente na provisão de saneamento básico, sistema viário, e projetos sociais de assistência ás famílias e de geração de emprego e renda. O maior problema reside na dificuldade de emitir títulos de propriedade às famílias, devido às dificuldades encontradas na regularização fundiária, e na dificuldade de estancar o crescimento da favela urbanizada. A revitalização urbana é a linha de ação que tem como objetivo, além da recuperação do patrimônio cultural, o repovoamento dos centros urbanos, cujo esvaziamento foi provocado pelo deslocamento de atividades industriais, comerciais ou portuárias, dependendo da cidade, para outras áreas. O esvaziamento provocou degradação e conseqüente deseconomia urbana. Esse repovoamento somente será conseguido com a reabilitação de edifícios para uso habitacional e trata-se de uma oportunidade para prover moradia de baixa renda em uma área com infra-estrutura. Uma outra perspectiva de ação passa ao largo das problemáticas metropolitanas e se concentra no desenvolvimento das cidades de pequeno é médio porte, que ainda podem evitar os erros cometidos nas grandes cidades, se passarem a implementar, desde já, um modelo de planejamento segundo os princípios da Agenda 21, levando em consideração, como foi mencionado anteriormente, a integração da cidade com seus sistemas habitacional, de redes de infra-estrutura e de serviços, segurança pública e mobilidade urbana, e destes com o grande sistema regional, onde pessoas e organizações passam a ter seu papel nas tomadas de decisão e no controle e monitoramento das ações. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do quadro acima descrito, pode-se perceber que a busca pela sustentabilidade urbana não é tarefa fácil para o Brasil. Além de exigir resposta não somente no setor construtivo, mas também no setor econômico e social, trata-se de um tema que envolve atores públicos e privados, que devem interagir através de parcerias bem reguladas. Acredita-se que o discurso a ser usado para a promoção do desenvolvimento urbano sustentável deve considerar as características endógenas do país, região ou local, uma vez que os processos de urbanização acontecem em diferentes contextos culturais e regulatórios. Dessa forma, há diferentes abordagens para alcançar a sustentabilidade urbana. No entanto, a solução dos problemas urbanos somente através do enfoque técnico baseado no controle do uso do solo e da regulamentação através de planos diretores não parece ser suficiente. O desenvolvimento urbano em países como o Brasil necessita de um enfoque na gestão, âmbito em que a sustentabilidade urbana encontra respaldo prático. O paradigma da gestão urbana tem atravessado várias etapas e desenvolvido vários instrumentos como o planejamento estratégico, os programas de redução da pobreza, de geração de emprego e renda, e a governança urbana. De fato, são ferramentas ligadas à política mundial, cujo principal objetivo é a produtividade e a eficiência urbanas, para fazer frente ao problema econômico e da falta de trabalho e renda. Se não cuidarmos de nossas cidades, a sustentabilidade de nosso planeta estará gravemente ameaçada. Segundo o relatório da Agência das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos, “O Estado das Cidades do Mundo 2006/2007”, divulgado no dia 16 de junho último, um terço da população urbana do mundo vive em áreas carentes. 2007 marcará o primeiro ano, em toda a história, na qual a metade da população mundial estará vivendo em ambiente urbano e, segundo os autores do relatório, “essa data deveria ser comemorada, pois desde o início dos tempos, cidades são centros de crescimento econômico e criatividade cultural. No entanto, a urbanização tornou-se praticamente um sinônimo de favelização”.
Palavras-chave: desenvolvimento sustentável; construção civil; favelização.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006