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DESAFIO EM RELAÇÃO TERAPIAS AVANÇADAS: TERAPIA UTILIZANDO CÉLULAS TRONCO, TERAPIAS GÊNICAS E NANOTECNOLOGIA APLICADA A SAÚDE
Marcelo Morales
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
 
INTRODUÇÃO A Estratégia Nacional de Biotecnologia, lançada recentemente pelos Ministérios da Saúde, de Ciência e Tecnologia, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, foi apresentada como um instrumento destinado a colocar o conhecimento científico brasileiro neste setor a serviço da indústria. Este objetivo é consistente com a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior do Governo Federal, que define como setores prioritários fármacos e medicamentos, bem como a biotecnologia (Jornal da Ciência, 14/07/2006, p.13). No campo da Saúde Humana, o Ministério da Saúde definiu como objetivo “...estimular a produção nacional de vacinas, kits diagnósticos, biomateriais e hemoderivados para que a bioindústria brasileira possa caminhar na direção de novos patamares de competitividade, com potencial para expandir suas exportações e estimular novas demandas por produtos e processos inovadores” (Nota técnica, Ministério da Saúde, julho de 2006). Em que pese à generalidade das formulações acima e seu caráter restrito a um subsídio para a Economia, outros documentos de intenção produzidos pelo Governo Federal destacam aspectos primários da produção científica e tecnológica, tais como a Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde, que enfatiza o desenvolvimento de capacidade nacional em pesquisa e desenvolvimento tecnológico e a criação do sistema nacional de inovação em saúde (ver Nota técnica, Ministério da Saúde, julho de 2006). Após extensa consulta que incluiu a comunidade acadêmica, as áreas prioritárias de pesquisa em saúde foram definidas em uma agenda aprovada na 2ª. Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde e publicada em 2005. Nesta agenda, os temas prioritários de investimento em pesquisa por parte do Ministério da Saúde foram explicitados, embora exame detalhado da agenda revele uma certa heterogeneidade de proposições, umas mais específicas, outras mais genéricas (ver Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde, Ministério da Saúde, 2005). O Grupo de Trabalho 2, congregado na 58ª. Reunião Anual da SBPC examinou o tópico de Terapias Avançadas, incluindo Terapias Celulares, Terapias Gênicas e Nanotecnologia aplicada à Saúde. Este conjunto de tópicos possui em comum sua origem em avanços recentes tanto conceituais quanto tecnológicos nas áreas de Biologia Celular, Genética, Genômica, Física e Biofísica e seu estágio precoce de desenvolvimento em escala mundial. Constituem inovações promissoras, com a perspectiva de estabelecer novas abordagens terapêuticas para doenças hoje incuráveis e/ou desenvolver métodos mais eficazes para administração de medicamentos. Estes tópicos são encontrados de forma dispersa na agenda de prioridades, como por exemplo, no item 5.9 – Prioridades comuns ao conjunto das doenças não-transmissíveis relevantes para a saúde pública -, sub-item 5.9.9. – Desenvolvimento de novos métodos diagnósticos e terapêuticos, com aplicações de avanços de bioengenharia, terapia celular e gênica, ...” (Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde, Ministério da Saúde, 2005, p.18). Os textos abaixo contêm um diagnóstico resumido do estado atual da arte em cada um destes setores e relacionam recomendações específicas destinadas ao desenvolvimento da área de terapias avançadas no país. TERAPIAS CELULARES: As terapias celulares se baseiam na utilização de células para substituir tecidos afetados por doenças e/ou lesões. A principal fonte para obtenção de células para estas terapias são as chamadas células tronco, que têm a capacidade de se reproduzir e, simultaneamente, se diferenciar em todos os tipos celulares que constituem um organismo adulto. Ha várias fontes, e vários tipos, de células tronco cada uma com vantagens e desvantagens para uso terapêutico. A célula tronco mais potente, com maior capacidade de diferenciação e, portanto, como maior repertório terapêutico são as células tronco embrionárias. No entanto, as pesquisas com estas células no Brasil ainda estão em fase muito inicial, uma vez que a legislação sobre o uso destas células só foi sancionada em 2005. Em nosso entendimento há ainda um longo caminho de investigação básica e pré-clinica para que se possa chegar a estudos clínicos com a utilização destas células. Há também as chamadas células tronco adultas que, basicamente, são as células tronco de cordão umbilical e de medula óssea. Estas células têm menos potencial de diferenciação, logo apresentam um menor potencial terapêutico, mas, por outro lado são de fácil obtenção, são seguras e não envolvem aspectos éticos. Os estudos de terapias celulares no Brasil se iniciaram há 5 anos, com o Projeto dos Institutos do Milênio lançado pelo MCT/CNPq. Um dos projetos aprovados naquele edital foi o Instituto do Milênio de Bioengenharia Tecidual, cujo objetivo principal era o de desenvolver terapias para doenças crônico degenerativas para as quais a medicina atual não tem recursos terapêuticos adequados. Todos estes estudos foram feitos utilizando células tronco adultas, na maioria dos casos células de medula óssea do próprio indivíduo. Para se chegar a protocolos clínicos foi necessário estabelecer modelos animais de doenças crônico-degenerativas, estudar a biologia das células a serem utilizadas e testar as terapias propostas nestes modelos animais. No momento, já existem no país vários grupos de pesquisa que vêm realizando estudos envolvendo desde a área básica até a área clínica, isto é, realizando a chamada pesquisa translacional. Vários destes estudos resultaram em protocolos clínicos fase I (segurança), já encerrados ou em andamento. A pesquisa mais avançada no momento é a terapia celular em cardiopatias, que já conta com um estudo clínico fase II/III, com 1.200 pacientes, financiado pelo MS/SCTIE/DECIT. Este é o primeiro estudo de eficácia é só após a conclusão do mesmo poderemos responder se as terapias celulares podem ser uma opção terapêutica para estes pacientes. Este estudo foi pioneiro e teve um grande impacto na ciência médica mundial; ele vem sendo replicado por estudos semelhantes em outros países em algumas das cardiopatias aqui estudadas. Os estudos de terapias celulares em andamento, ou concluídos recentemente, são de fase I e entre eles podemos citar: - Acidente Vascular Cerebral Isquêmico (fase aguda) – estudo fase I concluído - Diabetes tipo I – estudo fase I em andamento - Cirrose hepática-estudo fase I em andamento - Lesão de medula espinhal fase crônica-fase I concluída - Lesão de nervo periférico O grande problema, e fator limitante dos estudos clínicos tanto de fase I ou II/III, é sem dúvida o financiamento. Embora sejam estudos que exigem poucos recursos é necessário cobrir os custos de exames, de internações e de tratamento otimizado destes pacientes. Dois destes estudos fase I (AVC e diabetes) foram contemplados com financiamento no Edital de Terapias Celulares SCTIE/DECIT/CNPq. Vários outros protocolos clínicos já estão aprovados pela CONEP, e aguardam financiamento para realização. Além destes estudos que já chegaram à fase clínica há, no momento, no Brasil um contingente considerável de laboratórios de pesquisa desenvolvendo pesquisa básica e pré-clinica em modelos animais com os objetivos de: - Investigar a biologia das células tronco embrionárias e desenvolver linhagens destas células; - Investigar outras fontes de células para terapias celulares como, por exemplo, as de cordão umbilical, de dentes de leite , tecido adiposo, e outros; - Desenvolver modelos animais de doenças humanas para testar as novas terapias propostas. Cabe ressaltar que os estudos clínicos devem, necessariamente, ser precedidos por uma fase de estudos básicos e testes em modelos animais. No momento, alguns destes estudos foram contemplados no Edital de Terapias Celulares SCTIE/DECIT/CNPq. Porém, há ainda uma grande necessidade de investimento nestes estudos para que se possa chegar a novas terapias que permitam não só beneficiar os pacientes, mas gerar conhecimento sobre a biologia e os mecanismos de ação das células tronco. Somente a ampliação e a continuidade do financiamento poderão garantir o futuro e bom andamento destas pesquisas em nosso país. Devemos ainda destacar a necessidade de mobilização de recursos humanos, tanto na área básica quanto na clínica, que estes estudos envolvem e a necessidade de absorver profissionais da área de saúde, biomédica formados ou em formação para que o desenvolvimento dessa nova área seja sustentável. Desnecessário salientar o grande interesse da população sobre estas terapias e tudo que se relacione com células tronco, bem como a grande pressão dos pacientes e familiares para que os estudos clínicos sejam concluídos e ampliados. Recomendações específicas: - Fomento à formação de recursos humanos na área através da indução de programas multicentricos e/ou itinerantes de pós-graduação e de treinamento técnico, - Desburocratização dos procedimentos de importação de insumos e equipamentos para a pesquisa científica, articulando MCT/MS/MDIC/MF, - Aumentar o fomento à pesquisa na área em todos os níveis – básico, pré-clínico, clínico através de editais /linhas de apoios contínuos (5-10 anos), - Estímulo à formação e consolidação de redes temáticas inter e trans disciplinares. TERAPIA GÊNICA A terapia gênica consiste em procedimentos destinados a substituir, manipular ou suplementares genes inativos ou disfuncionais, através de correção ou introdução de genes sadios com emprego de técnicas de DNA recombinante. Dentro dessa estratégia também podem ser incluídas as vacinas gênicas, onde DNA recombinante é utilizado para induzir respostas imunológicas contra patógenos ou células tumorais. Várias técnicas podem ser utilizadas para transferir o DNA de interesse para dentro das células alvo, dentre eles, os vetores virais, lipossomos ou outros conjugados e o próprio DNA nu. Cada uma destas apresenta vantagens aplicadas a circunstâncias específicas e riscos potenciais. Atualmente, aproximadamente 1400 ensaios clínicos foram realizados no mundo, sendo que 70% destinados ao tratamento do câncer. Destes ensaios, 62% referem-se à fase I de estudo em pacientes, sendo menos de 20% realizados em fase II ou III. É notável que, dentre os países latino-americanos, apenas o México realiza um ensaio clínico de terapia gênica e que na América do Sul nenhum país está inserido nesses ensaios. As terapias gênicas, idealizadas originalmente para tratamento de doenças monogênicas, ou seja, aquelas causadas por disfunção de um único gene, hoje focalizam uma ampla variedade de entidades patológicas, incluindo abordagens indiretas de aspectos singulares de certas doenças, tais como degeneração e morte celular, independente do agente ou processo patogênico. Neste último caso incluem-se AIDS, Doença de Parkinson e outras. Os desafios para implantação das terapias gênicas na prática clínica envolvem os vetores utilizados para veiculação dos genes alvo, bem como a escolha do gene alvo. Em particular, aspectos como a possibilidade de indução de respostas inflamatórias ou a probabilidade de inserção no genoma do recipiente, tornam a utilização de vetores virais objeto de estudo cuidadoso, apesar de serem os vetores mais utilizados na terapia gênica. O desenvolvimento de vetores não virais, como lipossomos ou outros conjugados, representa uma área de investigação em franca expansão. Por outro lado, a escolha do gene alvo também é objeto de cuidado. Por exemplo, no caso de doenças degenerativas, a escolha primária parece, a princípio, recair sobre genes envolvidos na inibição dos mecanismos de morte celular. No entanto, vários destes genes, exatamente por inibir a morte celular, podem produzir transformação celular gerando câncer. Em conseqüência, esta modalidade de terapia requer extensa e profunda pesquisa básica, bem como extensos e cuidadosos ensaios pré-clínicos. É, portanto, necessário frisar que a área de terapia gênica encontra-se ainda em fase precoce. De modo geral, ainda não é possível prever a aplicação destas tecnologias em pacientes, com exceção das áreas de câncer e fibrose cística (mucoviscidose), para os quais é possível que, em médio prazo, certas tecnologias de intervenção gênica possam chegar à prática clínica. Ao lado destes requisitos, identificam-se oportunidades relevantes de desenvolvimento tecnológico com potencial de patenteamento e exploração industrial. Por exemplo, vetores e outros materiais auxiliares para terapia gênica podem ser objeto de patenteamento e representam um elemento adicional na análise do estado da arte nesta área de investigação. O avanço rápido na pesquisa de tecnologias de DNA recombinante e a participação crescente da indústria de biotecnologia no desenvolvimento de ensaios de terapia gênica em todo o mundo alerta para o risco de ampliação da dependência tecnológica do nosso país em relação ao exterior. No Brasil, a pesquisa em terapia gênica é incipiente. Recentemente, a partir de indução pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, foi criado o Instituto do Milênio – Rede de Terapia Gênica, destinado a estabelecer esta área de pesquisa no país a partir da interação de 14 grupos de pesquisa que se dedicam à terapia gênica e vacinas de DNA. Os objetivos desta rede incluem a formação de recursos humanos especializados, desenvolvimento de vetores e procedimentos gerais nesta forma de terapia, pesquisa básica de processos fisiopatológicos e mecanismos de patogênese suscetíveis à intervenção por transferência gênica e aplicação em ensaios pré-clínicos de doenças monogênicas metabólicas e respiratórias, câncer, doenças degenerativas, doenças hematológicas e doenças infecciosas e parasitárias. O projeto prevê, ainda, o estabelecimento de núcleos de produção seletiva de vetores (adenovirais e retrovirais na USP, lentivirais na UFRGS, adenovirus-associado na UFRJ) e de um banco de vetores, disponibilizando estas ferramentas para estudos experimentais pelos vários grupos componentes da rede. Na proposta da rede para o triênio 2005-2008, apenas dois ensaios clínicos estão previstos, relacionados ao tratamento de isquemia miocárdica e de fibrose cística. O ensaio em isquemia miocárdica depende do estabelecimento de contrato com empresa fornecedora dos vetores em grau clínico. O ensaio em fibrose cística depende do estabelecimento de parcerias com centros de referência para a doença, incluindo a identificação das mutações que acometem o gene do CFTR dos pacientes (o que requer aporte de recursos para o diagnóstico seja possível), necessário tanto para tratamentos convencionais quanto para a inclusão de pacientes em ensaios clínicos multicêntricos. Um fator adicional que necessita de atenção é a ausência de regulamentação para produção de vetores para terapia gênica em grau clínico no Brasil, atualmente objeto de contatos com a ANVISA. Recomendações específicas: - Investimento dirigido para a área, incluindo equipamentos para os núcleos de produção e apoio continuado para custeio, bem como para formação de recursos humanos e fixação de técnicos especializados, - Ações no sentido de estimular a participação da iniciativa privada para o estabelecimento de ensaios clínicos, - Regulamentação da produção de vetores para terapia gênica em grau clínico, - Apoio aos centros de referência específicos de doenças potencialmente tratáveis com terapia gênica para que seja possível o desenvolvimento de ensaios clínicos. NANOTECNOLOGIA APLICADA À SAÚDE: A nanotecnologia, entendida como a construção e manipulação de materiais na escala atômica-molecular, tem proporcionado grandes avanços em todos as áreas do conhecimento. Em particular, a área da saúde tem se beneficiado com novas estratégias de controle, administração e liberação para alvos específicos de fármacos e vacinas. A nanomanipulação de complexos biomoleculares também tem revelado o potencial futuro desta área. No Brasil, destacam-se grupos interdisciplinares organizados, em geral, na forma de redes cooperativas de pesquisa, como, por exemplo, a Rede Nacional de Nanobiotecnologia. Essas Redes têm desenvolvido importantes trabalhos sobre a preparação e aplicações de nanopartículas para liberação controlada de fármacos e vacinas, assim como sobre o uso de Microscopia de Força Atômica em nanoscopia, nanomanipulação e nanocaracterização de biomateriais. A articulação da nanociência com outras áreas avançadas (tais como as terapias celulares e as terapias gênicas) tem sido explorada, destacando-se várias aplicações, tais como o uso da nanotecnologia para o tratamento e vacinação da Leishmaniose e o uso de DNA micro-particulado como vacina contra o Câncer e Tuberculose. A combinação com a Engenharia de Tecidos na purificação, caracterização e microencapsulamento de ilhotas pancreáticas humanas, usadas na terapia de diabetes, constitui também um exemplo de desenvolvimento e articulação desta área. Embora os estudos, tanto no Brasil como em outros países, sejam concentrados ainda na área celular e em experimentos pré-clínicos, sabemos que existe, de fato, entre nós uma grande competência que pode ser explorada como uma ótima janela de oportunidade tanto para melhorar os serviços públicos de saúde como no desenvolvimento de processos inovadores. Recomendações específicas: - Incentivar a utilização da nanotecnologia na área da saúde através de programas multidisciplinares de pesquisa científica e inovação. - Promover o desenvolvimento de medicamentos inteligentes (liberação controlada, alvos específicos e novos métodos de administração) como oportunidade estratégica de inovação na área da saúde. CONCLUSÃO Esse documento destaca as terapias celulares, terapias gênicas e nanotecnologia aplicada à saúde como grandes áreas propulsoras do desenvolvimento de novas terapias no novo Milênio. Nosso país deve estar preparado para que o domínio dessas novas tecnologias seja alcançado de forma sustentável para o benefício de seus próprios cidadãos. Este documento foi elaborado pelos componentes do GT-2, durante a Reunião anual da SBPC – 2006: - Carlos Alexandre Neto (Conselheiro da SBPC) - Marcelo M. Morales (Presidente da Sociedade Brasileira de Biofísica) - Rafael Linden (Coordenador do Instituto do Milênio de Terapia Gênica) - Rosália Mendes Otero (Coordenadora das pesquisas com células tronco em neurologia- UFRJ) - Paulo Mascarello Bisch (Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Biofísica) - Thenille Carmo (representante do Ministério da Saúde)
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006