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A MENTE EM UMA PERSPECTIVA EVOLUCIONISTA: A MODULARIDADE E A FLUIDEZ
Maria Lúcia Seidl de Moura
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
 

(Programa de Pós-graduação em Psicologia Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Angela Donato Oliva (Universidade Federal do Rio de Janeiro)

Apesar do interesse pela compreensão da natureza da mente humana datar de séculos e na psicologia estar presente desde sua fundação, o estudo da mente ficou negligenciado durante algumas décadas em que o behaviorismo foi a abordagem dominante. Em reação a essa situação, observam-se diversas iniciativas, no que se convencionou chamar de movimento cognitivista. Esse movimento se caracteriza por uma retomada das questões referentes aos processos mentais humanos, deixadas de lado ou analisadas de forma que alguns consideram insatisfatória em modelos behavioristas (Penna, 1986). O cenário psicológico modifica-se a partir do final da década de 1950, e a cognição humana assume o papel de protagonista. A cognição é vista como um sistema cuja essência é a manipulação, armazenagem e transformação de informação. É tratada pelos modelos computacionais sem levar em conta seus aspectos funcionais e, nesse sentido, tendo sua história evolutiva negligenciada. Na década de 1990 se observa uma renovação do interesse pelas bases biológicas do comportamento humano, surgindo uma nova tendência da psicologia, a da perspectiva evolucionista. Segundo três de seus mais renomados autores, Barkow, Cosmides e Tooby (1992) a psicologia evolucionista pressupõe a existência de uma natureza humana universal. Essa natureza é constituída de mecanismos psicológicos que são considerados adaptações resultantes de um processo de seleção natural ao longo do tempo evolutivo. A estrutura da mente atual, portanto, é vista como envolvendo mecanismos de processamento de informação que permitem a produção, absorção, modificação e transmissão de cultura e adaptada ao ambiente evolutivo, ou seja, o modo de vida de nossos ancestrais caçadores-coletores. Tooby et al. (1992) adotam um modelo modular de arquitetura da mente, considerando como nossa espécie evoluiu e que problemas tinham que ser solucionados no ambiente evolutivo, adotando uma perspectiva de alta especialização. Deste modo, seu modelo é de modularização maciça, representada pela imagem de um canivete suíço (Evans & Zarate,1999): uma lâmina para cada aplicação. Os módulos são considerados “ricos em conteúdo”. Não fornecem apenas uma sintaxe ou algoritmos para resolver problemas, mas a informação específica que é necessária para cada problema (Mithen, 2002). A teoria da modularidade da mente vem recebendo algum suporte empírico, como, por exemplo, as evidências de crianças e adultos cujas habilidades gerais são excepcionalmente pobres e, no entanto, demonstram habilidades altamente sofisticadas em domínios especializados. Um problema é o de que não há lugar no modelo de módulos sem processamento central, para a flexibilidade que caracteriza o funcionamento de nossa espécie, ou para a fluidez cognitiva. Como explicar a capacidade metaprocessual do Homo sapiens? Por que nascemos com um cérebro ainda por desenvolver-se? Mithen (2002) utiliza a metáfora da catedral para entender o caminho da evolução da mente de nossa espécie. A nave central dá acesso a múltiplas capelas laterais, inteligências múltiplas com comunicação entre os diversos domínios. A mente apresenta tanto um aumento da fluidez cognitiva como de especialização ou modularização. A capacidade de processamento central possibilitou aos membros da espécie desenvolver instrumentos complexos, criar arte, acreditar em ideologias religiosas e desenvolver ciência. Inteligências especializadas parecem trabalhar juntas, sob a coordenação de uma inteligência geral. Pensar a arquitetura da mente, em termos evolucionstas, pressupõe levar em conta o papel da ontogênese, como propõe Keller (2000). Essa autora considera o desenvolvimento ontogenético como um processo ativo de construção que se baseia em módulos selecionados na filogênese, e é emoldurado pela cultura. Karmiloff-Smith (2000) apresenta um modelo de processo de modularização e gradual aumento de disponibilidade de representações. Para ela, apesar de conter predisposições específicas, a mente não é originalmente modular, mas assim se torna com o desenvolvimento. Admite uma quantidade limitada de predisposições inatas de domínio específico. Essas predisposições impõem limites quanto aos tipos de input que a mente processa. São epigenéticas e envolvem domínios.que se modificam de maneira independente. É possível concluir que a tendência dos estudos contemporâneos considera a arquitetura da mente materializada no cérebro, produto da evolução de espécie por seleção natural e de movimentos complementares tanto de especialização progressiva como de aumento de fluidez cognitiva, superando o dualismo mente x cérebro, e caminhando para a não-separação entre razão (cognição) e emoção.

Referências
Barkow, J. H., Cosmides, L. & Tooby, J. (Orgs.) (1992). The adapted mind. Oxford: Oxford University Press.
Karmiloff-Smith, A. (2000). The connectionist infant: would Piaget turn in his grave? Em A. Slater & D. Muir (Orgs.). The Blackwell reader in developmental psychology (pp. 43-52). Oxford & Massachussets: Blackwell.
Keller, H. (2000). Human parent-child relationships from an evolutionary perspective. American Behavior Scientist, 43, 957-969.
Mithen, S. (2002). A pré-história da mente: uma busca das origens da arte, da religião e da ciência. São Paulo: Editora da UNESP.
Penna, A. G. (1986). Cognitivismo, consciência e comportamento político. São Paulo: Vértice.

Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006