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APLICAÇÕES DE NUCLEASES SINTÉTICAS NA TERAPIA DO CÂNCER
Elene Cristina Pereira Maia
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
 

Departamento de Química da Universidade Federal de Minas Gerais - elene@ufmg.br

Uma das utilizações mais importantes e promissoras de complexos metálicos em terapia é no tratamento do câncer. Serão discutidos alguns exemplos de agentes antitumorais a base de metais e seus mecanismos de ação. Alguns dos exemplos que serão apresentados consistem em uma breve revisão da literatura e outros são resultados de pesquisas desenvolvidas em nosso grupo em colaboração com os professores Ademir Neves (UFSC) e Hernán Terenzi (UFSC).

A pesquisa de complexos metálicos com propriedades antitumorais iniciou-se com a descoberta da ação antitumoral da cisplatina, por Rosenberg e van Camp no final dos anos sessenta [1] e tem sido estimulada com a descoberta da atividade citotóxica de complexos com outros metais como o cobre, rutênio, gálio, vanádio, paládio, titânio,etc. A introdução da cisplatina na clínica médica em 1971 causou sem dúvida um grande impacto possibilitando a cura completa de diversos tumores particularmente o testicular e o ovariano.

O ADN é um dos principais alvos de drogas antitumorais devido ao seu papel na replicação celular. Complexos metálicos com atividade antitumoral podem agir ligando-se diretamente ao ADN, como é o caso da cisplatina, ou indiretamente através de reações de oxi-redução, gerando espécies ativas que podem quebrar a molécula do ADN, como é o caso da bleomicina.

Nucleases são metaloenzimas que catalizam a hidrólise de ésteres de fosfato do ácido nucléico. Podem ser citadas as fosfatases, que possuem um centro metálico dinuclear que se liga ao substrato. As reações catalisadas envolvem a formação de espécies com uma ligação metal-OH-. A fosfatase alcalina, por exemplo, contém duas subunidades, cada uma contendo dois íons zinco e um íon magnésio. O centro dinuclear de zinco é o sítio catalítico e o papel do magnésio parece ser apenas estrutural. As fosfatases ácidas possuem um centro dinuclear de ferro. Também são chamadas de fostases púrpuras devido a uma transição de transferência de carga de um tirosinato para o Fe(III). A forma ativa da enzima apresenta um átomo de ferro no estado de oxidação II. Este átomo de ferro no estado reduzido é o centro lábil, no qual se liga o substrato.Vários compostos metálicos inspirados nestas enzimas têm sido sintetizados, pois eles podem ser usados na identificação de sítios de coordenação de proteínas ou de outros ligantes ao ADN e, ainda, da sua reatividade ou de mudanças conformacionais.

Um aspecto que nos interessou foi o de investigar se complexos metálicos capazes de promover clivagem hidrolítica na molécula do ADN exibiam atividade citotóxica em linhagens de células tumorais. A atividade citotóxica de várias nucleases sintéticas foi estudada em uma linhagem de células de carcinoma de pulmão de células pequenas de origem humana, chamada GLC4 (Tabelas 1 e 2). O efeito de alguns compostos também foi estudado em uma linhagem resistente à cisplatina (Tabela 1). A linhagem resistente foi obtida através de exposição contínua à cisplatina.

Para os testes de citotoxicidade, as células foram incubadas durante três dias em ausência e em presença de diferentes concentrações do composto a testar. Após este período, as células foram contadas e a concentração necessária para inibir 50% do crescimento celular (CI50) foi determinada. A CI50 determinada para a cisplatina [2] também está mostrada nas Tabelas 1 e 2 para efeito de comparação.

Tabela 1 Composto Linhagem IC50 mol/L [Fe2(BPCINOL)2(H2O)2](ClO4)2 GLC4 12,91,3 GLC4/CDDP 18,51.9 [Cu2(H2bbppnol)(-OAc)(H2O)2]Cl2•2H2O GLC4 41,24,1 GLC4/CDDP 63,36,2 [Cu2(Hbtppnol)(-OAc)](ClO4)2 GLC4 18,31,8 GLC4/CDDP 28,53,0 [Cu2(tpbn)Cl2(ClO4)2] GLC4 5,80,5 GLC4/CDDP 14,01,4 [Cu(C10N5H13)Cl2] GLC4 1,50,1 GLC4/CDDP 9,81,0 cisplatina GLC4 0,400,05 GLC4/CDDP 2,50,2

Todos estes compostos foram capazes de hidrolisar o bis(2,4-dinitrofenil)fosfato e de degradar o ADN [3,4]. Os compostos [Cu2(tpbn)Cl2(ClO4)2] e [Cu(C10N5H13)Cl2] foram os mais potentes na linhagem sensível. Vale a pena ressaltar que os compostos [Fe2(BPCINOL)2(H2O)2](ClO4)2, [Cu2(H2bbppnol)(-OAc)(H2O)2]Cl2•2H2O e [Cu2(Hbtppnol)(-OAc)](ClO4)2 não apresentaram resistência cruzada à cisplatina, ou seja, a atividade deles na linhagem resistente é a praticamente a mesma que na sensível [5]. Estes resultados são muito interessantes pois o aparecimento de resistência celular à cisplatina é o principal obstáculo para o sucesso do tratamento.

Tabela 2 Composto IC50 mol/L [Cu2(HLdtb)(-OCH3)](ClO4)2 0,160,02 [FeZn(-OH)(H2O)(BPBPMP-NO2)](ClO4)2•H2O 18,21,9 [FeZn(-OH)(H2O)(BPBPMP-CH3](ClO4)2•2,5 H2O 6,30,6 [FeZn(-OH)(H2O)(BPBPMP](ClO4)2•2,4 H2O 4,370,4 [FeCu(-OH)(H2O)2(BPBPMP](ClO4)2 •2 H2O 76,07,4 cisplatina 0,400,05

A atividade citotóxica exibida pela série de compostos constantes na Tabela 2 é significativa e os coloca como candidatos a estudos mais detalhados. O complexo [Cu2(HLdtb)(-OCH3)](ClO4)2 é 2,5 vezes mais potente do que a cisplatina, que é utilizada na clínica médica. Estes compostos também se mostraram capazes de clivar o ADN através de um mecanismo hidrolítico.

Estes resultados sugerem que a atividade citotóxica destes compostos esteja relacionada à degradação hidrolítica do ADN.

Alguns complexos de metais de transição (especialmente contendo cobre e ferro no estado de oxidação reduzido) podem promover a formação de radicais livres via reação de Fenton e reação de Haber-Weiss. São formadas espécies radicalares que degradam o anel ribose. Um dos complexos metálicos capazes de quebrar a molécula do ADN através de mecanismo oxidativo mais estudado é a bleomicina, um glicopeptídeo natural que é um potente antitumoral. Na presença de O2 e de um agente redutor, a bleomicina ativada ataca o esqueleto ribose-fosfato retirando o próton em C4’ da ribose [6]. Outro exemplo bem estudado é o do complexo de Cu(II) da ortofenantrolina. A espécie reativa [Cu(o-phen)2]+ faz um ataque oxidativo no carbono 1 da ribose. Peróxido de hidrogênio pode ser gerado pela redução do oxigênio pela espécie [Cu(o-phen)2]+.

Outro exemplo interessante é o das metaloproteínas de matriz (MMPs), um grupo de enzimas que degradam vários componentes da matriz extracelular, e que possuem um íon Zn(II) no sítio catalítico. A expressão e a atividade destas proteases encontram-se aumentadas em praticamente todos os tipos de câncer humano, pois o crescimento do tumor e a ocorrência de metástase são dependentes da angiogênese. Em decorrência, uma nova terapia anti-câncer baseia-se em compostos capazes de inibir as MMPs.

Recentemente, vários inibidores têm sido propostos com base na capacidade destes agentes de formar quelatos com o Zn(II). Entre estes, podem ser citados os hidroxamatos, a tetraciclina e a 2,4,6-triona pirimidina [7].

Agradecimentos
Ao CNPq e à FAPEMIG pelo apoio financeiro.

Referências Bibliográficas
[1] B. Rosenberg, L. Van Camp, J. E. Trosco, V, H. Mansour, Nature, 222 (1969) 385.
[2] E. Pereira-Maia, A. Garnier-Suillerot, J. Biol. Inorg. Chem. 8 (2003) 626-634.
[3] M. Scarpellini, A. Neves, R. Hörner, AJ. Bortoluzzi, AS. Mangrich, WA. Ortiz, WA. Passos, MCB. Oliveira, H. Terenzi, B. Szpoganicz, Inorg. Chem. 42(2003) 8353-8365.
[4] A. Neves, H. Terenzi, R. Hörner, A. Horn Jr., B. Szpoganicz, J. Sugai, Inorg. Chem. Commun. 4 (2001) 388-391.
[5] LM. Rossi, A. Neves, AJ. Bortoluzzi, R. Hörner, B. Szpoganicz, H. Terenzi, AS. Mangrich, E. Pereira-Maia, EE. Castellano, W. Haase, Inorgânica Chimica Acta 358 (2005) 1807-1822.
[6] J. Stubbe, JW. Kozarich, Chem. Rev. 87 (1987) 1107-1136.
[7] E. Maquoi, N E. Sounni, L. Devy, F. Olivier, F. Frankenne, H-W Krell, F. Grams, JM Foidart, A. Noël, Clinical Cancer Research 10 (2004) 4038–4047.

Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006