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Homo moralis, UM PRIMATA COOPERATIVO
Maria Emília Yamamoto
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
 

Anuska Irene Alencar (Programa de Pós-Graduação em Psicobiologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte).

Ações cooperativas, aparentemente opostas à idéia da seleção natural, podem ser entendidas como um mecanismo que aumenta a aptidão, pois contra todas as aparências, cooperar ou não cooperar é uma ação individual. Todas as sociedades requerem um conjunto de regras sobre o que é certo e errado, a que chamamos sistema moral. Antecedendo a sociedade moderna e até mesmo a espécie humana, indivíduos que viviam agrupados desenvolveram normas de convivência, premiando os indivíduos que se associavam em comparação com aqueles que não o faziam. Para entender a cooperação do ponto de vista evolutivo precisamos voltar às origens humanas. As características comportamentais do homem atual foram selecionadas em um ambiente muito mais primitivo, o ambiente ancestral ou ambiente de adaptação evolutiva. Nesse ambiente, as adaptações hoje apresentadas pelo homem foram selecionadas. Isto significa que nossas adaptações estão defasadas temporalmente, pois representam adaptações a condições ambientais que não estão mais presentes. No modo de vida caçador-coletor, grupos pequenos vivem em uma sociedade cooperativa na qual a retribuição, embora não obrigatória, gera uma obrigação de ajudar no futuro, quando necessário. Isto foi o que, provavelmente, tornou as sociedades humanas possíveis em nossa história evolutiva (Nettle, 1999). Tal sociedade cooperativa traz benefícios óbvios para os envolvidos, desde que os grupos sejam pequenos e relativamente estáveis temporalmente, desencorajando a ação de indivíduos que não cooperam. O crescimento do tamanho das populações humanas favoreceu o aparecimento desses indivíduos não cooperativos, os free-riders (Cartwright, 2000). Ao longo de nossa história evolutiva, houve uma pressão para o desenvolvimento de mecanismos que permitiam lidar com free-riders e evitar a exploração por indivíduos que não retribuem a generosidade de seus co-específicos: a) a cooperação com parentes. Esta cooperação implica custos para aqueles que a apresentam, contudo traz benefícios genéticos pela transmissão (direta ou indireta) dos genes do indivíduo altruísta para a geração seguinte. Quanto maior o grau de parentesco, maiores os custos que um indivíduo aceita assumir, já que estes serão compensados pelo ganho em aptidão (Axelrod & Hamilton, 1981); b) o altruísmo recíproco ou reciprocidade direcionada. Ocorre quando um indivíduo (doador) coopera com outro indivíduo (receptor). Embora essa atitude tenha um custo maior para o primeiro beneficiando somente ao segundo, este ato (aparentemente altruísta), na realidade é direcionado uma vez que há uma expectativa de retribuição ou de reciprocidade, de forma que o custo será recuperado quando o receptor retribuir o favor prestado; c) a reciprocidade indireta. Neste caso, a cooperação ocorre mesmo na ausência de parentesco e da possibilidade de receber retribuição direta. Nowak e Sigmund (1998) sugerem que a reciprocidade indireta é mantida pelo impacto que a ajuda ou a recusa em ajudar alguém têm na reputação dessa pessoa no grupo ao qual pertence. Dessa forma, a cooperação é canalizada para membros cooperativos da comunidade. Um doador ajuda um recipiente quando há uma alta probabilidade que o mesmo venha ajudar aos outros (Wedekind & Braithwaite, 2002). Nos vários jogos sociais, aos quais somos chamados a participar na vida cotidiana, nosso maior problema é atrair o parceiro certo. Uma vez identificado, um parceiro confiável pode vir a se tornar um parceiro freqüente e levar à exclusão dos egoístas dos jogos sociais. Os virtuosos são virtuosos porque isso lhes permite somar forças com outros, também virtuosos, em benefício de todos os virtuosos. Embora este raciocínio soe como seleção de grupo, fazer parte de um grupo de virtuosos é bom para o indivíduo, e é este interesse egoísta (do ponto de vista da aptidão) que mantém o grupo cooperando. A prática contínua, desde nossos ancestrais, de altruísmo recíproco e reciprocidade indireta deixou marcas na mente humana que favorecem respostas emocionais. Uma conseqüência disso é que nossas decisões relativas a trocas sociais são governadas pela emoção e não pela razão. Um indivíduo estritamente racional não conseguiria resistir à tentação momentânea do egoísmo e perderia os benefícios de longo prazo da cooperação. Situações de trocas sociais podem facilmente eliciar respostas emocionais tais como culpa, indignação, gratidão e ressentimento. A cooperação e as emoções envolvidas nas trocas sociais nos privam dos benefícios de curto prazo em favor dos benefícios potencialmente maiores e de longo prazo através da retribuição. Nossos sentimentos, projetados pela seleção natural, nos predispõem à cooperação, transformando-nos em um animal moral, o Homo moralis. Referências Axelrod, R., Hamilton, W. D (1981). The evolution of cooperation. Science. 21:1390-1396 Cartwright, J. (2000). Evolution and human behavior. London: MacMillan Press. Nettle, D. (1999). Language variation and the evolution of societies. In R.I.M. Dunbar, C.K. Night & C. Power, (eds.), The evolution of culture (pp. 215-227). Edinburgh, Edinburgh University Press. Nowak, M.A. & Sigmund, K. (1998). Evolution of indirect reciprocity by image scoring. Nature. 393: 573-577. Wedekind, C. & Braithwaite, V.A. (2002). The long-term benefits of human generosity in indirect reciprocity. Current Biology, 12: 1012-1015.

Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006