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A REPRESENTAÇÃO DOS FILÓSOFOS COMO “HOMENS DIVINOS” NO MUNDO ANTIGO
Gabriele Cornelli
Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP)
 

Doutor em Ciências da Religião pela UMESP, Coordenador do Curso de Filosofia da UMESP. Membro do Conselho Editorial da SBEC. Diretor Adjunto do CPA (Centro de Estudos e Documentação sobre o Pensamento Antigo Clássico, Helenístico e sua Posteridade Histórica) IFCH-Unicamp, coordenador do Grupo Archai, as origens do pensamento ocidental e do GESEF: grupo de estudos sobre ensino de filosofia.

A presente comunicação se propõe uma análise do debate sobre a questão dos théioi ándres, homens divinos, no mundo antigo. O dado, o achado, é, neste caso, a existência de théioi ándres no mundo antigo. A questão é que, segundo a afirmação de Kee, não existe no mundo greco-romano uma concepção uniforme dos théioi ándres. A equivocidade da terminologia se torna um lugar hermenêutico privilegiado para a compreensão de uma tensão social e religiosa de grande complexidade no interior da literatura sobre théioi ándres no mundo antigo, e que envolve a definição tanto do líder religioso como do filósofo antigo.

Uma contribuição de grande valor é a obra The Charismatic Figure as Miracle Worker, de Tiede. Tiede tenta distinguir dois grandes tipos de theíoi ándres de um lado a figura do wise man (homem sábio) e do outro a figura do miracle worker (milagreiro). Tiede alavanca esta distinção a partir do De genio Socratis de Plutarco. Aqui Teocrito e Polimnis disputam sobre qual seria a grandeza de Sócrates. O primeiro atribui a este uma natureza divina, pois afirmava ser guiado, em todos os seus passos, pelo seu daímon. O segundo nega esta dependência externa de Sócrates, afirmando que suas ações seriam determinadas pela grandeza e correção de seu julgamento, isto é, de sua sabedoria moral.

Assim – segundo Tiede – a primeira definição corresponderia a uma figura religiosa de poderes sobrenaturais, a segunda a uma figura que se distingue mais pelas atitudes filosóficas, mais racionalista e terrena.

A teoria de Tiede merece ser levada em especial consideração, pois nos dá a ocasião de precisarmos melhor, por contraste, qual é o conceito de homem divino com o qual queremos trabalhar. Morton Smith, com a sua verve dialética, comenta a tese de Tiede da seguinte forma: “Esta tese é incrivelmente clara. Só se pode objetar a ela que não corresponde aos fatos”.

A análise dos termos antigos referidos a estas figuras (góes, mágos e theíos anér) nos levará a uma conclusão que coincide com a posição metodologicamente mais adequada a respeito desta discussão terminológica de Kee: o fato é que não existe no mundo greco-romano uma concepção uniforme do theíos anér. E com razão, pois enquanto, segundo alguns autores antigos, o termo indicaria um semideus, um deus encarnado num sujeito humano, por outro lado Flávio Josefo usa o termo para indicar Moisés, Salomão e Abraão, segundo o modelo dos sábios helenísticos, mas sem nunca querer com isso declará-los quase-deuses ou algo parecido.

O paper analisará a seguir figuras de homens divinos como as de Pitágoras, Empédocles, Sócrates, Asclépio, Hércules etc..

A intenção é a de estabelecer, de alguma forma, o termo théios anér como referencial para indicar uma série de figuras de sábios antigos que simplesmente não podem ser “encaixados” em uma tradição, disciplina ou profissão estanque. O termo deve ser utilizado exatamente pela sua mobilidade, que permite definir o que muitos autores querem evitar: um lugar de convergência, de aproximação, entre a prática mágica e a prática filosófica.

Uma alavanca comparativa, portanto. E reconheço mais uma vantagem em utilizar este termo. Essa fluidez e mobilidade do termo correspondem à dinâmica própria da tradição de figuras como as que pudemos analisar acima, desde Pitágoras até Hércules: uma dinâmica complexa e equívoca. Mais uma razão para usar uma terminologia que possa, por sua amplidão, abarcar essa mesma complexidade dinâmica que é a marca do mundo antigo, entre saberes e práticas complexas: como as da filosofia e da religião.

Palavras-chave: filósofos; homens divinos; mundo antigo.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006