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Drosofilídeos como indicadores da integridade ambiental*
Rosana Tidon
Universidade de Brasília (UnB)
 

Instituto de Biologia - Universidade de Brasília
rotidon@unb.br

As alterações ambientais causadas pelo homem estão alterando e destruindo o ambiente em larga escala, e correspondem à principal causa de extinção em ambientes tropicais. Nesse contexto, torna-se imprescindível conservar áreas naturais estratégicas, que possibilitem uma melhor compreensão de suas populações e dos ecossistemas onde se encontram. A biologia da conservação, que é uma área multidisciplinar, possui três objetivos gerais: (1) conhecer a biodiversidade, (2) compreender os efeitos das interferências humanas sobre os ecossistemas e comunidades, e (3) fornecer ferramentas para prevenir, diminuir, ou reparar danos ecológicos.

A bioindicação, uma sub-área da Biologia da Conservação, utiliza alguns dos organismos que compõem determinado ambiente para caracterizá-lo e retratar seu estado. Há vários tipos de indicadores, e neste texto são focalizados os que refletem o grau de integridade de ambientes. A essência dessa categoria de bioindicação baseia-se nas relações entre os potenciais indicadores e fatores ambientais tais como temperatura, umidade, radiação, disponibilidade de alimentos, poluição, etc. A idéia é que mudanças rápidas do ambiente promovem grandes flutuações populacionais nos organismos, e as espécies mais sensíveis possibilitam reconhecer quando uma modificação começa a ocorrer. Assim, os bioindicadores podem indicar a presença e a extensão do impacto de algum agente estressante ainda no início de sua atuação. O valor preditivo de um indicador é determinado pela sensibilidade e especificidade do mesmo às modificações ambientais, e conseqüentemente, pelo tipo de resposta na população e na comunidade. Os indicadores biológicos têm sido considerados eficientes para medir a qualidade de hábitats com baixos custos.

De maneira geral, há um consenso sobre as características que um organismo deve apresentar para ser considerado um bom bioindicador. Os critérios de seleção mais utilizados são: distribuição geográfica ampla, ocupação de uma variedade de hábitats e nichos, facilidade de captura, biologia e história natural bem conhecidas, sensibilidade a fatores estressantes e capacidade preditiva. Além disso, pesquisas que venham a utilizar determinado bioindicador devem ter custos reduzidos e mostrar resultados num período de tempo relativamente curto. A identificação de invertebrados bioindicadores tem sido fortemente incentivada como uma importante ferramenta para a biologia da conservação, e o potencial de algumas espécies de drosofilídeos já foi reconhecido por diversos pesquisadores.

As moscas da família Drosophilidae apresentam características que as tornam excelentes modelos biológicos, e historicamente têm sido extensivamente usadas em estudos genéticos. Entretanto, são relativamente poucos os trabalhos que enfocam a ecologia dessas moscas, mais por falta de tradição do que por qualquer restrição para o uso desses organismos em estudos ambientais. Os drosofilídeos ocorrem em todas as regiões biogeográficas, em diversos tipos de ecossistemas, e incluem mais de 3.800 espécies. Algumas delas são endêmicas de determinadas áreas e outras são cosmopolitas, sendo que muitas desta última categoria dispersaram-se pelo mundo devido à associação com o homem.

Na Universidade de Brasília, nós investigamos o potencial de drosofilídeos para acessar e monitorar mudanças nas condições dos ambientes do Cerrado. Esse bioma, que é o segundo maior da América do Sul, é considerado um hotspot mundial de biodiversidade devido à sua alta diversidade, endemismo, e alto impacto de ação antrópica. Nossas pesquisas concentram-se em áreas de proteção ambiental do Distrito Federal (Reserva Ecológica do IBGE e Parque Nacional de Brasília), e em ambientes urbanos da cidade de Brasília. Estão sendo investigadas variáveis indicadoras em nível de assembléias (abundância e número de espécies neotropicais e exóticas) e também em nível de espécies. Mediante modelos estatísticos (generalized linear models e indicator value analysis), nós avaliamos se as variáveis indicadoras são significativamente diferentes entre os hábitats visitados, determinamos se há espécies características de um hábitat em particular, e se há espécies detectoras de interferências antrópicas.

Os resultados obtidos até o momento mostram que o conjunto de drosofilídeos capturados em diferentes localidades do Cerrado varia entre ambientes com diferentes tipos de vegetação, e também entre aqueles com diferentes graus de perturbação. As formações florestais bem preservadas são particularmente bem caracterizadas pelas assembléias de drosofilídeos: apresentam uma proporção relativamente maior de espécies endêmicas da região Neotropical (tanto riqueza como abundância), várias delas exclusivas desse tipo de ambiente. Formações savânicas, por outro lado, apresentam assembléias mais heterogêneas, que em alguns casos se assemelham às registradas em ambientes perturbados (inclusive florestas) por ação do homem. Nesses ambientes de vegetação aberta, assim como nos que sofreram distúrbios, a riqueza de espécies é geralmente menor e há uma maior abundância relativa de espécies introduzidas. Estudos atualmente em andamento investigam a possibilidade de discriminar entre esses ambientes mediante a análise da fauna de drosofilídeos, e também em apontar espécies indicadoras e detectoras de mudanças.

Tendo em vista a crescente busca por soluções práticas para reparar e minimizar os efeitos da exploração predatória sobre o ambiente, estudos que visem encontrar bons bioindicadores são extremamente oportunos para o estabelecimento de estratégicas para a biologia da conservação.

* Este trabalho é parte da tese da doutoranda Renata Alves da Mata, sob minha orientação.

Palavras-chave: bioindicador; biologia da conservação; monitoramento.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006