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Desenvolvimento sustentável e a construção habitacional
Vanderley M. John
Universidade de São Paulo (USP)
 
A melhor qualidade de vida no presente com extensão às gerações futuras, a partir da consolidação do desenvolvimento sustentável, em suas dimensões ambiental, social e econômica. Tal como proposto na ‘Agenda 21’, promulgada na Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco 92), no Rio de Janeiro, o conceito de desenvolvimento é o reconhecimento de que os aspectos ambientais e sociais afetam mais que o crescimento econômico, mas a sobrevivência da humanidade no longo prazo. A humanidade se preocupa com temas como aquecimento global, buraco na camada de ozônio, consumo de matérias- primas naturais, preservação das florestas. As construções realizadas nos dias de hoje, têm vida útil estimada acima de 50 anos e ainda estarão em uso num momento em que efeitos do aquecimento global terão introduzido mudanças significativas. Os ventos deverão ficar mais fortes e as chuvas torrenciais mais freqüentes. Em conseqüência, haverá aumento das cargas de vento nos edifícios e de água nos sistemas de drenagem urbana, estes já sobrecarregados. A temperatura média deverá subir, afetando o dimensionamento de sistemas de refrigeração. Responsável pela produção e manutenção ambiente construído que dá suporte às atividades humanas – a cidade é um dos produtos da Construção Civil - , o macro complexo representa cerca de 15,5% do PIB, e gerando cerca de 15 milhões de empregos diretos. Esta enorme cadeia produtiva, além de sofrer as consequências da crise ambiental, colabora decisivamente para o seu agravamento, tanto na fase de produção dos materiais quanto nas de construção, uso e demolição. A construção e a manutenção dessa infra-estrutura consome até 75% dos recursos naturais extraídos, sendo o maior consumidor de matérias-primas da economia (JOHN, 2000). A massa de resíduos de construção e demolição gerada é superior a de lixo urbano, com valores em torno de 450 kg/hab.ano (PINTO, 2000) ou cerca de 80 milhões de toneladas por ano, impactando o ambiente e as finanças do setor público, particularmente os municípios. A construção civil é responsável pela direta pela qualidade de vida da população: a quase totalidade da vida humana ocorre dentro do ambiente construído. Algo como a metade da vida do ser humano típico ocorre dentro da habitação. Assim, o desempenho, a qualidade ambiental, a beleza arquitetonica desta habitação – e da cidade que o conjunto delas forma - é responsável pela qualidade de vida, incluindo pela saúde da população. Olhando sob este ponto de vista, é uma verdadeira tragédia a qualidade de vida potencial de um morador da favela ou dos horríveis conjuntos habitacionais padronizados que o pensamento “qualquer coisa é melhor que favela” espalhou pelo pais. Registros do setor dão conta de que o mercado mundial de exportação de serviços de construção é de cerca de 150 bilhões de dólares e enfatizam que a indústria brasileira da construção tem considerável potencial exportador. A indústria de materiais de construção civil é exportadora de produtos como cerâmica de revestimento, mármores e granitos, entre outros, com um superávit de aproximadamente 531 milhões de dólares entre janeiro e setembro de 2003, – um grande crescimento em relação aos anos anteriores (ConstruBusiness 2003). Dentre as primeiras multinacionais brasileiras são a Votorantim e Gerdau, que estão investindo em toda a América do Norte, América Latina e agora começam a investir na Europa na área materiais de construção (aço e cimento). Em países desenvolvidos já existem, há algum tempo, programas de construção sustentável ou green buildings, freqüentemente combinados com programas de modernização do setor. Aliás, no exterior, verifica-se a crescente tendência de utilização de critérios ambientais como barreiras não-alfandegárias. No mercado europeu, aumenta significativamente as ‘environmental products declarations’ baseadas no conceito de análise do ciclo de vida de produtos de construção civil. A ausência de desenvolvimento deste tipo de tecnologia pode significar a perda de mercados para nossos produtos de exportação, nossas construtoras e empresas de engenharia, no médio e longo prazos. Por outro lado, o desenvolvimento de tecnologia de construção mais sustentável deverá, não apenas manter os mercados que já dispomos, mas também facilitar a abertura de mercados internacionais. Adicionalmente, construção mais sustentável significa, também, um aumento na eficiência do uso de recursos naturais, na diminuição dos custos de manutenção e aumento da vida útil da infra-estrutura, inclusive a dispendiosa infra-estrutura pública, como hospitais, escolas, pontes, portos e rodovias. Assim, um construbusiness mais sustenetável poderá afetar positivamente a competividade global da economia. O setor tem, ainda, importante papel social, pois é responsáel pela produção da infra-estrutura coletiva do país e pela geração de cerca de 15% dos empregos nacionais. Nesta área, os desafios são significativos, pois boa parte dos operários da construção encontram-se na faixa da pobreza e possuem pouca educação formal. A complexidade da inserção das variáveis ambiental e social na agenda de qualquer cadeia produtiva não é percebida ainda no Brasil. A construção civil não é exceção. Ela impõe toda uma gama de demandas em inovação tecnológica, formação de recursos humanos, de mudanças de cultura e práticas gerenciais, alterações na legislação e normalização, além de exigir alterações na forma de relacionamento entre os diversos integrantes da cadeia. Não é possível, portanto, um desenvolvimento sustentável no Brasil sem que a construção civil sofra transformações profundas. Mais do que isto, a sustentabilidade social e ambiental vai depender de uma ampliação significativa do ambiente construído. No segmento habitacional são necessários 5 milhões de novas habitações para a população de baixa renda. È totalmente inaceitável que estas novas habitações venham a ser produzidas com os velhos paradigmas insustentáveis. No entanto, a inércia do setor já foi rompida. Fenômeno relativamente recente na sociedade brasileira, a responsabilidade social empresarial é tema que vem ganhando espaço na agenda de fabriantes de materiais e progressivamente até mesmo de construtoras. Programas de alfabetização em canteiro de obras operam em quase todo o Brasil, demonstrando uma crescente mobilização social do setor. Programas de gestão da qualidade avançam em toda a cadeia produtiva, revolucionando todo o setor: qualidade é o requisito para uma construção mais sustentável. Produtos que minimizam o impacto da construção estão disponíveis no mercado nacional, desde os cimentos com altos teores de adições como o CPIII e CPIV, aços reciclados (aliás, os fabricantes de cimento e aço para concreto são as maiores empresas de reciclagem no Brasil) equipamentos para redução do consumo de água e energia, aquecedores solares mais eficientes, tintas com baixos teores de voláteis, etc. A indústria de fibro-cimento já está em processo de substituição do amianto, em um enorme esforço de investimento tecnológico e financeiro, praticametne sem qualquer apoio governamental. O setor de construção começa, lentamente, a enfrentar o desafio de gerir seus próprios resíduos, incluindo nesta atividade medidas para a redução do nosso elevado desperdício. É claro, os desafios são ainda maiores. O setor público, responsável tradicionalmente pela produção de habitações populares, está ao largo desta discussão até o momento. Este setor necessita ser envolvido, sob o risco da produção industrial de conjuntos-favelas continuar (ou ser retomada, posto que nos últimos anos pouco se fez no tema). Os órgãos ambientais, no entanto já estão mais atentos. A maior parte dos profissionais do setor não possui informação e não dispõe de tecnologia sobre o tema. Isto é particularmente grave entre profissionais de projeto, construtores e incorporadores, pois confundem construção sustentável com construção mais cara – esquecendo que ela deve ser sustentável também do ponto de vista econômico – ou impossivel de executar com os produtos disponíveis localmente. Na verdade o desafio é buscar as soluções mais sustentáveis viáveis em cada situação. Parte significativa da produção de alguns materiais e das atividades de construção ainda é desenvolvida com variados graus de informalidade: desrespeito a legislação ambiental, sonegação de impostos e leis sociais – práticas que são incompatíveis com a sustentabilidade social no longo prazo são significativas no mercado. A adequação da legislação municipal, como código de obras, planos diretores, etc., às demandas da construção sustentável ainda não começou. Infelizmente algumas regulamentações tradicionais impedem a introdução de conceitos de sustentabilidade. Infelizmente, algumas propostas de legislação que procuram promover a construção sustentável são um tiro na água´ou até mesmo contra-producentes. Em muitos casos será necessário discutir incentivos, inclusive fiscais, para facilitar a introdução de novas tecnologias de menor impacto ambiental. A redução dos impactos ambientais, com ganho de competitividade e de benefícios sociais, depende um grande esforço de desenvolvimento tecnológico tanto na cadeia de materiais e componentes de construção quanto nos projetistas, incorporadores e construtoras. Este desenvolvimento vai exigir parcerias entre órgãos de pesquisa e as empresas, o que não é fácil em um setor com pouca experiência em inovação. Finalmente, é necessário um amplo programa de educação ambiental para o grande público, informando que a agenda de sustentabilidade não se limita a floresta e ao mico leão dourado: construção sustentável deverá melhorar a qualidade de vida dos habitantes da cidade. Afinal, sem uma demanda consistente de mercado, estas novas propostas não se consolidarão. Esta é, certamente, uma tarefa para toda uma geração de profissionais.
Palavras-chave: desenvolvimento sustentável; educação; habitação.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006