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A TRADUÇÃO TÉCNICO-CIENTÍFICA NO CONTEXTO LATINO-AMERICANO
Maria Luisa Ortiz Alvarez
Universidade de Brasília (UnB)
 

Universidade de Brasília
A metalinguagem técnico-científica de qualquer área do saber e/ou de suas aplicações constrói a sua “visão do mundo” especifica, de tal forma que só é possível aprender uma ciência, quando se adquire a competência semiótico - lingüística do seu universo de discurso.
Barbosa, MA (2004)

A criação em 1988, em Caracas, da Rede Ibero-americana de Terminologia (RiTerm) e o apoio que os países de América Latina tem recebido da União Latina no âmbito da interconexão, são alguns dos fatores que contribuíam para situar as atividades terminológicas na região num caminho de ascensão do ponto de vista da qualidade e do interesse dos especialistas em estabelecer intercâmbios. O presente trabalho busca mostrar o enfoque pragmático-comunicacional das linguagens especializadas á luz do funcionamento da linguagem e, principalmente a questão da tradução de terminologia técnico-científica no contexto latino-americano.

A função social da terminologia, segundo Cabré (1993, p.11) é facilitar a comunicação entre os especialistas e o público leigo, superando os obstáculos terminológicos criados pelo contato entre as línguas. Como resultado da notável expansão da ciência e tecnologia a profusão de termos técnicos em determinadas áreas dificultava a comunicação entre especialistas, mesmo sendo do mesmo campo de especialização. Assim, precisava-se de uma padronização desses termos, da sua explicitação e respectiva tradução, quando for o caso.

Quando nos referimos à linguagem técnico-científica devemos pensar em aquelas variedades lingüísticas que estão fortemente marcadas pela utilização de terminologias especializadas, denominadas línguas de especialidade e que não são homogêneas, pois elas apresentam uma importante variação interna tanto nos aspectos relacionados com seus diferentes registros, quanto nos seus níveis formais. (Ortiz, 2004). Na linguagem técnico-científica tem uma preponderância absoluta o fator “temático”, isto é, a designação exata e inequívoca dos conteúdos referidos que se manifestam, do ponto de vista lingüístico, através de dois traços essenciais: a) a operatividade do principio de consubstancialidade quantitativa, a associação entre o significante e o significado que deve ser interpretada como uma relação biunívoca, ou seja, a um significante não pode corresponder mais de um significado e vice-versa; b) as unidades do léxico técnico-científico não têm valor lingüístico, seu valor é extralingüístico, o domínio nocional de uma ciência está construído e conformado como tal, independentemente da atuação lingüística.

Os termos técnico-científicos são considerados ideais de expressão de monorreferencialidade, de monossemia e de exclusividade denominativa (Kreiger, 2000). Eles são elementos constitutivos da produção do saber, um recurso de expressão lingüística que favorece a univocidade comunicacional. As características essenciais das linguagens especializadas são: caráter técnico; dependência da língua comum; presença de empréstimos; univocidade; a ausência de polissemia e sinonímia; conotação; o caráter interlingüístico. As fraseologias especializadas são fenômenos de linguagem que contribuem para a caracterização do texto de uma área de conhecimento específica

Na terminologia o mais importante é que o termo técnico-científico entre em funcionamento, que seja aceito pelos especialistas com vistas à intercompreensão e utilização correta dos mesmos nos meios habituais de expressão. O conhecimento em ciência e tecnologia proporciona perfis detalhados de grupos atuais ou futuros usuários da terminologia. Uma ciência da terminologia acertada pode ter força paradigmática para o progresso global da especialização do conhecimento das ciências do futuro. Um processo de descrição e análise do fenômeno tradutório em textos técnicos pode fornecer subsídios para obter-se um padrão básico de quais modalidades tradutórias ocorreriam nesse tipo de texto.

Os textos técnicos exigem do tradutor um menor emprego de modulação, pois se supõe seja previsível a linguagem utilizada na tecnologia. Assim, na tradução de textos técnicos há uma maior propensão para a literalidade do que para re-laborações semântico-estilísticas, o que representa uma menor individualidade do tradutor, por um lado, e implica um maior grau de dificuldade, por outro. Pois na maioria das vezes, poderá ser bastante difícil e intrincada a tentativa de encontrar uma correspondência adequada para determinados termos da tecnologia de ponta (Aubert, 1997) em virtude da diversidade de universos temáticos e de estilo condensado. A tradução literal, segundo Vinay (1968) é uma modalidade largamente empregada em nível de unidades lexicais. Nesse tipo de tradução as palavras ou seqüências de tradução apresentam uma estreita correspondência lexical e têm exatamente a ordem e estrutura gramatical.

A União Latina, a Praetorius Limited, a International WHERE + How e Inforterm com o apoio da Federação Internacional de Tradutores (FIT) uniram esforços na publicação de todo um repertorio biográfico internacional que acolhe algumas das figuras mais representativas e conhecidas que se dedicam, desde uma vertente mais teórica ou desde uma vertente mais aplicada ou prática à tradução e interpretação e à terminologia: International Who’s Who in Translation & Terminology. Traduction et Terminologie. Répertoire biographique international. Index Translationum da UNESCO, o World Translation Index do International Translations Centre dos países baixos. Essas publicações corroboram o forte impulso que dentro dos estudos da linguagem, adquirem atualmente a tradução, a interpretação e a terminologia e favorece a intercomunicação entre os especialistas de um mesmo domínio. Os tradutores fazem possível a comunicação entre especialistas quando esta se realiza em línguas diferentes. O tradutor da terminologia no seu trabalho de mediador lingüístico contribui para que essa última tenha equivalências (correspondências) pontuais que muitas vezes não figuram (aparecem) nos vocabulários e bancos terminológicos. Mas qual é a situação da tradução de termos técnico-científicos na América Latina nos últimos tempos?

Em Cuba, por exemplo, em 1986 foi realizado o I Encontro de tradutores científicos e técnicos com o apoio do Instituto de Documentação e Informação Técnico - Cientifica da Academia de Ciências de Cuba e a Sociedade Cubana de Informação Técnico - Cientifica, no qual participaram mais de 650 especialistas de todo o país. Em 1989 a Academia de Ciências criou o Centro de Traduções de Ciência e Técnica que em 1991 adotou o nome de Centro de Traduções e Terminologia Especializada (CTTE). O centro tem trabalhado na promoção da tradução e da terminologia, no desenvolvimento de atividades relacionadas a estas áreas, assim como nas publicações periódicas científicas, elaboração de dicionários, glossários e outras obras terminológicas, na criação de bancos de dados e na organização de eventos nacionais e internacionais da área. No Chile existe o Banco de Dados da Pontifícia Universidade Católica de Chile ao serviço da docência e da tradução que surgiu em 1991 e permitiu a consolidação da linha de pesquisa em terminologia com orientação eminentemente pedagógica e criou manuais de terminologia básica, assim como a centro de terminologia que prepara tradutores. Na Argentina existe o SIIT (Serviço Ibero-americano de Informação sobre a tradução).

No Brasil no Centro Interdepartamental de Tradução e Terminologia da USP (CITRAT) desde 1983 tem uma linha de pesquisa sobre as modalidades tradutórias. Na UNESP de São José do Rio Preto desenvolve um projeto de Estudos Tradutológicos baseados em corpora de textos literários e especializados.

A União Latina organizou o Primeiro Prêmio de Tradução Científica e técnica, lançado em Buenos Aires (Argentina) para os países do Cone Sul, ou seja, a Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai e contou com o apoio da UNESCO, da Cámara Argentina del Libro, da Cámara Argentina de Publicaciones e do Colegio de Traductores Públicos da Cidade de Buenos Aires.

A pesquisa terminológica possibilita que o tradutor amplie a sua competência textual e adquira o conhecimento sobre uma determinada área de especialização técnico - científica, acessa um determinado tipo de conhecimento e como são construídos sintática e semanticamente os textos dessa área de especialidade.

No entanto, Araújo (2001) alerta que negligenciar as peculiaridades lingüistico-terminológias de uma determinada comunidade profissional pode trazer como efeito traduções mal-sucedidas, que não atendem às expectativas dos leitores dessa comunidade. O autor acrescenta que a familiarização do tradutor durante a sua formação com ferramentas especificamente voltadas para gestão e caracterização de terminologias, além de suprir essas necessidades, pode abrir novas perspectivas de atuação profissional.

Considerações finais

O desenvolvimento de ferramentas terminológicas para a tradução é uma questão que precisa ser ainda mais explorada, assim como os estudos que estejam voltados para o registro e descrição de linguagens especializadas. É imprescindível que o tradutor se familiarize com as ferramentas de apoio à tradução como são os software principalmente aqueles produzidos por empresas que procuram atender às necessidades de tradutores. A maioria dessas ferramentas é produzida no exterior, impossibilitando muitas vezes a compra por serem caras, e nem sempre acessíveis a todos. Por outro lado, para o tradutor é importante reconhecer que o texto especializado é um todo de significação dinâmico e mutável.

Uma questão importante para a região (Latinoamérica) seria conhecer mais as nossas similitudes e as nossas diferenças, nos comprometermos a fazer um trabalho terminológico comum na área de terminologia técnico – cientifica que contribua para melhorar a qualidade de vida dos povos do continente latino-americano, assim como unir esforços para introduzir a terminologia nos âmbitos do fazer cotidiano. A Rede Ibero-americana de Terminologia oferece um marco adequado para uniformizar formatos, compatibilizar programas e propiciar, assim o intercambio necessário que nos levará à estandardização de termos. Cada instituição latino-americana que se ocupe da terminologia técnico-científica e da tradução deverá desenvolver atividades coordenadas, preparar os dados que alimentem a rede, promover uma verdadeira integração através da elaboração de bancos comuns para os países de Latino-américa, por exemplo, nos setores de gás, petróleo, meio ambiente, por citar alguns. Nossos países possuem os mesmos problemas de natureza social, econômica e cultural, portanto a integração seria uma possibilidade de fortalecimento, de domínio comum das terminologias assegurando o nosso acesso às línguas técnico - cientificas em espanhol e em português. Devemos também estabelecer o intercâmbio e criação de um banco de dados latino-americanos que facilite a troca de tecnologia e conhecimento cientifico.

É necessário também manter contatos com os órgãos regionais e internacionais como RITERM, INFOTERM (Centro Internacional de Informação para a Terminologia), a OIUNT (Organização para a internacionalização dos neologismos terminológicos), o BMTCT (Banco Mundial de Términos Técnico - Científicos) para o processamento e difusão de dados a nível internacional por parte dos mesmos. Compilar as soluções terminológicas surgidas nas diferentes regiões do entorno hispânico; promover e organizar a criação de bancos terminológicos automatizados nos diferentes campos da ciência, tecnologia e economia; promover uma consciência terminológica entre os tradutores e outros especialistas usuários e/ou produtores de terminologia. Finalmente, é preciso valorizar a profissão do tradutor científico e técnico, permitir que o tradutor entre em contato com as novas tecnologias da tradução, promover o enriquecimento e o rigor da terminologia científica e técnica em espanhol e em português.

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Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006