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Pigmentação abdominal e evolução cariotípica em drosófilas do grupo cardini
Daniela Cristina De Toni
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
 

Bolsista PDJ/CNPq
Universidade Federal de Santa Catarina
Departamento de Biologia Celular, Embriologia e Genética
Laboratório de Drosofilídeos
detoni@ccb.ufsc.br

O grupo cardini pertence à seção quinária do gênero Drosophila e é composto por 16 espécies Neotropicais, subdivididas em dois subgrupos. Um deles, o subgrupo cardini, é formado por nove espécies: D. polymorpha, D. cardinoides, D. cardini, D. neocardini, D. acutilabella, D. bedicheki, D. belladunni, D. parthenogenetica e D. neomorpha. Este grupo é caracterizado por moscas de médio porte com tórax brilhante, apresentando como características marcantes diferentes padrões de pigmentação abdominal e a habilidade de colonizar múltiplos nichos. Estudos taxonômicos recentes a respeito deste grupo mostraram que, em muitos casos, indivíduos tidos como diferentes morphos de uma mesma espécie eram, de fato, espécies distintas cujas similaridades morfológicas as tornavam de difícil distinção. O grupo cardini é especialmente interessante nesse aspecto, não apenas porque contém pelo menos cinco espécies que apresentam um amplo polimorfismo de pigmentação abdominal, mas também porque essas espécies são ecologicamente bastante versáteis, distribuindo-se amplamente por toda a América tropical e subtropical. Drosophila polymorpha e D. neocardini exibem uma clina de pigmentação abdominal ao longo do continente sul-americano. Os animais coletados ao norte exibem pigmentação abdominal mais clara enquanto abdomens mais escuros são encontrados nas regiões mais ao sul do continente. De fato, nove classes de fenótipos de D. polymorpha e D. neocardini existem, baseadas na porcentagem do abdômen que exibe pigmentação. Estabelecer a relação entre estas diferentes categorias fenotípicas à divergência molecular vista no locus yellow (principal candidato a produzir variações na pigmentação em Drosophila), através destas duas clinas de fenótipos abdominais, e relacioná-las com a variação encontrada na pigmentação abdominal de populações marginais de Drosophila parthenogenetica e D. neomorpha (recém chegadas no Brasil) poderá trazer informações muito importantes para o conhecimento das relações filogenéticas dentro deste grupo. Este enfoque foi usado para avaliar a hipótese de que mudanças ambientais correspondem à divergência do gene yellow com respeito a mudanças na pigmentação abdominal destas espécies. A comparação dos resultados obtidos com um estudo semelhante em espécies subgrupo dunni do grupo cardini no Caribe, onde foi detectada a ação da seleção no locus yellow, possibilitou um maior entendimento das clinas fenotípicas desta característica, detectando se este fenótipo é, ou não, governado por uma ou muitas vias moleculares.

A atual simpatria existente entre D. parthenogenetica e D. neomorpha com D. polymorpha, D. cardinoides, D. cardini e D. neocardini, nativas das matas do Brasil, e a divergência fenotípica observada entre as populações autóctones e a alóctones das duas primeiras espécies levantaram vários questionamentos, tais como: 1) de que maneira ocorreu essa expansão territorial; 2) por qual rota aconteceu; 3) se ela representa ou não uma ameaça à estabilidade populacional das outras espécies do grupo, ou mesmo para a tão diversa guilda de drosofilídeos das matas brasileiras; 4) se há ou não a possibilidade de interações competitivas entre as duas novas espécies e as nativas, especialmente no que diz respeito aos resultados deste relacionamento em termos evolutivos; 5) de que forma se dá a regulação molecular da pigmentação nestas espécies e se existe um traço comum entre estas e as nativas das matas brasileiras.

Atualmente está sendo desenvolvido um trabalho para tentar entender os fatores que contribuem para a evolução do grupo cardini no território brasileiro. Desta maneira, estão sendo construídos os mapas dos cromossomos politênicos encontrados nas glândulas salivares do terceiro estágio larval de D. parthenogenetica e D. neomorpha, descrevendo as inversões cromossômicas observadas nestes politênicos e, também, sua diferenciação entre as espécies do grupo no país.

A comparação dos arranjos cromossômicos encontrados entre as populações autóctones do grupo cardini no Brasil, com os das recém chegadas do mesmo grupo no sul do país, pode levar a hipóteses que sugiram as possíveis relações entre as variações cromossomiais e expansão territorial. Paralelamente, a acareação deste novo mapa a ser proposto com os anteriormente desenhados para as demais espécies do grupo resultará em mais um esforço para a elucidação da evolução cariotípica do grupo cardini no país.

Devido às similaridades morfológicas e de pigmentação, são comuns os problemas de identificação de D. parthenogenetica e D. neomorpha, que por sua vez são facilmente confundidas com D. cardinoides ou D. polymorpha. Dessa forma, os mapas cromossômicos propostos poderiam também auxiliar no reconhecimento destas espécies. O estabelecimento de mapas e a detecção da variabilidade cromossômica são condições sine qua non para estudos futuros de mapeamento gênico por hibridização in situ e estudo da evolução dos elementos cromossomiais, em paralelo com outros grupos de espécies.

Segundo a filogenia proposta por Brisson et al. (2005), além de outras anteriormente propostas, D. neomorpha e D. polymorpha são espécies monofiléticas e, portanto, estão mais próximas geneticamente entre si do que das demais espécies do grupo. Por este motivo, inicialmente o fotomapa de D. neomorpha foi comparado com o de D. polymorpha, contudo, a análise da morfologia dos cromossomos levou a homologação destes com os mapas de D. cardinoides e D. parthenogenetica. Da mesma forma, para a determinação das áreas de aparente homologia no fotomapa de D. parthenogenetica, este está sendo comparado ao de D. neocardini e D. cardinoides, já que os cromossomos destas três espécies apresentam mais similaridades entre si do que em relação às demais espécies do subgrupo, no que concerne aos padrões de bandas e tamanhos das seções. Além disso, estudos recentes reconstruindo a filogenia do grupo cardini, baseados em vários marcadores moleculares neutros, encontraram maior proximidade entre as seqüências gênicas de D. parthenogenetica com D. neocardini do que com qualquer outra espécie do grupo.

Por tratarem-se de presença recente entre as comunidades de Drosophila no sul do Brasil, D. parthenogenetica e D. neomorpha são espécies cujos estudos a respeito ainda se encontram em fase inicial. Espera-se assim, que os novos dados a serem obtidos auxiliem no estudo da sua biologia e para a compreensão dos motivos que possibilitaram esta nova colonização.

Esse estudo servirá como base para outro mais amplo que visa comparar as variabilidades cromossômica e molecular encontradas no grupo cardini de regiões de Mata Atlântica do sul do Brasil. Este futuro trabalho buscará compreender a estrutura populacional e outros detalhes evolutivos do grupo, como por exemplo, o polimorfismo da pigmentação abdominal que, entre as espécies da América Central, varia de maneira clinal.

Palavras-chave: Drosophila; pigmentação; evolução cariotípica.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006