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D. Ciências da Saúde - 3. Saúde Coletiva - 4. Saúde Pública
A INTERDISCIPLINARIDADE COMO PRESCRIÇAO E COMO ATIVIDADE REAL NA EQUIPE DE SAÚDE DA FAMÍLIA
Magda Duarte dos Anjos Scherer 1
Denise Elvira Pires de Pires 1
(1. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem - PEN / UFSC)
INTRODUÇÃO:
A problemática da interdisciplinaridade tem sido preocupação constante no seio das ciências e em particular nas ciências sociais. A constatação de que o patrimônio de conhecimentos da humanidade amplia-se e de que é necessário articulá-lo numa perspectiva de totalidade, de maneira a dar respostas aos problemas complexos do cotidiano, aponta para a construção de um conhecimento interdisciplinar. Conhecimento, entendido aqui como uma representação do real, “[...] daquilo que é possível fazer e, por conseguinte, representação daquilo que poderia ser objeto de uma decisão na sociedade” (Fourez, 1995, p.208). A prática hegemônica em saúde fundamenta-se no conhecimento disciplinar e no modelo biomédico, apesar das criticas aos limites deste modelo para o entendimento da complexidade da vida humana e do processo saúde-doença. No Brasil, o Programa de Saúde da Família tem sido apontado como estratégico para a construção de um novo modelo assistencial em saúde, sendo que a redefinição do processo de trabalho com a articulação/integração de várias práticas profissionais na perspectiva interdisciplinar é um de seus principais desafios. Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi analisar o tema interdisciplinaridade a partir da percepção por profissionais de saúde que participaram de um Curso de Residência em Saúde da Família, na região sul do Brasil, em relação a dois aspectos: a elaboração conceitual e a prática vivenciada por eles.
METODOLOGIA:
Estudo de natureza qualitativa utilizando triangulação na coleta e análise dos dados. Os sujeitos da pesquisa foram o universo dos profissionais de saúde, residentes e supervisores, de duas Unidades de Saúde onde se desenvolvia a educação em serviço de uma turma do Curso de Residência em Saúde da Família (2002 a 2004). Do total de 16 residentes e 7 supervisores, foi obtida a participação de 11 residentes (enfermagem, psicologia, medicina, farmácia, nutrição, odontologia) e 5 supervisores locais (enfermagem, medicina, psicologia e farmácia). Os dados foram coletados através de: entrevistas semi-estruturadas com os 16 participantes, observação participante plena no período de maio de 2002 a maio de 2004; grupo focal, um ano após o término do curso, com a participação de 8 entrevistados, onde foram discutidos os dados das entrevistas, já tratados por uma pré-análise; e análise documental (Projeto do Curso e documentos do Ministério da Saúde). A análise qualitativa seguiu os três passos sugeridos por Demo (2004): contextualização sócio-histórica, análise formal e interpretação, seguindo referencial teórico acerca do trabalho em saúde e da interdisciplinaridade. A interdisciplinaridade prescrita é aquela definida pela instituição e pela formação e pelo próprio profissional, enquanto que a real é aquela de fato executada, sendo de difícil percepção, pois só conhecemos do real a nossa própria intervenção nele.
RESULTADOS:
A interdisciplinaridade prescrita: campo com várias práticas e saberes contribuindo para discussão e resolução de problemas; ver o todo, preservando as partes; filosofia e método de trabalho onde profissionais utilizam conhecimentos e especificidades de cada profissão atuando em torno de objetivo comum, ampliando a compreensão da realidade e a possibilidade de alcançar o objetivo de melhorar a atenção à saúde; forma de trabalho que envolve abertura, flexibilidade, humildade e complementaridade de saberes; ver o ser humano em todas as dimensões; trabalho de equipe integrado. A vivência da interdisciplinaridade: parecia antagônico “ser inter” e bom na própria profissão; houve avanços no planejamento conjunto do trabalho, mas não se conseguiu elaborar plano terapêutico comum e a execução continuou em geral separada; dificuldades e medo de compartilhar o saber específico; desconhecimento das competências de cada profissional; serviço voltado para o individual; as situações de interação envolveram parte da equipe; medo de não ter conhecimento suficiente para compartilhar; dificuldade diante da complexidade dos problemas; visão mais integral do usuário; consultas interdisciplinares eram espaço de troca, mas também de disputa; dificuldades na comunicação, de lidar com as diferenças entre os componentes da equipe e de estabelecer acordos e consensos; onipotência dos médicos; construção lenta do trabalho em equipe; agregação de conhecimentos de outras profissões; atitude de humildade.
CONCLUSÕES:
Este estudo desenvolveu-se com profissionais que escolheram atuar no PSF, passaram por formação guiada pela interdisciplinaridade, e vivenciaram a prática com suporte teórico concomitante, o que faz supor que alguns fatores apontados pela literatura como limitadores da atuação interdisciplinar, como a fragmentação da formação disciplinar e o cenário do trabalho centrado no modelo biomédico, sem política voltada para modelo assistencial colaborativo e integrador de saberes teriam sido enfrentados e a prática interdisciplinar poderia ter sido favorecida. Entretanto, resultados apontam que, apesar de avanços obtidos existem, ainda, diversas dificuldades na vivência da interdisciplinaridade, que está distante da prescrição. Ficou claro que a ruptura com o modelo cartesiano presente na formação profissional em saúde, na identidade profissional e na organização dos serviços de saúde é difícil e envolve fatores de múltiplas ordens. Dentre os problemas identificados destacam-se os relacionados às características, crenças e valores dos sujeitos prestadores do cuidado e os relativos ao exercício do trabalho coletivo. Para novas práticas profissionais parece necessário o desenvolvimento de competências para lidar com a complexidade dos problemas e do trabalho em saúde, que envolve profissões, disciplinas e paradigmas diferentes. A interdisciplinaridade parece depender predominantemente da atitude dos sujeitos, do contexto institucional e da gestão do trabalho no cotidiano.
Instituição de fomento: CNPq
 
Palavras-chave: Interdisciplinaridade; Trabalho em saúde; Programa de Saúde da Família.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006