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H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 3. Psicolingüística

LINGUAGEM E LETRAMENTO

EM ADOLESCENTE NÃO VOCAL COM PARALISIA CEREBRAL

Celina Maria Ramos Arruda Macedo 1
(1. UFSC/CED/CA)
INTRODUÇÃO:

TH foi um aluno de uma escola pública de Florianópolis portador de tetraplesia e com comprometimento na fala. Nesta pesquisa experimental, decidiu-se trabalhar com o Sujeito TH em razão de que crianças portadoras de anomalias severas na produção da fala mostram não desenvolver um conhecimento apropriado das estruturas das palavras. Um trabalho de Bishop e Robson, 1989, mostra que as crianças anártricas apresentam uma clara inferioridade na escrita de palavras e de pseudopalavras quando se comparadas a crianças com enfermidade motora, mas com fala normal. Mais tarde, os estudos de Bishop e Adams, 1990; e Snowling, 1991, demonstraram que leitura e soletração estão relacionados ao funcionamento intelectual na população falante.

Neste sentido, crianças com comprometimento motor decerto conhecem a leitura e a escrita com diferentes pré-requisitos daquelas que falam. Berninger e Gans, 1986a, argumentaram que por causa do dano motor, a criança não falante com paralisia cerebral precisaria de um treinamento especial para o desenvolvimento de habilidades, tais como: análise de padrão de som, conhecimento de vocabulário, compreensão de sintaxe e discurso habilidades que estão, possivelmente, relacionadas a um bom desenvolvimento de letramento entre crianças falantes. De qualquer forma, todas as crianças falantes adquirem a linguagem oral de maneira espontânea, sem a intervenção de instituições socialmente organizadas ao contrário da leitura que precisa ser adquirida.

Pareceu-nos, portanto, que TH constitui um caso interessante nesta perspectiva, dado que ele nunca falou e, no entanto, parece apresentar um desenvolvimento cognitivo normal, como sugerem os resultados dos testes realizados.

O objetivo desta pesquisa foi a análise de letramento do sujeito TH em comparação a um grupo controle formado por 14 adolescentes falantes que estudavam na mesma série e escola do que TH.

METODOLOGIA:

Esta pesquisa foi feita com TH, um adolescente de 15 anos de idade, anártrico e portador de tetraplesia e um grupo controle formado por 14 sujeitos falantes. Com idade cronológica média de 13 anos. Todos os sujeitos do grupo controle freqüentavam a mesma escola pública e série que TH.

Para se saber a resposta de TH foi criado o seguinte código: quando TH olhava firmemente para o pesquisador, no momento em que o pesquisador apontava para um ítem – significava que aquele ítem era o ítem correto para TH.

Os experimentos: O teste de leitura de palavras foi empregado para analisar as estratégias utilizadas pelo sujeito TH no domínio da ortografia da língua portuguesa, se fez uso do teste de discriminação de palavras escritas, onde se elaborou uma lista de 12 pares de palavras que diferiam apenas pela consoante inicial. O sujeito ouvindo o ítem alvo, deveria fazer a escolha deste mesmo item entre dois itens apresentados; O teste de leitura de pseudopalavras foi empregado para analisar as estratégias utilizadas pelo sujeito TH no domínio da ortografia da língua portuguesa, elaborou-se uma lista de 12 pares de pseudopalavras que diferenciavam apenas pela consoante inicial. Este teste teve por objetivo avaliar a capacidade de decodificação de TH; e, o teste de ortografia teve como objetivo analisar os mecanismos ortográficos utilizados por TH. Foi proposto à TH e ao grupo controle uma lista de 12 pares de palavras que diferenciavam apenas pela representação gráfica.

RESULTADOS:

Supõem-se através das respostas do teste de reconhecimento de palavras para leitura que TH mantém relativamente intacta a via grafo-fonologica uma vez que acertou todas as 12 palavras que lhe foram apresentadas. No grupo controle dos 14 sujeitos 13 sujeitos acertaram todas as palavras apresentadas e um único sujeito acertou somente 50% das palavras apresentadas. Portanto, TH tem capacidade para identificar palavras e capacidade para compreender a fala.

No teste de escrita TH não apresentou dificuldades em aceder ao léxico semântico uma vez que acertou 91,67%. O grupo controle teve um índice de acerto de 83,33% com um desvio padrão de 23,57%, demonstrando que TH teve um desempenho normal em comparação ao grupo. A palavra que TH errou a grafia com /x/ ou /s/  foi aquela que somente 42,85% dos sujeitos do grupo controle acertaram, palavra com menor índice de acerto, depois vieram as grafias /z/ e /s/ com 50% de acerto, /j/ e /g/ com 78,57% e /x/ e /ch/ com 85,71% de acertos. Os demais grafemas /ç/ e /ss/ - /s/ -  /c/ tiveram 92,85%  de acerto.

No teste de leitura de pseudopalavras, TH entre as 12 pseudopalavras apresentadas, acertou 11 ou média de 91,67% de acertos. No grupo controle, o índice de acertos foi de 95,24% de acertos com desvio padrão de 6,07% de desvio padrão, repetindo um desempenho normal do sujeito pesquisado. TH não distinguiu a realização dos fonemas /b/ e /d/ da mesma forma que 6 sujeitos do grupo controle não distinguiram; um sujeito não distinguiu entre os pares de fonemas /p/ e /v/ e um outro  sujeito não distinguiu entre os pares de fonemas /p/ e /d/. Pode-se supor que os sujeitos falharam nesta distinção porque os fonemas /b/ e /d/ só diferem quanto ao ponto de articulação, enquanto os fonemas /p/ e /v/ diferem tanto no modo quanto no ponto de articulação e os fonemas /p/ e /d/, apesar de serem oclusivas, diferem no modo e no ponto de articulação. Neste teste TH utilizou os seus conhecimentos grafo-fonológicos e formou uma representação de uma palavra desconhecida.

CONCLUSÕES:

Estudos demonstraram que crianças portadoras de anomalias severas na produção da fala não desenvolvem um conhecimento apropriado das estruturas das palavras. Não tendo desenvolvido competências morfofonêmicas, estas crianças apresentam dificuldades para aquisição do conhecimento das regras de correspondência grafo-fonologica. Contrariando estes estudos, os resultados deste experimento sugerem que TH, sujeito com comprometimento motor e anártrico, apresenta as habilidades de compreensão oral, leitura e escrita com desempenho ora superior, ora inferior ao grupo controle sem, contudo apresentar diferenças de desempenho anormais ao grupo. Considerando-se que, na grande maioria dos testes, o  desempenho de TH está a menos de um desvio padrão em torno da média, rejeita-se a hipótese básica de que sujeitos que não falam  não deveriam ler e escrever. TH lê e escreve normalmente como seus colegas de série.

Assim, pode-se demonstrar que todo ser humano tem que ser levado a descobrir a estrutura fonética da língua. Ele precisa de uma intervenção externa e esta intervenção é geralmente o fato dele ter que aprender a ler em um sistema alfabético (ALEGRIA E MORAIS, 1979). Logo, as habilidades de leitura e escrita precisam ser adquiridas e é a partir da descoberta dos princípios alfabéticos que o indivíduo poderá utilizá-los em novas relações de grafemas e fonemas. Esta nova habilidade, supõe, ainda a capacidade de memorização das correspondências encontradas e a capacidade de análise e síntese para se reutilizar na leitura de outras novas palavras (MORAIS, 1996).  

A partir dos resultados deste experimento, pode-se constatar que alguns indivíduos não falantes com paralisia cerebral por causa de seu dano motor, precisam não de um treinamento especial para desenvolver as habilidades de leitura e escrita, mas sim de um mediador afetuoso, motivador e hábil  que torne possível a esses indivíduos o contato com a leitura e a escrita. Ou ainda dizendo, de um mediador que desenvolva o contato destes indivíduos com o mundo a sua volta.

 
Palavras-chave: Letramento; Tetraplesia; Anártrico.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006