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A dimensão regional dos indicadores de C&T no Brasil: a liderança paulista no cenário nacional
Maria Regina Gusmão
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)
 

De acordo com diversos autores e especialistas, o início dos anos 2000 marca o surgimento de um “novo paradigma” de C&T no Brasil. A consolidação e o fortalecimento do sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação passam a integrar as pautas de discussão e as agendas de trabalho das políticas de desenvolvimento socioeconômico e industrial do país, impulsionando, de maneira deliberada, uma renovação de todo o setor.

O sistema nacional de pesquisa e de inovação vem passando nos últimos anos por mudanças importantes, em níveis programático e institucional, que procuram dar um novo impulso às capacidades instaladas no país. Situam-se entre as mais significativas a implantação de novos instrumentos financeiros para a P&D (com destaque para a criação dos “fundos setoriais”), a estruturação de redes nacionais e regionais de apoio à inovação, o apoio à incubação de empresas e ao capital de risco, a ênfase nos estudos prospectivos e novas estruturas de avaliação da P&D e, no plano legal, a sanção da nova Lei de Inovação, que prevê novos dispositivos facilitadores da cooperação entre os setores acadêmico e empresarial. Mais recentemente, vem juntar-se à essas iniciativas a formalização de uma Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), articulando simultaneamente o estímulo à eficiência produtiva, ao comércio exterior, à inovação e ao desenvolvimento tecnológico como vetores dinâmicos da atividade industrial do país.

Nesse contexto de mudanças tornam-se ainda mais prementes a concepção, produção e difusão sistemáticas de indicadores abrangentes, capazes de captar essas transformações e subsidiar a análise do seu verdadeiro alcance e reais impactos na sociedade. Contudo, os setores governamentais, de ambas as esferas federal e estadual, embora ativos em importantes aspectos, não têm revelado uma atuação efetiva e articulada de apoio e promoção da informação para a inovação tecnológica, como importante insumo para a formulação de políticas e definição de estratégias para o setor.

Diferentemente de outros países em estágio de desenvolvimento científico e tecnológico comparável, o Brasil ainda não dispõe de instâncias multi-institucionais plenamente dedicadas ao gerenciamento de informações e estatísticas relacionadas ao setor de C&T, nem à produção regular de indicadores robustos, abarcando as esferas nacional, regional e local.

Apesar dos inquestionáveis avanços e do esforço realizado no país nos últimos anos no sentido de implementação de sistemas de informação mais complexos, ainda se está longe da funcionalidade e adequação de sistemas vigentes nos países centrais. Experiências pioneiras, como os diretórios e plataformas de dados desenvolvidos no âmbito de agências como o CNPq, a CAPES e o IBICT, constituem um passo importante. Porém, um desafio maior subsiste: melhorar a qualidade da extensa gama de informações e formas de tratamento hoje acessíveis no país, particularmente no que concerne a superação das inúmeras dificuldades ainda encontradas para a sua plena utilização. Do ponto de vista das fontes oficiais de dados existentes, de abrangência e cobertura geográfica bastante variadas, é flagrante a dificuldade de obtenção de informações harmonicamente atualizadas e consistentes para todas as categorias de análise. Soma-se a isso a frágil sistematização e padronização dos dados armazenados, o que compromete consideravelmente a comparabilidade, temporal e geograficamente.

No caso brasileiro, essas dificuldades resultam, em boa medida, da falta de uma efetiva articulação entre os inúmeros agentes e instituições produtores dos dados primários, das esferas federal e estadual, o que praticamente inviabiliza a adoção de referenciais comuns no que tange aos procedimentos de coleta, tratamento e difusão dos dados. Soma-se a isso a não interação entre esses produtores e os usuários finais das informações disponibilizadas, dificultando a incorporação de novas demandas ou de eventuais aperfeiçoamentos.

A experiência paulista

A partir de diferentes famílias de indicadores é possível inferir que o Brasil possui hoje um sistema de C&T robusto e diversificado, que o coloca numa posição de destaque na América Latina e, em determinadas dimensões, num estágio comparável ao de importantes economias desenvolvidas.

Nesse contexto, o Estado de São Paulo mantém sua posição privilegiada regionalmente e responde pela parcela mais expressiva da base de C&T instalada no país, seja pelo critério dos dispêndios e da infra-estrutura de recursos humanos e técnicos disponíveis, seja pelos resultados que essa infra-estrutura é capaz de gerar.

Apoiando-se num conjunto abrangente de dados quantitativos, a última edição da série produzida pela FAPESP Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação em São Paulo, publicada em 2005, oferece um panorama completo sobre a evolução mais recente da produção científica e tecnológica paulista e sua participação no esforço nacional, no contexto mais amplo da dinâmica internacional do setor na entrada do século XXI. Contrapostos aos da edição anterior (FAPESP, 2002), os resultados relativos ao período de 1998-2003 oferecem indícios de novas importantes tendências, em distintas esferas. Não obstante, eles também sugerem que essas tendências nem sempre estão associadas a rupturas significativas; na maioria das vezes, elas nos remetem ao enfrentamento de velhos desafios que têm sido colocados ao longo das últimas décadas à consolidação do sistema nacional de C&T e à ampliação do potencial inovador do país.

Assim, simultaneamente aos avanços observados - como a inversão da tendência de redução dos dispêndios governamentais com execução e fomento de atividades de P&D; a discreta elevação da participação do setor empresarial nos gastos com essas atividades; o aumento na intensidade de expansão do ensino superior em todo o território nacional; o movimento de desconcentração dos esforços em C&T na região Sudeste e, particularmente, no Estado de São Paulo – constata-se a persistência de importantes barreiras ou fatores limitadores dos efeitos esperados. Trata-se, fundamentalmente: do contraste entre o avanço da capacidade de produção científica e a relativa estagnação da capacidade de geração de inovações tecnológicas no país; do limitado desempenho do setor empresarial nacional em atividades de P&D, associado à uma fraca interação deste com o setor acadêmico no desenvolvimento de atividades inovativas; e, conseqüentemente, da prevalência de um padrão tecnológico fortemente dependente de fontes externas.

No caso do Brasil, essas barreiras são ainda potencializadas por um condicionante absolutamente central: a perpetuação do fortíssimo desequilíbrio regional dos esforços e da base de C&T instalada no país, acentuando o papel determinante do Estado de São Paulo na configuração do padrão técnico-científico nacional.

O mapeamento periódico desse desequilíbrio e de suas dinâmicas internas, além de estimular a reflexão e o debate mais ampliado sobre o estado da arte e principais debilidades da produção científica e tecnológica do país como um todo, e de cada uma das unidades federativas, torna-se instrumento imprescindível para um processo permanente de acompanhamento e avaliação das ações governamentais no setor.

A preparação de publicações periódicas nos moldes da série Indicadores de CT&I em São Paulo, editada trienalmente pela FAPESP, põe em evidência a necessidade de implementação, no âmbito das diferentes agências governamentais, de sistemas de informação mais completos e compatíveis entre si, inseridos num “sistema nacional integrado de estatísticas de C&T”. Por intermédio da adoção de um marco conceitual e metodológico comum, esse “sistema” facilitaria a realização mais sistemática de estudos e compêndios estatísticos complementares, resguardando a comparabilidade entre os dados produzidos nos diferentes estados brasileiros, e conformes a padrões já consolidados internacionalmente. Isso demandaria a manutenção, no interior das agências – especialmente no âmbito estadual -, de uma infra-estrutura mínima e de competências específicas nesse campo, na maioria das vezes ainda praticamente inexistentes.

Nesse aspecto, instâncias como o Conselho Nacional dos Secretários Estaduais para Assuntos de Ciência, Tecnologia e Inovação (CONSECTI) e o Conselho Nacional das Fundações e Entidades de Amparo à Pesquisa dos Estados e Distrito Federal (CONFAP) parecem ter um importante papel a desempenhar, ancorado na coordenação dos esforços dos agentes federais e estaduais atuando em cada uma das unidades da Federação. Não se trata, porém, de apenas garantir a publicação periódica – anual, bienal ou trienal - de volumes abrangentes de indicadores estaduais de C&T mas, essencialmente, de viabilizar o estabelecimento de uma “plataforma” comum ou de uma “base nacional de estatísticas de C&T”, passível de ser utilizada de forma permanente pelos diferentes atores locais para a produção de indicadores que correspondam à suas necessidades específicas ou pontuais.

Palavras-chave: indicadores de C&T; ; .
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006