IMPRIMIR VOLTAR

ACELERAÇÃO TOTAL E FUTURO DO HUMANO

Laymert Garcia dos Santos
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
 
Trata-se de explorar a questão de saber se ainda é possível manter a relação entre ciência, tecnologia e ética sem considerar o impacto que a tecnociência exerce na desconstrução dos parâmetros tradicionais e modernos, inclusive dos padrões éticos, em virtude da aceleração. O pressuposto que conduz a reflexão é o de que estamos experienciando algo que alguns especialistas denominam “avalanche tecnológica”(Konstantinos Karachalios), “velocidade de escape”(Mark Dery), “aceleração exponencial” (Richar Buckminster-Fuller) e “estratégia de aceleração total econômica e tecnológica” (H. Müller). Todos essas designações apontam para uma espécie de ruptura consumada pela Terceira Revolução Industrial que, gestada nos laboratórios a partir da Segunda Guerra Mundial, começou a se disseminar na sociedade contemporânea a partir da década de 70 do século passado. Tal ruptura, que caracterizaria o contemporâneo, põe em crise não só o que se convencionou chamar de sociedade de trabalho, mas também, com ela, e de modo definitivo, os valores do humanismo. Como afirma o filósofo italiano Franco Berardi, o homem deixou de ser a medida de todas as coisas. A estratégia de aceleração total econômica e tecnológica obedece a uma lógica que não aceita limites e obstáculos de qualquer natureza. A cibernetização da ciência e da técnica e a globalização do capital por ela propiciada transformaram a informação e o conhecimento tecnocientífico na principal força produtiva, cuja finalidade não é mais o progresso da sociedade como um todo, mas a sua auto-realização. Tal lógica interpela o humano como indivíduo e como espécie porque estes não “corresponderiam” às exigências da aceleração. Como observa Keith Ansell-Pearson, não é verdade que, nestes tempos pós-modernos, não mais existem grandes narrativas, posto que a grande narrativa contemporânea é a obsolescência do humano - uma boa expressão disso são os discursos que procuram legitimar a inteligência e a vida artificiais. As discussões e polêmicas que o avanço da biotecnologia tem suscitado ultrapassam o âmbito em que habitualmente se dá a reflexão sobre a ética. Habermas, por exemplo, considera que boa parte da argumentação desenvolvida pelas comissões de ética apenas confirma, passo a passo, a ruptura dos padrões que nos orientavam, limitando-se a caucionar um processo cujo sentido é ditado por uma racionalidade que questiona radicalmente valores como as noções de autonomia do sujeito e de dignidade humana. Por sua vez, respondendo ao filósofo alemão, Slavoj Zizek contra-ataca: “Voltando então ao nosso ponto fundamental: não é que nós perdemos, com a biogenética, nossa liberdade e dignidade. Na verdade, sentimos que PARA COMEÇO DE CONVERSA, NUNCA AS TIVEMOS. (...) Se as alegações da biogenética estiverem certas, então a opção com a qual nos defrontamos hoje não é entre a dignidade humana e a geração tecnológica “pós-humana” de indivíduos, mas entre agarrar-se à ILUSÃO da dignidade e aceitar a REALIDADE do que somos.” (maiúsculas do autor) Num certo sentido, o tema das relações entre ciência, técnica e ética põem em jogo o futuro do humano.
Palavras-chave: Aceleração tecnológica; Humano; Ética.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006